Proibido na maioria dos países do mundo, o aborto é legalizado na África do Sul desde 1996. O procedimento é gratuito para as gestantes que não têm condições de pagá-lo. Porém, devido à desinformação, muitas mulheres – muitas delas estrangeiras — ainda recorrem às clínicas ilegais.
De acordo com as autoridades locais, grande parte da população sul-africana mora em municípios afastados das grandes cidades, principalmente nas zonas rurais, onde há pouca instrução. Essas áreas concentram numerosos casos de abuso sexual de todos os tipos e negligência na saúde. Segundo estatísticas oficiais, uma mulher é violentada a cada 27 segundos na África do Sul.
Gleyma Lima/Opera Mundi
Anúncio em poste no centro da Cidade do Cabo promete fazer abortos “seguros e sem dor” por 300 rands
Para uma mulher que deseja abortar, há uma ampla oferta de clínicas clandestinas, todas facilmente encontradas em anúncios em postes e nas estações de trem no centro da Cidade do Cabo. Davi, médico que trabalha em uma delas, explica como funciona o procedimento: “fazemos o aborto em qualquer período de gestação. Até o quarto mês de gravidez cobramos 300 rands (cerca de 75 reais). Um remédio é ingerido e outro introduzido na vagina. Depois, a grávida aguarda 72 horas e, caso necessite, retorna à clínica para retirar o feto.”
A partir do quinto mês o procedimento é diferente. “Cobramos 600 rands (150 reais) para fazer a intervenção cirúrgica. A paciente toma uma anestesia geral para que possamos retirar o feto”, conta Davi.
Segundo o médico, a maioria das pacientes vem de países vizinhos e que há frequentemente menores de idade. “Não temos restrições quanto à nacionalidade ou à idade da grávida. Apenas pedimos para que o pagamento seja feito em dinheiro e na primeira consulta”, diz. Dr. Davi termina dizendo que o procedimento pode ser realizado até o oitavo mês e demora em média duas horas.
Segundo informações da Ong Marie Stopies, o principal risco apresentado neste último estágio da gravidez é a aplicação da anestesia errada, que causa a morte instantânea do bebê e da mulher.
Apesar de o tema ainda gerar polêmica no país, mais de 100 mil mulheres abortam todos os anos na África do Sul. “Decidi fazer o aborto quando fui casada com um homem extremamente agressivo, que me batia e abusava de mim diariamente. Ele tinha um filho de um relacionamento anterior. A decisão foi difícil, porque eu não podia sustentar duas crianças com meu salário, e meu marido na época não trabalhava”, explica a vendedora sul-africana, Karen Kotze, de 30 anos, que abortou com nove semanas de gestação. “Sabia que aquele não era o momento e fiz o aborto. Não voltaria atrás na minha decisão, pois não tinha dinheiro para sustentar outra criança”, justifica.
Segundo a responsável pela área de marketing da ONG Marie Stopies , Leanne Visser, médicos em clínicas ilegais não possuem registro médico, licença ou experiência para fazer um aborto. “Eles nunca trabalharam ou passaram por centros médicos designados pelo governo. Muitos introduzem uma infecção no útero para provocar um aborto espontâneo ou voluntária expulsão do feto. Não há tratamento médico para essas mulheres e os risco de morte só aumenta. Há prevalência de infecções, contaminação de HIV, abortos incompletos e grandes hemorragias”, relata a responsável pela organização, ligada ao governo.
A entidade ainda afirma que recebe muitas grávidas de outros países que buscam informações sobre aborto seguro. “Na maior parte das vezes elas alegam que a gravidez é indesejada e já querem abortar antes de voltarem para casa. Não fazemos isso, pois é contra a lei sul-africana. Mas sabemos que muitas mulheres de Lesoto, Zimbábue e Botsuana cruzam a fronteira”, afirma Visser.
“O Departamento Nacional de Saúde tem conhecimento da clandestinidade, mas isso não está na pauta neste momento. Entretanto, o centro Marie Stopes está trabalhando em parceria com formadores de opinião para sensibilizar sobre a questão e defender que os executores de abortos ilegais sejam presos”, ressalta.
Segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), em média, 210 milhões de mulheres ficam grávidas todos os anos, sendo que 45 milhões dizem que a gravidez não foi planejada. Deste número, 22% farão aborto e cerca de 90%, de forma ilegal. Em 13% dos casos, as mulheres chegam ao óbito – em alguns países como Índia e Brasil este número salta para 90%. É estimado que este ano cerca de 19 milhões de mulheres farão um aborto ilegal e aproximadamente 60% delas estarão no continente africano e com mais de 25 anos. Para 2015, a estimativa da OMS é que 500 milhões mulheres façam aborto.
Dentro da lei
A Constituição sul-africana reconhece o direito de decisão quanto à reprodução e segurança, além do controle do corpo. Por isso, desde que o país começou o processo de democratização, em 1994, o aborto passou a ser permitido até a 20ª semana de gestação em centros especializados ligados ao Departamento de Saúde e também em hospitais particulares credenciados.
Ao optar pelo aborto, as grávidas passam por entrevistas, exames clínicos e aconselhamentos. São oferecidas algumas opções antes: liberar o bebê para adoção ou deixá-lo em orfanato provisório até que a mãe tenha condições financeiras de criar a criança. Também são mostrados os auxílios do governo durante a gestação.
O aborto só é possível quando há dados consistentes de que a gestação acarretará riscos à saúde física e mental da mulher e do feto, se existir um risco substancial do feto sofrer severa anomalia mental ou física, nos casos de estupro ou incesto e, por fim, se a continuidade da gravidez afetará significantemente a mulher em aspectos sociais e econômicos.
Até a 12ª semana de gravidez o aborto é realizado por meio de pílulas abortivas. Já entre a 13ª e a 20ª semana, a mulher precisa passar por um procedimento cirúrgico. As adolescentes não precisam do consentimento dos pais ou do parceiro para terminar a gravidez.
O Departamento Nacional de Saúde regula a lei e define quais clínicas públicas, privadas e hospitais são legalmente designados para realizar o serviço.
NULL
NULL
NULL