O escritor brasileiro Jeferson Tenório, autor da obra literária O Avesso da Pele, que retrata o cenário do racismo no Brasil, afirmou que a censura promovida contra seu livro por “expressões impróprias” parte de uma estratégia tradicionalmente utilizada pela direita de querer “inventar informações” para construir uma “determinada verdade”.
A posição de Tenório ocorreu durante o programa 20 MINUTOS, de Opera Mundi, na quinta-feira (14/03). Para ele, a repressão contra seu livro mostra um despreparo com relação a temas como o racismo, já que outras coisas “chocam” mais do que a luta contra o preconceito aos negros.
“A gente não pode querer uma literatura higienizada, uma literatura em que você não possa trazer determinadas palavras porque isso vai chocar as pessoas. Agora, o racismo não choca. A violência policial não choca. A morte de pessoas negras não choca. A fome e a miséria não chocam. Tudo isso não choca. O que vai chocar é o palavrão”, criticou Tenório.
Vencedor do Prêmio Jabuti 2021, a obra que entrou na lista dos 10 livros mais vendidos da Amazon Brasil foi vítima de censura em uma escola de Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul, por conter linguagem de “baixo-calão”. A diretora Janaina Venzon, da Escola Ernesto Alves, culpou até o Ministério da Educação de “enviar para as escolas [livros] com vocabulários de tão baixo nível para serem trabalhados com estudantes do ensino médio”.
Tenório rebateu essa acusação, uma vez que as obras literárias são selecionadas pelo próprio corpo docente do respectivo instituto educacional e “nenhum governo impõe nada”.
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Capa de ‘O Avesso da Pele’, por Jeferson Tenório
Segundo o escritor, esses ataques ao governo foram uma forma de desvirtuar o verdadeiro ponto da censura: “a ideologia ultraconservadora”.
“Você procura argumentos para não trabalhar no livro porque justamente a ideologia ultraconservadora diz que isso faz parte de uma ideologia de esquerda. Por isso os ataques ao governo federal, desvirtuando o que é o Programa Nacional do Livro e do Material Didático”, explicou o autor durante o programa.
Sobre as críticas em torno do conteúdo “inapropriado” do livro, que faz uso do discurso violento inserido em cenários racistas do cotidiano, Tenório defendeu que a linguagem utilizada por ele “está a serviço de um argumento” associado à frequente sexualização de corpos negros.
“Você pega uma frase com palavrões, diz que aquilo é inapropriado sem ler o contexto, sem ler a reflexão, e a pessoa não entende que aquilo, na verdade, é uma linguagem violenta que é proferida justamente por pessoas brancas quando olham os corpos de pessoas negras. Essa é a crítica”, afirmou o autor, acrescentando que as cenas não estão lá “gratuitamente”.
“A escola é um ensaio para a vida em que você vai tentar escolarizar o mundo para que o aluno entenda a importância de determinados temas e, ao mesmo tempo, ela é a vida acontecendo. Aí você tem uma visão em que se entram valores. Acho que é o valor pessoal da professora interferindo justamente na formação de cidadãos”, criticou Tenório.
Assista abaixo a entrevista completa de Jeferson Tenório no programa 20 MINUTOS: