Em fala durante a abertura do 7º Congresso Nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) realizado na noite desta sexta-feira (22/11), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou sobre as relações do Brasil com as nações latino-americanos e afirmou que o país tem que voltar a fazer investimentos na América Latina e na África.
Na abertura congresso, Lula dedicou cerca de 12 minutos de sua fala a temas internacionais. Opera Mundi fez um recorte desses trechos, em texto e vídeo.
“Se o PT voltar um dia ao governo, ou a esquerda voltar ao governo, nós temos que ter um compromisso de honra, nós temos que voltar a fazer investimentos na América Latina, e fazer investimentos na África”, disse.
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O ex-presidente ainda falou sobre a situação da Venezuela, condenou os países que reconheceram o deputado de direita Juan Guaidó como presidente e parabenizou o povo venezuelano pela resistência diante dos EUA.
“Inventaram um candidato a presidente que não tinha disputado a presidência, um tal de [Juan] Guaidó, e a vergonha que eu tenho é que o mundo inteiro reconheceu um golpista, um mundo inteiro democrático, liderado pelo [Donald] Trump nos Estados Unidos, e hoje, depois do que aconteceu na Bolívia, eu quero dizer para vocês: nós temos que ter orgulho do povo venezuelano ter resistido o tanto que resistiu para não se entregar ao caprichos do governo americano”, afirmou.
Lula ainda mencionou o golpe de Estado na Bolívia que obrigou Evo Morales a renunciar e disse que “mulheres e homens bolivianos foram vítimas de um golpe tão grave como quanto o que foi dado aqui no Brasil”.
O ex-presidente ainda agradeceu o apoio que o presidente eleito da Argentina, Alberto Fernández, deu em prol de sua soltura e afirmou que “não só ele falou na imprensa como fez um grande discurso em minha defesa e fez um discurso ainda melhor na Argentina”.
O petista ainda manifestou solidariedade com os povos chileno e equatoriano pela manifestações recentes contra pacotes neoliberais impostos pelo governo e felicitou a greve geral realizada na Colômbia nos últimos três dias.
Lula ainda lembrou do ex-presidente cubano Fidel Castro, quem classificou como um homem “tão leal comigo pessoalmente e com o PT na relação política”. O ex-presidente ainda lembrou das relações dos governo petistas com Havana e disse que “tentaram condenar o PT e estão me processando, e a Dilma [Rousseff] também, pelo investimento que fizemos em Cuba pela construção do Porto de Mariel”.
O ex-mandatário afirmou que não querem permitir que o Brasil “seja um país capaz de ter protagonismo no mundo internacional” e mencionou a criação dos Brics, da Unasul (União de Nações Sul-Americanas), da Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos) e das relações com países latino-americanos, africanos e árabes como motivos pelos quais impediram o crescimento do Brasil.
“O Brasil não nasceu para ser capacho dos Estados Unidos. O Brasil nasceu para ser uma nação livre e soberana”, disse.
Lula também condenou a decisão da diplomacia brasileira que, pela primeira vez em 27 anos, votou contra a suspensão do bloqueio a Cuba na ONU, atitude que o petista classificou como “vergonhosa, que enlameia o nome do Brasil”.
Sobre a postura do PT, Lula disse que o partido “não pode se acovardar diante das adversidades”. “Não venham dizer que o PT é radical. Deveríamos ser, porque um pouco de radicalismo faz bem a nossa alma”, afirmou.
Leia o discurso de Lula:
Eu acho que nós temos que aqui agradecer e prestar solidariedade aos companheiros, mulheres e homens bolivianos, que foram vítimas de um golpe tão grave como quanto o que foi dado aqui no Brasil. Quero aqui também dizer dos meus agradecimentos e da minha solidariedade ao companheiro Alberto Fernandez, presidente eleito da Argentina, que teve a coragem de vir me visitar na cadeia. Eu ainda tentei, [Jorge] Taiana, eu ainda falei com o Alberto: você não é obrigado a falar com a imprensa, porque eu não quero criar problema pra você, eu não quero te prejudicar. Não só ele falou na imprensa como fez um grande discurso em minha defesa e fez um discurso ainda melhor na Argentina.
