No mês de maio, duas semanas de mobilização impediram que o governo de
Rafael Correa aprovasse um texto modificado da Lei de Recursos Hídricos,
Uso e Aproveitamento da Água, conhecida no país como Lei de Águas. As
modificações da lei, segundo o governo, eram necessárias para
descentralizar o abastecimento de água no Equador. Para os indígenas,
mantinham o acesso e controle da água nas mãos dos grandes produtores.
A Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), a
Federação Equatoriana de Indígenas Evangélicos (Feine), a Federação
Nacional de Organizações Campesinas, Indígenas e Negras (Fenocin) e a
Confederação Kichwa do Equador (Ecuarunari) reafirmaram a unidade na
luta pela necessidade de uma verdadeira Lei de Águas, que atenda a
maioria da população.
A integrante da CLOC (Coordenadora Latinoamericana de Organizacioções do
Campo) – Via Campesina, Natalia Paulino, que está no Equador, conta à Radioagência NP que a população
camponesa continua a se mobilizando diante da falta de água para consumo
humano e para a organização da pequena produção.
Por que existe disputa pela água no
Equador?
A utilização da água no Equador é ligada diretamente com a questão
cultural, ancestral, de toda a população indígena camponesa e
afrodescendentes e, dentro dessa estrutura, existe certa pré-disposição
pra luta pelo direito e utilização dessa água. O problema que
encontramos hoje é que a utilização das águas está bem menos nas mãos
dos camponeses e está concentrada nas mãos de terratenentes, como eles
dizem lá, que são os grandes capitalistas do campo – com uma grande
produção de banana, de floricultura, de cana-de-açúcar, de palma voltada
à exportação.
Como a falta de água afeta os
camponeses no país?
Essa água deveria ser voltada à população humana, mas ao invés de chegar
para o homem e para a mulher, chega para a produção em larga escala. E a
água que sobra é quase inutilizável, mas como as pessoas necessitam de
água é utilizada. Assim como no Brasil, a produção camponesa já não está
mais próxima dos rios, mas estão próximas aos açudes para reter a água
para a pequena produção. Mas o fato é que não conseguem ter um acesso
tanto na questão da produção da alimentação por não ter a água que é
fundamental nessa situação. Logicamente não se produz o que é necessário
para uma dita seguridade alimentar por não ter acesso à água que é
fundamental nessa situação.
Por que a Lei de Águas não foi votada?
A lei seria votada neste mês de maio. Na verdade é um pouco parecido com
o que acontece no Brasil, eles fazem grupos de discussão dentro da
Assembleia Nacional para poder trabalhar a lei e, de uma forma ou de
outra, tentar modificar algum parâmetro dentro dela. E dentro dessas
mudanças, a água, de fato, não ia ser votada para o consumo humano e pra
soberania alimentar e ia trazer de volta a questão de desvio da água
para a produção das grandes empresas. E ao mesmo tempo que estava sendo
levada para a discussão e votação, algumas organizações indígenas do
Equador estavam também levando à sua base o que realmente estava
acontecendo e esclarecendo o que poderia acontecer caso essa lei fosse
votada dessa forma.
Quando os camponeses se deram conta de
que a lei poderia piorar ainda mais o acesso deles à água, eles foram
pra rua. Como foi que isso aconteceu?
Foram duas semanas de mobilização das organizações camponesas e das suas
bases principalmente na Serra, onde tem a maior produção de alimentos.
Ali se encontra a maioria dos indígenas, então vieram como organizações
sociais do Equador pra lutar contra essa aprovação e participar das
discussões que estavam sendo debatidas dentro da Assembleia. O primeiro
dia [marcado para a votação] foi uma violência dentro da Assembleia
entre os assembleístas mesmo. Do lado de fora da Assembleia tinha um
confronto direto entre a polícia comandada pelo alto escalão
governamental e as organizações camponesas. E foi uma violência
realmente muito dura, com cassetete, com arma, com bomba de efeito moral
e tanque na rua.
Agora a Lei está parada, com a previsão
do tema ser levado à plebiscito. Qual a expectativa das organizações
indígenas camponesas para os próximos meses?
A perspectiva é que as pessoas fiquem muito mais atentas ao que está
acontecendo a nível governamental e a nível de decisão das suas próprias
situações sociais. De outro lado podem ser que essas leis que estavam
pra ser modificadas (Lei de Águas, Lei de Cultura, Lei de Educação, Lei
de Comunicação) possam ficar paradas. Então, a briga vem um pouco nessa
situação, e o governo, por parte do presidente, vem tentando conciliar
os dois lados, algo que está acontecendo em vários países e também
acontece no Equador.
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