O apoio da imprensa foi um dos fatores determinantes para o sucesso do golpe de Estado ocorrido no Chile em 11 de setembro de 1973. Não só com relação à maioria dos grandes veículos de mídia, mas especialmente com o maior de todos, e que se ergueu quase como um porta-voz da ditadura que tomou o poder naquele então: o jornal El Mercurio.
A participação do El Mercurio naquela trama golpista está detalhadamente retratada em uma das obras cinematográficas mais importantes sobre os eventos ocorridos no Chile há meio século: o documentário El Diario de Agustín, dirigido por Ignacio Agüero e produzido graças a um financiamento obtido através do Programa de Liberdade de Expressão da Universidade do Chile.
Em 80 minutos, a película não aborda apenas a história do jornal chileno como também a do megaempresário Agustín Edwards Eastman, seu dono na época do golpe.
A partir do minuto 15’55, começa o capítulo mais político do filme, que recorda a conhecida história da viagem de Edwards a Washington, nos Estados Unidos, poucos dias após a vitória do socialista Salvador Allende nas eleições presidenciais de 1970, ocasião em que o magnata chileno conseguiu uma audiência na Casa Branca.
Baseado em documentos desclassificados no início deste século, o documentário conta que Edwards chegou a ter reuniões com o então diretor da Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA), Richard Helms, e com o então secretário de Estado, Henry Kissinger – nesse segundo encontro, teria sido dita a frase de Kissinger sobre “não deixar um país ser dominado pelo comunismo devido à irresponsabilidade do seu povo”, segundo historiadores chilenos.
Porém, documentos desclassificados recentemente pelo governo dos Estados Unidos revelam que a visita de Edwards à Casa Branca também incluiu uma reunião secreta com o então presidente Richard Nixon, o que teria sacramentado o apoio do governo norte-americano aos setores que queriam derrubar o governo de Allende.
Biblioteca Nacional do Chile
Documentário ‘El Diario de Agustín’ revela como o dono do jornal El Mercurio, Agustín Edwards, se tornou cúmplice do golpe de Estado de 1973
Segundo o documentário, após sair da Casa Branca, o empresário se instalou na cidade de Miami, onde viveu até 1974, retornando ao Chile apenas após o golpe.
Os documentos desclassificados também mostram que, durante o governo de Allende, o governo dos Estados Unidos injetou US$ 2 milhões nos cofres do El Mercurio, através de organizações ligadas à CIA, para que o jornal fosse a ponta-de-lança da oposição contra o seu projeto socialista, além de defensor insistente da intervenção militar.
O trecho não é o único destacável do filme, que aprofunda muito mais na história do El Mercurio, desde sua fundação em 1827, na cidade de Valparaíso, até sua mudança para Santiago, para se tornar o diário mais influente do Chile e a mais antiga publicação em idioma espanhol ainda em circulação.
Também conta como essa influência se tornou muitíssimo maior durante a ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990), quando o diário se tornou uma espécie de porta-voz informal do regime, especialmente nas operações midiáticas para ocultar as violações aos direitos humanos cometidas pelos aparatos de repressão.
Vale lembrar que o filme chegou a ser boicotado no Chile até 2015, devido ao fato de que a empresa de Agustín Edwards Eastman comprou os direitos de exibição para impedir que ele fosse veiculado em canais de televisão aberta. Atualmente, ele está disponível na íntegra na plataforma YouTube.
Assista abaixo a versão completa do filme El Diario de Agustín: