O presidente francês, Emmanuel Macron, lançou nesta segunda-feira (09/05) no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, a ideia de uma “comunidade política europeia” aberta a países que hoje não fazem parte do bloco, como é o caso da Ucrânia, ou que o abandonaram, como o Reino Unido. O chanceler alemão, Olaf Scholz, condiderou a proposta “muito interessante”. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, também defende mudanças, mas a iniciativa francesa encontra resistência de vários parceiros.
Reeleito para um segundo mandato de cinco anos, Macron e a presidente da Comissão Europeia defenderam um bloco mais “independente” e “eficaz”. Considerando que o processo de adesão à UE é longo e complexo, Macron propôs a criação de uma “comunidade política europeia” que permitiria a “nações europeias democráticas, que aderem à nossa base de valores, encontrar um novo espaço de política, segurança e cooperação em matéria de energia, transportes, investimentos, infraestrutura e circulação de pessoas”, defendeu o líder francês em Estrasburgo, antes de seguir para um encontro, em Berlim, com o chanceler alemão, Olaf Schoz. Já na capital alemã, Scholz afirmou ao lado de Macron que considerava essa proposta de “comunidade política muito interessante”.
“Aderir (à nova instância política) não prejudicaria uma futura entrada na União Europeia propriamente dita”, explicou Macron. A nova estrutura “também não seria fechada aqueles que deixaram a UE”, acrescentou o chefe de Estado francês, referindo-se ao Reino Unido, que abandonou o bloco europeu na sequência do referendo do Brexit.
Ursula von der Leyen se mostrou disposta a reformar o bloco, inclusive “alterando os tratados se necessário”, principalmente para abandonar a votação por unanimidade em certas áreas, que é uma fonte frequente de impasse, como é o caso, atualmente, do embargo ao petróleo russo, ou para dar à Europa “um papel mais importante” na saúde e na defesa.
“Teremos que reformar nossos textos, isso é óbvio”, enfatizou a presidente do Executivo europeu. “Uma das maneiras de fazer isso é convocar uma convenção para revisar os tratados”, prosseguiu a dirigente alemã. “É uma proposta do Parlamento Europeu e eu a aprovo”, endossou Macron, que fez seu primeiro discurso sobre a Europa desde a reeleição, em 24 de abril.
Tais mudanças fazem parte das cerca de 300 medidas propostas pela Conferência sobre o Futuro da Europa, uma vasta consulta pública nascida de uma sugestão do presidente francês. “Este projeto de paz, estabilidade, prosperidade – e vou acrescentar a ele, hoje, justiça social e ambição ecológica –, é um projeto que devemos continuar a completar, para tornar mais democrático, mais unido e soberano”, defendeu Macron.
Como a França detém a presidência rotativa do Conselho da UE até o final do primeiro semestre, Macron quer que a questão seja abordada “com a ousadia e a liberdade necessárias”, com os líderes dos 27 estados-membros, no encontro de cúpula agendado para 23 e 24 de junho.
Metade dos países europeus rejeita proposta de Macron
Treze países já indicaram sua oposição a tais mudanças. “Não somos a favor de tentativas mal pensadas e prematuras de lançamento desse processo”, escreveram, entre outros, Polônia, Romênia, Finlândia e Suécia, em uma declaração conjunta.
“Devemos melhorar constantemente o funcionamento de nossa democracia”, disse Von der Leyen, que também esteve em Estrasburgo no Dia da Europa, celebrado em 9 de maio.
Em seu pronunciamento, Macron reiterou o apoio dos 27 países do bloco à Ucrânia, país confrontado à invasão da Rússia. Em Moscou, durante o desfile militar que celebrou a derrota do nazismo em 1945, o presidente russo, Vladimir Putin, declarou que o seu Exército defende “a pátria” na Ucrânia.
