A jornada de quarta-feira (17/01) do Fórum Econômico Mundial, realizado na cidade suíça de Davos, foi marcado por discursos de chefes de Estado, entre os quais se destacaram dois líderes sul-americanos que apresentaram visões opostas sobre o cenário econômico e geopolítico mundial.
Participando de diferentes eventos dentro do Fórum, os presidentes da Argentina e da Colômbia se fizeram representantes de uma polarização ideológica presente não só em seus países, mas também em escala global.
O pronunciamento do colombiano Gustavo Petro fez críticas ao sistema capitalista e o culpava pelo agravamento dos problemas mundiais, resultando inclusive nas tragédias humanas observadas na Faixa de Gaza após três meses de ofensiva militar de Israel – que já causou quase 25 mil mortes de civis palestinos.
Por outro lado, o discurso do argentino Javier Milei apresentou o capitalismo como a verdadeira solução para todos os problemas, chegando a dizer que o sistema é responsável por tornar o mundo atual “mais pacífico”.
Round 1: capitalismo da paz x capitalismo da guerra
Ao fazer o contraste das performances dos dois mandatários sul-americanos, as diferentes visões sobre o capitalismo foi o que mais chamou a atenção.
Enquanto o presidente argentino dedicou a maior parte de seu discurso para elogiar o “capitalismo de livre mercado”, também chamado por ele de “modelo libertário”, o líder colombiano disse que o sistema se baseia atualmente em “construir muros e lançar bombas”.
Javier Milei: “graças ao capitalismo de livre mercado, o mundo está no seu melhor [momento]: é mais livre, mais rico, mais pacífico e mais próspero do que em qualquer momento da história”.
Gustavo Petro: “Este é um capitalismo de fortaleza, que constrói muros e lança bombas. Estamos em um mundo pior, pois passamos da guerra ao genocídio, passamos a bombardear crianças”.
Round 2: crise climática
Em relação às políticas ambientais, o mandatário argentino preferiu culpar os socialistas por, supostamente, criarem um conflito colocando “o homem contra a natureza”.
Nessa mesma pauta, o presidente colombiano trouxe números e expressou preocupação sobre a crise climática mundial, mencionando que os US$ 100 bilhões investidos anualmente desde 2020, por meio do Acordo de Paris, são insuficientes para ajudar as economias emergentes a enfrentar as consequências das alterações no clima do planeta.
Javier Milei: “outro conflito que os socialistas levantam é o do homem contra a natureza. Eles afirmam que os seres humanos prejudicam o planeta e que este deve ser protegido a todo custo, chegando até mesmo a defender um mecanismo de controle populacional ou a agenda sangrenta do aborto. Infelizmente, estas ideias nocivas permearam fortemente a nossa sociedade”.
Gustavo Petro: “a Colômbia paga um preço porque é considerada uma economia arriscada, como o Brasil, o Equador, a Venezuela, como todos os países da floresta amazônica. O que é arriscado hoje não são os países que têm a floresta amazônica, são os países do norte”.
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Javier Milei e Gustavo Petro apresentaram visões de mundo diametralmente opostas no Fórum de Davos
Round 3: críticas ao ‘coletivismo’, ironias à ‘cooperação’
Capitalismo não foi a única palavra com a letra C que se destacou nos discursos de Milei e Petro.
O argentino usou o termo “coletivismo” para rotular qualquer política de direitos sociais para os trabalhadores, as quais ele considera parte de uma “ameaça socialista” e fonte dos problemas econômicos para uma nação.
Por sua parte, o colombiano atacou o conceito de “cooperação” usado pelos países do Ocidente, que segundo ele “parte do princípio de um norte muito rico e um sul muito pobre, que recebe esmolas do norte em forma de ajuda”.
Javier Milei: “foi assim que chegamos ao ponto em que, com diferentes nomes ou formas, boa parte das ofertas políticas geralmente aceitas na maioria dos países ocidentais são variantes coletivistas […] todos sustentam que o Estado deve ser responsável por todos os aspectos da vida dos indivíduos”.
Gustavo Petro: “este conceito de cooperação se choca com a realidade da crise civilizatória global. O Sul Global tem uma importância essencial para o processo de transformação econômica e tecnológica que os próprios países do norte precisam enfrentar para sustentar a vida no planeta e superar os desafios da crise climática”.
Round 4: ameaça do socialismo x ameaça da ‘policrise’
A narrativa de Milei em Davos não se baseou apenas em elencar as supostas benesses do capitalismo, como também em gerar alarmismo sobre uma hipotética “ameaça socialista” que estaria colocando “em perigo” os “valores do Ocidente”, os quais ele afirma proteger.
Já Petro recordou o termo “policrise”, surgido no Fórum de Davos de 2023 e que se referia às diversas crises simultâneas do mundo atual, para criticar o Ocidente pelo apoio bélico, financeiro e ideológico a grupos ou governos que contribuem com o agravamento desses conflitos, novamente usando a ofensiva israelenses à Faixa de Gaza, como principal exemplo.
Javier Milei: “aqueles que supostamente deveriam defender os valores ocidentais preferem uma visão do mundo que conduz ao socialismo e à pobreza […] estão contaminados pela agenda socialista de 2030”.
Gustavo Petro: “há um ano, este Fórum adotou a palavra policrise, falou de guerra, fome no mundo em consequência da pandemia, doença, pobreza, estagnação econômica. Hoje, depois de um ano, a Europa e os Estados Unidos votaram contra uma política para resolver o problema dos palestinos”.