Em meio a uma aguda crise socioeconômica e com a chance real de ter como próximo presidente um político de extrema direita, a Argentina vai às urnas neste domingo (22/10). Defensor da propriedade privada e da adoção do dólar como moeda corrente, o ultraliberal Javier Milei, do partido A Liberdade, aparece na frente em boa parte das pesquisas de intenção de voto.
Sua eventual vitória é “um grande risco” que o país corre, na visão de Maria Adela Antokoletz, integrante da organização Mães da Praça de Maio da Argentina. Contra Milei, disputam o peronista e atual ministro da Economia, Sergio Massa e a também direitista e apadrinhada do ex-presidente Maurício Macri, Patricia Bullrich, do Juntos pela Mudança.
Aos 82 anos, Maria lembra o que é viver sob um regime autoritário. A ditadura empresarial-militar argentina mal tinha começado quando, em 1976, seu único irmão foi preso e nunca mais apareceu.
Foi a busca – por Daniel Antokoletz e por justiça – que levou a sua mãe, também chamada Maria, a ser uma das fundadoras das Madres de la Plaza de Mayo.
Antes de ser uma vítima daquilo contra o qual lutava, Daniel atuava como professor, defensor de direitos humanos e advogado, inclusive de ativistas presos pelos regimes ditatoriais da Argentina e do Chile. “Estou aqui não só seguindo a luta da minha mãe, mas pela minha profunda convicção”, diz Maria Adela.
“Na Argentina, acontecem várias coisas que considero não originais, mas características de um curso histórico argentino, coisas boas e não tão boas”, introduz a ativista. É um país que teve um movimento liderado pelo General Juan Domingo Perón (1895-1974) que, entre contradições, é preciso reconhecer que foi um primeiro grande movimento nacional no qual as pessoas viram refletidas suas necessidades e souberam que podiam se mobilizar para defender seus direitos”, discorre.
Do peronismo, na perspectiva de Maria Adela, surge uma “inapagável consciência sindical”. “Às vezes alguns sindicatos enfraquecem, cedem, outros avançam corajosamente, mas é inegável que a luta pelos direitos humanos, seja sob ditaduras ou sob governos democráticos, está muito relacionada com a formação do movimento sindical na Argentina“, analisa.
Gabriela Moncau/Brasil de Fato
Aos 82 anos, Maria Adela Antokoletz integra a secretaria da Federação Latino-americana de Associações de Familiares de Presos Desaparecidos
“No entanto, o país vive um avanço intenso da direita, que é responsável em grande parte pelo empobrecimento do país. O governo atual [de Alberto Fernández] herda esse empobrecimento e não consegue revertê-lo”, avalia Adela, que é também integrante da Federação Latino-americana de Associações de Familiares de Presos Desaparecidos (Fedefam).
“Talvez não haja poder suficiente no governo para ousar frear o Fundo Monetário Internacional, com o qual ficamos endividados pelo governo de Maurício Macri, que sequer explicou para que essa dívida foi usada. Apesar de o atual presidente ter pedido que fosse aberta uma ação contra a dívida contraída por Macri no sistema judicial, isso não seguiu adiante”, lamenta.
Atualmente a inflação no país está em 138,8% ao ano, segundo dados divulgados em 12 de outubro. Desde o começo de 2023, o preço dos alimentos saltou cerca de 150%.
A única opção que, na visão de Maria Adela, pode desbancar Milei no pleito é Sergio Massa – “candidato com o qual mantenho grandes reservas”, diz. “Embora não seja um devedor desonesto e tenha tomado boas medidas como presidente da Câmara dos Deputados”, opina.
“É preciso confiar que a maioria da população argentina não votará em Javier Milei, que é um palhaço triste e muito perigoso. Ao lado dele, Berlusconi, Mussolini e até Hitler podem parecer racionais. Há uma irracionalidade tão grande que nos surpreende que ele possa ter três votos, que dirá 30% da população”, afirma Maria, recordando a porcentagem que Milei teve nas eleições primárias.
“São coisas que nos pegaram desprevenidos e ainda precisamos de muito esforço para analisar e entender o que está acontecendo. Meu país corre muito risco”, reforça a ativista das Mães da Praça de Maio. “Mas contamos com e precisaremos, certamente, da solidariedade internacional”.