Apesar das pressões internacionais, a Rússia se organiza para a incorporação da península autônoma ucraniana da Crimeia. “A decisão sobre a entrada da Crimeia já foi tomada no Kremlin no mais alto nível”, divulgou nesta quarta-feira (12/03) o portal russo Gazeta.ru. “A transferência está sendo preparada para os próximos dias”, afirmou o vice-presidente do Conselho de Ministros da Crimeia, Rustam Temirgaliey, em coletiva transmitida pela televisão russa.
Na terça (11/03), o Parlamento da República Autônoma da Crimeia adotou uma declaração de independência formal da Ucrânia. Na ocasião, o Ministério das Relações Exteriores russo anunciou que a declaração está “absolutamente” de acordo com a lei. Segundo Moscou, tal passo não necessitaria de uma modificação em sua legislação, já que para somar sua federação a um “estado independente e soberano” bastaria a assinatura de um tratado bilateral.
Efe
Em Sebastopol, na Crimeia, outdoor chama população a votar pela reunificação no referendo: escolha entre território “nazista” ou “russo“
Para ratificar a decisão do Legislativo, a população da Crimeia foi convocada para um referendo no próximo domingo (16/03) em que deverá responder a duas perguntas: “Você é a favor da reunificação da Crimeia com a Rússia como sujeito da Federação Russa?” e “Você é a favor de que volte a entrar em vigor a Constituição da Crimeia de 1992 e do status da Crimeia como parte da Ucrânia?”.
Se o referendo apontar para uma ruptura com Kiev, a península se tornará a entidade federada número 84 da Rússia. Neste caso, fontes do Ministério das Finanças russo disseram que prepararão um auxílio econômico. Segundo o jornal Izvestia, o pacote deve oferecer uma ajuda de mais de 30 bilhões de rublos (aproximadamente R$ 1,94 bilhão). Hoje, a Crimeia também declarou que vai assumir as empresas estatais ucranianas em seu território, inclusive as áreas de gás natural do mar Negro.
Censura dos EUA
O presidente dos EUA, Barack Obama, recebeu na tarde desta quarta, na Casa Branca, o primeiro-ministro da Ucrânia, Arseni Yatseniuk, para demonstrar seu apoio ao governo interino de Kiev em meio às tensões com a Rússia. O premiê ainda se reunirá hoje em Washington com a diretora do FMI (Fundo Monetário Internacional), Christine Lagarde.
Além disso, o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, anunciou hoje que encontrará o chanceler russo Serguei Lavrov na sexta (14/03) em Londres, para tentar resolver o impasse. Kerry declarou também que sanções contra a Rússia serão feitas se Putin não voltar atrás. “O cenário pode ficar muito feio se escolhas erradas forem feitas; e pode ficar feio em muitos sentidos”, disse, segundo o The Washington Post. Paralelamente, a marinha dos EUA também declarou que iniciou um exercício militar nas águas do mar Negro, nas proximidades da Crimeia.
Efe
O primeiro-ministro da Ucrânia, Arseni Yatseniuk, se encontrou com o presidente dos EUA Barack Obama nesta quarta em Washington
Repercussão internacional
Os líderes do G7 pediram nesta quarta que a Rússia pare com todas as suas ações para anexar a Crimeia, afirmou o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso. Em comunicado emitido pela Casa Branca, o grupo das sete economias mais desenvolvidas do mundo (Alemanha, Canadá, EUA, França, Itália, Japão e Reino Unido) alertou que o Kremlin deve por fim a “todos os esforços para mudar o status da Crimeia, o que é contrário à lei ucraniana e viola a lei internacional”.
Já os membros da EU (União Europeia) definiram hoje quais são as sanções à Rússia se a anexação for realizada. O acordo impõe, entre as punições, restrições a viagens e congelamentos de bens dos responsáveis por violarem a soberania da Ucrânia, segundo a Reuters.
A embaixatriz ucraniana no Brasil, Fabiana Tronenko, esteve nesta quarta na comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados e pediu apoio do governo brasileiro ao país. “Nós necessitamos dos nossos países amigos. Precisamos de um posicionamento do Brasil, não da sua interferência. Nenhum país está livre de sofrer essas mesmas infrações que a Ucrânia está sofrendo hoje em relação à sua soberania”.
NULL
NULL
Reação da Ucrânia
As tropas russas podem chegar a Kiev em poucas horas, advertiu nesta quarta Andrei Parubiy, secretário do Conselho Nacional de Segurança e Defesa da Ucrânia. “Até o hoje, essas tropas não só não se retiraram, mas, ao contrário, estão acumulando potencial militar nesses grupos junto à fronteira”, relatou Parubiy. “Infelizmente, a situação é crítica não apenas na península da Crimeia, mas em toda a fronteira nordeste do país. Na realidade, unidades das tropas russas estão a algumas horas de Kiev”, disse o secretário.
Ontem, o governo de Kiev já havia classificado a declaração de independência formal da Crimeia como “ilegítima”. “As autoridades da Crimeia são ilegítimas, porque foram escolhidas em violação dos procedimentos existentes e em violação de todas as leis e da Constituição ucraniana”, afirmou Yurii Klymenko, embaixador da Ucrânia na ONU, à Efe.
Entenda a Crimeia
Há quase duas semanas, separatistas pró-Rússia tomaram o controle do Parlamento regional da Crimeia. Sergei Aksyonov, nomeado novo primeiro-ministro da Crimeia em fevereiro, é um empresário de que prosperou após o desmantelamento da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas). Principal líder da campanha a favor da anexação da Crimeia à Rússia, ele afirmou que, em caso de independência efetiva da península, a Crimeia formará parte do exército russo e abandonará a moeda ucraniana, hrivna, para adotar a moeda russa, rublo.
Reprodução/ RT
Mapa mostra posicionamento geográfico polêmico da Crimeia – ao sul da Ucrânia e na fronteira com a Rússia
Banhada pelo Mar Negro, a península tem uma população de 2 milhões de habitantes, dos quais 60% são russos, 25%, ucranianos e 12%, tártaros. Este território fez parte da Rússia até 1954, quando se converteu em uma região autônoma na Ucrânia, que em 1991 se tornou independente após o fim da URSS.
Minoria étnica na região, os tártaros são fervorosamente anti-Rússia. Durante a 2ª Guerra Mundial, o líder Joseph Stálin mandou deportar povos tártaros da Crimeia para a Ásia Central, acusando-os de colaboração com o regime nazista, em 1944.