Ao mesmo tempo em que Cristina Kirchner tenta aumentar investimentos e conduzir o país à sua maneira, a presidente lida igualmente com o desgaste político, motivado tanto por dissidências junto às bases políticas, que a acusam de concentrar poder, como também por seu temperamento forte.
A diplomacia falha muitas vezes a impede de desenvolver suas estratégias, quando por vezes não é ajudada até mesmo por seus aliados – como prefeitos e deputados – já que muitos preferiram se afastar do governo. “Desde o início do mandato de Néstor Kirchner [em 2003], o governo conseguiu irritar os setores da direita. O problema é que tampouco recompensou os seus aliados”, disse ao Opera Mundi o analista político Marcelo Leiras.
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Em novembro de 2005, o então ministro da Economia, Roberto Lavagna, arquiteto da reestruturação da dívida pública, foi demitido. Mais tarde, foi a vez de Felipe Sola, o ex-governador da província de Buenos Aires. No ano passado, Alberto Fernández, o chefe de gabinete de Néstor Kirchner e depois de Cristina, também pediu demissão “por motivos pessoais”.
Efe (17/05/2010)
Popularidade de Cristina Kirchner subiu de 20% há sete meses para 29%
O pesquisador Gabriel Puricelli, um dos coordenadores do Laboratório de Políticas Públicas em Buenos Aires, tem visto vários companheiros políticos de tendência progressista deixarem de apoiar o governo pela exclusão sistemática dos processos de decisão.
“O poder é extremamente concentrado. Os Kirchner não conseguem delegar para quadros políticos de segundo e terceiro escalão. Há um punhado de pessoas muito próximo a eles que toma todas as decisões, e nem sempre as melhores. O resultado é que pessoas que podiam ter um papel de crítica construtiva preferem se autocensurar e se afastar do governo”, analisou.
A debandada de apoiadores, que acaba atraindo pessoas sem capacidade em vez de técnicos de qualidade é acentuada pelo fato de os Kirchner não terem conseguido encarnar o modelo de político ideal que pregam em seus discursos. A proximidade com alguns empreiteiros é muito criticada, tal como o aumento da riqueza do casal. Quando Néstor assumiu a presidência, em 2003, os Kirchner declararam possuir 1,9 milhão de dólares. Em março, declararam que seu patrimônio crescera para 14,2 milhões de dólares. A oposição denuncia corrupção, acusação negada pelo governo, porém, é certo que o enriquecimento rápido é mal visto pela classe média. E a grande mídia não perde nenhuma oportunidade para acentuar esse sentimento.
Politicamente, o casal também decepcionou parte da esquerda, optando pelo pragmatismo. No começo do mandato, Néstor tinha gerado expectativas de que iria construir um movimento político transversal, baseado na militância de esquerda. Acabou optando pela batalha de influência dentro do partido peronista, com tudo o que esta estratégia envolve de ambiguidade ideológica e de aceitação do clientelismo como principal instrumento político.
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Volta por cima
A capacidade de resiliência do casal Kirchner, porém, é notável. Embora muitos analistas apostassem que Cristina deixaria o poder antes do final de 2009, a presidente lançou várias reformas, ganhando um novo suporte à esquerda. Sua popularidade, que havia estagnado no 20% há sete meses, já está alcançando 29%.
Por sua vez, Néstor conseguiu recuperar o controle do partido, que tinha perdido após o fraco desempenho eleitoral do ano passado. É uma ferramenta poderosa no contexto da eleição presidencial de outubro de 2011. Enquanto isso, Néstor também ganhou prestígio internacional ao ser eleito o primeiro secretário-geral da Unasul (União das Nações Sul-Americanas), em abril.
A volta do crescimento enche de novo os cofres do Estado. O preço da soja voltou a subir e, com ele, as receitas fiscais, permitindo ao governo manipular habilmente a dependência financeira das províncias, a maioria profundamente endividada. Os governadores mais hostis à Cristina são agora obrigados a cortejá-la para obter novos recursos.
Oposição
Finalmente, a principal força dos Kirchner, que permite a eles considerar a volta de Néstor na eleição do ano que vem, é a fraqueza da oposição. Sem projeto, “diferenciados apenas por sua retórica agressiva contra o governo”, como apontou Puricelli, os líderes da oposição não conseguem apresentar presidenciáveis para 2011, embora não faltem pretendentes.
Efe (24/05/2010)
Julio Cobos, vice-presidente e um dos principais inimigos políticos de Cristina, chega para as celebrações do bicentenário
Um deles é Francisco de Narváez, o milionário que venceu Néstor na eleição legislativa de junho de 2009. Mas críticos afirmam que seu discurso não tem consistência e o fato de ter nascido na Colômbia pode impedir sua candidatura. O próprio vice-presidente, Julio Cobos, hoje na oposição, é visto como um traidor dentro do próprio movimento político, o Partido Radical. Além disso, os membros da União Cívica Radical ainda estão desacreditados, já que dirigiam o país na época da crise de 2001, com Fernando de la Rúa.
“A oposição é um conglomerado de forças muito heterogêneas, que incluem pessoas de direita, mas também pessoas comprometidas com uma agenda mais progressista. É muito difícil para eles se unirem em torno de um candidato”, avaliou ao Opera Mundi o deputado Carlos Heller, do Partido Solidário.
A única agenda comum parece o desejo de destronar os Kirchner, o que não é suficiente para seduzir os eleitores. Embora Néstor e Cristina se revelem fracos no campo da ética, da eficiência e da conduta política, eles têm a vantagem de oferecer um programa e uma visão do que querem para o país.
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