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Reeleito para um segundo mandato de cinco anos, Macron e a presidente da Comissão Europeia defenderam um bloco mais "independente" e "eficaz
“Membro do coração”
“Por sua luta e coragem, a Ucrânia já é um membro de coração da nossa Europa, da nossa família, da nossa União”, disse o presidente francês. “Se lhe concedermos o status de candidata amanhã, sabemos perfeitamente que o processo para a adesão levaria (…) provavelmente várias décadas”, explicou Macron, para reforçar a sua ideia de criação de uma “comunidade política” no continente.
A cerimônia no Parlamento de Estrasburgo teve um significado especial nesses dias de comemoração da vitória dos aliados contra a Alemanha nazista, em 1945. A data foi marcada por um grande desfile militar, esta manhã, na Praça Vermelha, em Moscou.
“Demos duas faces muito diferentes para este 9 de maio”, declarou Macron, ao lado de Roberta Metsola, presidente do Parlamento Europeu, e da presidente da Comissão Europeia.
“De um lado, havia o desejo de mostrar força, intimidação e um discurso resolutamente bélico; e aqui, de forma ampla, uma associação de cidadãos, parlamentares nacionais e europeus para um projeto e para pensarmos o nosso futuro”, continuou. “O projeto europeu nasceu da guerra, não devemos esquecer disso, e nem do nosso desejo de não repeti-la”, finalizou.
Em Estrasburgo, Macron ainda declarou que para acabar com a guerra na Ucrânia, a paz terá de ser construída sem “humilhar” a Rússia. “Amanhã, teremos de construir a paz, não esqueçamos disso”, ponderou. “Isso não será feito com negação e nem com a exclusão de um ou de outro, e nem com humilhação”, afirmou, citando que a Ucrânia e a Rússia deverão estar ao redor da mesa de negociação.
Numa visita surpresa a Odessa, nesta segunda-feira, o presidente do Conselho Europeu, o belga Charles Michel, transmitiu uma forte mensagem de apoio aos ucranianos.
França e Alemanha, um duo no motor da Europa
No fim da tarde, Macron viajou para Berlim, em sua primeira viagem ao exterior desde a posse, no sábado (08/05). Macron foi recebido pelo chanceler Olaf Scholz para uma reunião presencial e um jantar de trabalho.
A união política entre as autoridades francesas e alemãs tem sido, tradicionalmente, uma das forças motrizes da Europa. O relacionamento entre Macron e Scholz ainda está em fase inicial, e a reunião de trabalho desta segunda-feira, em Berlim, é uma oportunidade para os dois líderes aprofundarem a cooperação.
Scholz diz ter achado “muito interessante” a ideia de Macron de construir uma “comunidade política europeia” que pudesse acomodar países como Ucrânia e Reino Unido. “Quero dizer expressamente que esta é uma proposta muito interessante”, disse o líder alemão entrevista coletiva conjunta com o presidente francês.
Menos de seis meses após a sua eleição na Alemanha, Scholz é cada vez mais criticado internamente. Ele é acusado de indecisão em relação à Rússia e procrastinação no apoio à Ucrânia. Na França, Macron acaba de ser reeleito numa votação marcada pelo aumento do descontentamento da opinião pública. O presidente não tem certeza se conseguirá manter a maioria na Assembleia dos Deputados, nas eleições legislativas de junho.
Um ponto em comum entre os dois líderes é que ambos colocaram o fortalecimento da soberania europeia no centro de suas prioridades para o futuro. E eles precisarão um do outro para conseguir isso. “Scholz difere de Merkel na medida em que o novo governo entendeu muito melhor que a Alemanha deve ter um papel de liderança, com a França, na União Europeia”, analisa Stefan Seidendorf, vice-diretor do Instituto Franco-Alemão de Ludwigsburg.
Em Berlim, Macron disse já saber o nome do futuro primeiro-ministro para suceder Jean Castex. “Sim, mas não vou dizer aqui, nem agora, claro”, sublinhou o presidente francês, em uma coletiva de imprensa, respondendo ao questionamento de um jornalista.