Então minha gratidão aos hermanos portenhos da Argentina. Taiana, o Taiana, que está aqui presente, que é deputado hoje, ele foi ministro das Relações Exteriores junto com Celso Amorim, e prestaram um serviço enorme a nossa querida América Latina.
Também quero parabenizar o povo chileno pela competência do movimento que estão fazendo, quero parabenizar o povo de El Salvador, ou melhor, o povo do Equador, e também ser solidário ao companheiro Rafael Correa, que é vítima de um processo muito semelhante ao meu aqui no Brasil.
Quero também parabenizar o povo da Colômbia, que hoje me parece que foi às ruas se manifestar. Quero dizer aos meus companheiros cubanos que tive a alegria e o prazer de conhecer o companheiro Fidel Castro. Poucas vezes um homem foi tão leal comigo pessoalmente e com o PT na relação política como foi o companheiro Fidel Castro. Então eu quero que os cubanos transmitam ao presidente de Cuba, ao Raul [Castro] e aos companheiros familiares de Fidel os meus agradecimentos.
E obrigado pelas duas milhões, 61 mil e 595 assinaturas que vocês trouxeram.
Eu quero que vocês saibam que o PT não pode se acovardar diante das adversidades. Não faz muito tempo nós tivemos problema no nosso país, no nosso partido, no nosso povo, em relação à crise da Venezuela. Tentaram condenar o PT e estão me processando, e a Dilma [Rousseff] também, pelo investimento que fizemos em Cuba pela construção do Porto de Mariel. Estão tentando me condenar por todos os investimentos que nós fizemos na África. E quero dizer pra vocês que se o PT voltar um dia ao governo, ou a esquerda voltar ao governo, nós temos que ter um compromisso de honra, nós temos que voltar a fazer investimentos na América Latina, e fazer investimentos na África.
Pra Moçambique nós levamos uma universidade à distância, nós financiamos a fábrica de remédios antirretrovirais, nós levamos a Embrapa para Gana na perspectiva de fazer com que toda a Savana africana pudesse produzir com a mesma qualidade que produz o cerrado brasileiro. Depois nós saimos do governo, disseram: não, só vamos mandar tecnologia eles pagarem. E nós temos uma dívida com a África que, se a gente manda tudo que a gente sabe, a gente não paga a dívida história que nós temos com o povo africano.
Mais recentemente era quase que ser demônio qualquer tentativa de defender os companheiros da Venezuela. Inventaram um candidato a presidente que não tinha disputado a presidência, um tal de [Juan] Guaidó, e a vergonha que eu tenho é que o mundo inteiro reconheceu um golpista, um mundo inteiro democrático, liderado pelo [Donald] Trump nos Estados Unidos, e hoje, depois do que aconteceu na Bolívia, eu quero dizer para vocês: nós temos que ter orgulho do povo venezuelano ter resistido o tanto que resistiu para não se entregar ao caprichos do governo americano.
Veja vídeo da fala de Lula sobre Venezuela, Cuba, Colômbia, Argentina, relações do Brasil com países africanos e outros temas internacionais:
E quero aqui fazer uma homenagem ao companheiro Pimenta e aos companheiros do PT e de outros partidos políticos, que esta semana, quando alguns invadiram a embaixada da Venezuela, ele foi junto com os militantes e conseguiram tirar os invasores.
