O que tinha que ser a viagem dos sonhos virou pesadelo. No dia 9 de abril de 2009, Solange França, professora da Universidade Estadual de Santa Cruz, saiu de Ilhéus com destino a Salvador antes de seguir para Paris, onde pretendia visitar um casal de amigos, fazer contato com instituições de ensino e conhecer, pela primeira vez, a “cidade-luz”.
Logo após sair da aeronave do Aeroporto Internacional Roissy-Charles de Gaulle, a baiana foi detida para conferência da documentação por policiais. Eles queriam verificar passaporte, passagem aérea, dinheiro disponível, seguro, assim como o lugar onde ia se hospedar. Ela apresentou o chamado “certificado de alojamento”, o cartão do plano de saúde, três cartões de crédito, e uma prova que era professora em atividade no Brasil.
As explicações não adiantaram nada. Sem nenhum esclarecimento, a professora e cinco outros brasileiros detidos com ela foram informados de que iam ser expulsos da França pelo primeiro vôo que voltasse ao Brasil. 75 horas depois de ter saído do Aeroporto de Ilhéus, Solange estava de novo em casa, cheia de medo e raiva. Poucos dias depois, ela resolveu escrever um longo texto contando as diversas etapas de sua viajem frustrada.
Ano da França do Brasil
Graças à internet, a história de Solange se espalhou pelo Brasil inteiro, e pela França. O blog do jornalista Luis Nassif deu grande destaque, lembrando que esse episódio pouco glorioso tinha acontecido dias antes da abertura oficial do ano da França no Brasil. A publicação do texto gerou centenas de reações, já que o caso da professora brasileira não é o único.
“Naquela época, a situação era absurda. A cada dia, uma média de 12 brasileiros estavam barrados no Aeroporto Internacional Roissy-Charles de Gaulle”, contou Maria Celina de Azevedo Rodrigues, Cônsul-Geral do Brasil em Paris, em entrevista ao Operamundi. “Tínhamos nos tornado a segunda nacionalidade mais barrada na França, atrás apenas dos chineses”, acrescentou. Ela explica que, ao contrário da maioria dos latino-americanos, os brasileiros não precisam de visto de turismo. “Daí o grande número de expulsões, já que os outros não conseguem nem subir no avião”, afirmou.
Reconhecendo o direito de cada país de aceitar ou não visitantes estrangeiros, Rodrigues frisa a deterioração progressiva da situação no aeroporto no começo do ano. “Há um sentimento na França de estar transbordando imigrantes ilegais”, disse. Segunda ela, O problema era que a análise da documentação era feita de maneira totalmente arbitrária, sem dar a chance de julgar a boa fé do turista. “Ninguém comete crime até completar três meses de permanência no país, aí passa a ser ilegal. Mas as pessoas barradas eram simplesmente suspeitas de terem intenção de ficar no território francês”, denunciou a Cônsul-Geral.
A multiplicação dos relatos dos maus tratos no aeroporto – os passageiros eram expulsos sem receber nenhum esclarecimento – incentivou o Consulado Geral a expressar sua insatisfação em Brasília. ”Não posso aceitar que brasileiro seja maltratado e desrespeitado”, insistiu Maria Celina. “Tivemos reuniões com o Ministério da Imigração nas quais pedimos maior discernimento na análise de cada caso”, afirmou.
Metas de expulsão
Desde então, a situação melhorou muito. Nos três primeiros meses de 2009, o número de barrados no Aeroporto de Roissy era de 10 a 12 brasileiros por dia. Agora, a média fica entre um e dois, de acordo com a representação brasileira na capital francesa.
Nenhuma das exigências para o ingresso no país foi suspensa, mas as autoridades ficaram mais atentas à análise dos casos, e evitam os maus tratos. “Deixamos de novo o telefone da embaixada: não têm mais desculpa para fornecer um número errado”, ironizou Maria Celina. Segundo ela, o contexto do Ano da França no Brasil ajudou muito. “Toda essa época comemorativa era perdida pela contrapropaganda que essa onda de repatriação gerou no Brasil”.
Desde a posse do presidente Nicolas Sarkozy, em maio de 2007, o governo francês expulsou mais de 45 mil imigrantes ilegais. Pela primeira vez, as autoridades têm que cumprir metas: em 2008, o objetivo inicial era de 26 mil expulsões. No total, foram expulsas 29.796 pessoas, o que representa um aumento de 28,5% na comparação com 2007, segundo o ministério da imigração.
O aumento do número de expulsões de ilegais foi criticado por associações de defesa dos direitos humanos na França, e até mesmo por sindicatos de policiais, que denunciam uma pressão “para atingir as cifras exigidas”.
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