O mandatário da República Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, durante entrevista coletiva na manhã desta terça-feira (07/02), em Brasília, que não discutirá com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, sobre a taxa de juros.
“Eu fiz duas críticas à imprensa, ele deve explicações não a mim, mas ao Congresso Nacional, que o indicou”, disse Lula.
Lula foi questionado pelo jornalista Luís Costa Pinto, do site 247, se o Conselho Monetário Nacional poderia pedir a demissão do presidente do Banco Central por incompetência após a manutenção da taxa Selic em 13,5% ao ano, considerando que a instituição, nos últimos dois anos, não conseguiu cumprir a meta de inflação.
O Conselho Monetário Nacional é composto por dois ministros da Fazenda (Fernando Haddad) e do Planejamento (Simone Tebet) e pelo presidente do Banco Central. A lei complementar 179, que deu autonomia ao Banco Central, pode pedir a exoneração do presidente da instituição.
“É verdade que nós temos duas pessoas no Conselho Monetário Nacional e tem mais gente para indicarmos no BC. Eu espero que o Haddad esteja vendo, acompanhando e cioso do que tenha que fazer”, disse Lula.
O presidente também lembrou do seus dois primeiros mandatos. “Quando era presidente da outra vez, eu tinha o José Alencar para fazer as coisas da política de juros, agora sou eu mesmo que faço”, disse. Segundo Lula, “não é possível que a gente queira que esse país volte a crescer com uma taxa de juros de 13,5%. Nós não temos inflação de demanda. É isso que eu acho que esse cidadão, que foi indicado pelo Senado, tem a possibilidade de maturar e pensar de como é que ele vai cuidar desse país”.
Ainda de acordo com Lula, Campos Neto, por conta da lei 179, tem mais responsabilidade do que Henrique Meirelles tinha no passado. “Naquele tempo poderia jogar a culpa no presidente da República, e agora não. Agora, a culpa é do BC, por que o presidente não pode trocar, é o Senado”, afirmou.
“De qualquer forma, como eu não conheço o presidente do BC bem, eu estive uma vez com ele, eu sempre parto do pressuposto de que as pessoas estão com boa fé”, disse Lula, “de que (ele) quer (ver) a economia crescer e para isso é necessário que o juros sejam acessíveis pela parte dos investidores brasileiros”. O presidente lembrou a previsão de crescimento do Fundo Monetário Internacional para este ano.
“A previsão do FMI é que nós vamos ter um crescimento muito pífio este ano, e esse país não pode continuar tendo crescimento pífio pois precisa gerar emprego. Esse país tem que acabar com a fome de 33 milhões de pessoas. Esse país precisa criar emprego formal, atualizar a relação de capital e trabalho, inclusive com as empresas que fazem os trabalhos de prestação de serviços. As empresas de aplicativo, precisamos regular uma nova relação com o mercado e capital por que senão os trabalhadores estão se colocando quase como escravos. E esse trabalhador só vai perceber isso quando quebra seu carro, a moto que faz entrega e ele vai perceber que não tem nenhuma proteção do Estado brasileiro”, continuou.
Ainda respondendo a esta questão, o governo promoverá mudanças em todos os bancos estatais. “Haverá mudanças em todos os bancos”, afirmou. “E eu tenho dito que o Banco do Nordeste vai voltar a emprestar dinheiro para um Estado ou uma cidade que tenha a capacidade de endividamento. Não tem sentido ele se recusar a emprestar dinheiro para o Estado e esse tiver capacidade de financiamento. E também vale para o BNDES”.
Ricardo Stuckert
Segundo Lula Lula, o atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, tem mais responsabilidade do que Henrique Meirelles tinha no passado
Voltando ao tema da ação de Campos Neto, Lula disse que “não deveria ser normal um presidente da República ficar discutindo verbalmente, porque pessoalmente eu só tive um contato com ele (presidente do BC)”. Para ele, “as pessoas que acreditavam que a independência do BC ia mudar alguma coisa no Brasil, que seria melhor e que o juros seriam mais baixos, as pessoas que tomaram essa posição é que tem que ficar olhando se valeu a pena ou não”.
Eletrobras
Durante a coletiva, Lula tratou também da privatização da Eletrobras. Na sua avaliação, o processo foi lesa-pátria. “Uma privatização lesa-pátria, a começar pelos salários dos diretores, dos conselheiros e pelo fato de que o governo só tem 10% de participação (na direção da empresa) quanto ele tem 40% das ações”, afirmou Lula, respondendo a uma questão da jornalista Eleonora de Lucena, do site e canal no Youtube Tutameia.
A pergunta de Lucena veio após o presidente, em resposta a outra pergunta, ter apontado o aumento de salário dos executivos da empresa após a privatização. Até a privatização, o presidente da empresa ganhava R$ 52.300 por mês; após a perda do controle pelo Estado, o executivo passou a ganhar R$ 300 mil por mês. Já os conselheiros da empresa recebiam R$ 5.440 por mês e tiveram seus ganhos aumentados para R$ 200 mil.
Segundo Lula, “possivelmente” a Advocacia Geral da União questionará pontos do contrato, chamado de “leonino contra o governo” por Lula. “Isso é uma coisa irracional e maquiavélica, que nós não podemos aceitar. Agora, se a gente conseguir fazer a economia crescer e as coisas forem bem, e a gente puder comprar mais ações, faremos isso”.
Petrobras
Ainda com relação às empresas estatais, Lula falou que nos últimos anos teve “muita coisa mal feita”. Citou, especialmente, o que chamou de desmonte da Petrobras e o fato de o país estar exportando óleo cru enquanto importa 25% da gasolina que consome.
“O Brasil vende óleo cru e fica importando derivado quando, na verdade, o Brasil deveria estar exportando derivados. Era por isso que a gente queria criar as cinco refinarias, para que o Brasil aproveitasse o pré-sal e passasse a exportar derivados e não comprar derivados e vender óleo cru”.
Lula voltou ainda a repetir que a recompra de estatais não é prioridade do governo. “A minha prioridade, nesse momento, é acabar com a fome nesse país. Eu vou repetir o que eu disse em 2003: é minha meta principal acabar com a fome nesse país, alfabetizar as crianças na idade certa, e cuidar da saúde”.
Cuba e Venezuela
Durante a coletiva, Lula também tratou das relações entre o Brasil, Venezuela e Cuba, prejudicadas depois do impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016. “O Brasil vai reatar suas relações com a Venezuela com a maior tranquilidade. Com Cuba nós vamos manter as relações que nós sempre tivemos. E será assim com qualquer outro país”, disse ainda Lula. “Nós vamos ter um embaixador do Brasil na Venezuela. Logo logo nós vamos ter um embaixador em Cuba, e Cuba vai trazer o seu embaixador ao Brasil, e tudo voltará à normalidade”.
Lula lembrou também a importância desses países no comércio exterior brasileiro. Cuba sempre foi boa pagadora, disse Lula, e só deixou de honrar com os pagamentos dos empréstimos brasileiros ao país durante os anos Bolsonaro, que não queria conversa como os cubanos. “Não queriam conversar, aí não tinha nem que fosse cobrar”, afirmou.
A entrevista nesta manhã, ocorrida no Palácio do Planalto, durante um café da manhã, durou aproximadamente uma hora e meia. A íntegra da conversa será publicada no Youtube de Opera Mundi. O presidente também respondeu a questões sobre a pauta da viagem no fim desta semana aos Estados Unidos, o papel dos militares no país, a tentativa de golpe de 8 de janeiro e o papel do governo no fomento à imprensa independente.