Não dá mais, se você analisar a história do Brasil, em 500 anos de história, não tem um momento em que os americanos fizeram alguma coisa pro Brasil. A única coisa que eles prometeram fazer foi a Aliança pelo Progresso, que não deu em nada. Mas o que eles querem de verdade é não permitir que o nosso país seja soberano, é não permitir que o nosso país seja um país capaz de ter protagonismo no mundo internacional, o que eles fizeram aqui é por conta da criação dos Brics, é por conta da criação da Unasul, o que ele fizeram aqui é pelo nosso compromisso com o povo africano. O que eles fizeram contra nós é porque nós fizemos reuniões com a América do Sul com os países africanos. Fizemos reunião aqui com os países árabes. E porque nós criamos o IBAS [Fórum de Diálogo Índia, Brasil e África do Sul], que era com Brasil, África do Sul e Índia. Porque nós criamos a Celac [Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos], que era a primeira instituição aqui na América Latina em que participava Cuba e não participava nem o Canadá e os Estados Unidos. Não venham dizer que o PT é radical. Deveríamos ser, porque um pouco de radicalismo faz bem a nossa alma.
Eu não estou mais radical. Pode crer [Fernando] Haddad, eu estou mais consciente. Eu nunca li tanto sobre a história africana como eu li nesses 580 dias. E hoje, para mim, está mais claro. Eles não só acabaram com a escravidão do jeito que acabaram como eles não deram oportunidade de trabalhar, não deram terra e criaram uma nova nominata, não era mais escravo era vagabundo. Os negros passaram a ser chamados de vagabundo e até hoje é o que a gente mais vê. Quando a gente vê um companheiro desempregado, ou dormindo na rua, muita gente fala ‘está aí porque é vagabundo. Porque ele não quer trabalhar. Porque não estudou. Porque é vagabundo’. E Gleisi, querida galega, só tem uma razão de ser, de esse partido existir. É ele não perder a noção de que nós nascemos para representar, ele não perder a noção de que nós temos lado. É ele não perder a noção de que a gente não tem nada contra os Estados Unidos, nós queremos manter relações com os americanos, mas nós queremos manter relação com a Bolívia, nós queremos manter relações com Cuba, não é possível, o Brasil agora é o único país, o único país agora é Brasil, Israel e Estados Unidos votaram contra Cuba em uma decisão vergonhosa que enlameia o nome do Brasil. O Brasil não nasceu para ser capacho dos Estados Unidos. O Brasil nasceu para ser uma nação livre e soberana.
O Celso Amorim estava comigo quando eu fui aos Estados Unidos e o Bush falava da guerra do Iraque. E ele falava ‘é preciso, é preciso derrotar o Iraque, é preciso derrotar o terrorismo porque eles têm armas químicas’, e eu falava ‘Bush, não têm’. O [José Maurício] Bustani era o embaixador brasileiro. Era o responsável pela agência de armas químicas e ele disse ‘não tem armas químicas no Iraque’. E ele teimou que tinha. Aí ele me convidou ‘Lula você tem que entrar na guerra conosco’, eu falei ‘Bush, vou lhe dizer uma coisa, eu não conheço o Iraque, não soou amigo do Saddam Houssein, fica a 14 mil km do Brasil, eu tenho inimigo lá dentro do Brasil porque essa guerra eu quero vencer, vencer a fome no meu país, eu quero que as pessoas possam comer três vezes ao dia’.
Então gente, eu quero que vocês saibam, eu já disse muitas vezes isso, companheira Gleisi. Eu não sei quanto tempo eu tenho pela frente, aliás ninguém sabe. Mas eu estou determinado e estou discutindo com o além, eu quero viver até os 120 anos, mas não importa quanto tempo eu tenho. Hoje nós perdemos um companheiro histórico. O companheiro Henry Sobel, rabino, muito importante na luta pela democracia no nosso país, amigo de Dom Paulo Evaristo Arns. E eu fico pensando se vale a pena a gente viver, se a gente não colocar a cabeça no travesseiro todo dia, e a gente ter uma consciência tranquila de que a gente fez alguma coisa de bom. Eu queria agradecer os advogados que me ajudaram, o cara chama Buxixo, eu não sei se veio, mas eu vi ele aqui. É um cara que prestou uma solidariedade impagável, Buxixo. De coração, você não existe meu querido.
Ricardo Stuckert
‘PT não pode se acovardar diante das adversidades’, disse o ex-presidente