A lei que garante um preço fixo comum de livros não é apenas uma necessidade cultural, mas também econômica. Esse é o pensamento de Markus Gerlach, autor da obra Proteger o Livro e diretor do instituto de pesquisa francês KOS Research.
Durante a mesa “As Leis de Proteção ao Livro no Mundo”, do 1º Seminário Libre de Proteção ao Livro organizado pela Libre (Liga Brasileira de Editoras), que aconteceu nesta segunda-feira (16/08) e contou com mediação do diretor de redação de Opera Mundi, Haroldo Ceravolo Sereza, o pesquisador analisou os efeitos da ausência de legislações que fixem um preço comum aos livros em distintos países da Europa.
Gerlach explica que na Europa existe uma oposição entre países que adotam o sistema legal de proteção do livro e aqueles que não adotam, como os países anglo-saxões e a Suécia. Ao comparar os dados entre a Alemanha e o Reino Unido, ele encontrou uma “gama de fenômenos”: no Reino Unido, que abandonou a lei do preço livre em 1995, existe uma forte concentração de redes de comércio eletrônico, que gerou uma diminuição no número de livreiros independentes, e provocou uma modificação importante na “tectônica” da edição.
A escolha comparativa com a Alemanha, explica o autor, foi motivada por uma ameaça da União Europeia na região germânica sobre a questão legal do livro, fato que motivou por sua vez uma mobilização de especialistas alemães que mostraram o impacto da lei na Alemanha, na França e no Reino Unido.
Entre 1995 e 2002, a diminuição no número de livreiros no Reino Unido foi de 12%, aponta Gerlach, enquanto na Alemanha foi de 3%, fenômeno que aumentou com o espraiamento do mercado digital: somente a Amazon, detém hoje 45% a 50% das vendas de livros. Já na Alemanha esse número de vendas digitais é de 20%.
Enquanto no país germânico subsistem 30% de livreiros independentes, no Reino Unido esse número cai para apenas 5%. Ele aponta que a Comissão Europeia considera esse comércio eletrônico positivo por conta de preços atrativos. Mas não é isso que ele observa: entre 1996 e 2018, o preço da capa do livro aumentou 80% no Reino Unido. Na França, essa porcentagem foi de 24%, enquanto na Alemanha 29%.
“O efeito desse mercado a gente já imaginava: é relativamente positivo para best-sellers, mas não para os outros livros”, declarou. Ele apontou ainda outro dado que considera importante: o fechamento de um único ponto de venda de livros causa a queda de 6 mil livros que deixam de ser vendidos, e não são substituídos pelo comércio eletrônico.
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Markus Gerlach é autor da obra "Proteger o Livro"
Alexandre Martins Fontes, proprietário da editora Martins Fontes, que também estava presente no debate, afirmou que nunca esteve tão preocupado pelo mercado editorial brasileiro como um todo, não apenas por sua marca. “Eu estou absolutamente convencido que as livrarias vão deixar de existir se nós não aprovarmos a lei de proteção de livros em um curto espaço de tempo no Brasil”, disse o editor.
Para a pesquisadora e historiadora Marisa Midori, participante de um seminário promovido entre a Universidade de São Paulo (USP) e o Institut des Amériques, “a experiência francesa nos ensina que o debate na França se deu sobre a vocação dupla do livro: é uma mercadoria mas também é um fermento cultural”.
Ela avalia que na França, a união da classe profissional de livreiros no debate dos anos 1970, pouco antes de ser aprovada a lei, foi fundamental para a consolidação da proposta. “Em meio a uma crise econômica do cenário do livro, a classe mostrou a capacidade da classe se unir em torno de uma lei e objetivos comuns”, declarou.
Outro fator fundamental foi a existência de lideranças políticas que encabeçaram o projeto: Jérôme Lindon, com capital simbólico e força político cultural para representar a classe, e o ministro da Cultura da época, Jack Lang, que dá nome à lei francesa.
“O debate sobre a lei do preço único no Brasil se coloca em boa hora”, opina Midori, afirmando que o setor comercial passa por uma crise em meio a um debate para a mudança do governo. além da crise e um debate para mudança do governo
“Dentro desse quadro precisamos informar a população, formar a opinião pública e precisamos formar nossas lideranças”, conclui Marisa Midori.
Confira a programação completa do 1º Seminário Libre de Proteção ao Livro:
Segunda, dia 16/8
15h30
As leis de proteção ao livro no mundo
Abertura: Tomaz Adour, presidente da Libre
Debatedores:
Haroldo Ceravolo Sereza (Libre, mediação)
Markus Gerlach (KOS Research, França)
Alexandre Martins Fontes (Livraria Martins Fontes)
Marisa Midori (ECA-USP)
19h30
As leis de proteção ao livro no Brasil
Debatedores:
Raquel Menezes (Libre, mediação)
Senador Jean Paul Prates (PT-RN)
José Castilho Marques Neto (consultor, ex-secretário nacional do Livro e Leitura
Júlia Alves (bibliotecária, Conselho Municipal do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas-São Paulo)
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Terça, dia 17/8
18h30
A economia do livro
Debatedores:
Lizandra Magon (Libre, mediação)
Mariana Bueno (Pesquisadora SNEL/Nielsen)
Marcus Teles (Livraria Leitura)
Rejane Dias (Grupo Autêntica)
Cid Vale Ferreira (Clepsidra, Coesão Independente)
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Quinta, 19/8
18h30
O livro, a livraria e a pandemia
Debatedores:
Tomaz Adour (Libre, mediação)
Primo Luiz Maldonado (LDM Livraria e Distribuidora Multicampi)
Gilvanedja Mendes (PB) – Bibliotecária da UFPB. Integrante do Fórum Paraibano do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas – FLITECA/PB
Tito Montenegro Barbosa Neto (Câmara Riograndense do Livro)
Rui Campos (Livraria Travessa)
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Sexta, 20/8
18h30
O livro e a política: guerra cultural
Debatedores:
Rosana Mont’Alverne (Libre, mediação)
João Cezar de Castro Rocha (Letras-UERJ)
Chico de Paula (Revista Biblioo)
Fernanda Diamant (Livraria Megafauna)
Otávio Júnior (escritor e livreiro do Alemão)
Para assistir às palestras, acesse o Youtube ou Facebook da Libre.