A primeira imagem que os colombianos tiveram de Antanas Mockus foram
suas nádegas brancas. Era 28 de outubro de 1993 e 500 estudantes faziam
algazarra para interromper um discurso do então reitor da Universidade
Nacional, em protesto contra sua decisão de aumentar o valor da
matrícula. Mockus largou o microfone, deu meia-volta, baixou as calças
e mostrou o traseiro pálido aos estudantes. Obtida a atenção, retomou
seu pronunciamento. Naquela noite, toda a Colômbia já o conhecia.
Começara sua carreira política.
Pouco depois, Gustavo Petro, hoje seu rival na disputa
presidencial, enxergou em Mockus um político promissor e propôs que ele
concorresse à prefeitura de Bogotá. O atual candidato do Partido Verde
às eleições colombianas nada mais é do que um político tradicional. É
tímido, muitas vezes não cumprimenta, não se lembra dos nomes, não
agita as massas, demora bastante para responder e, quando o faz, fala
em um nível abstrato demais para ser atraente.
Carlos Ortega/Efe (28/04/2010)
Mockus conversa com estudantes da Universidade do Pacífico, em Buenaventura, Colômbia
Por
isso recorre a símbolos, como naquele 28 de outubro, mas também se
rodeia de pessoas que lhe servem de intérpretes, que traduzem sua
mensagem, como fazem agora Lucho Garzón – ex-prefeito de Bogotá – e
Sergio Fajardo, companheiro de chapa de Mockus.
Esse extravagante político-clown conseguiu ser eleito
duas vezes prefeito de Bogotá e teve um desempenho bem avaliado na
capital. Quando foi eleito pela primeira vez, em 1994, Bogotá era tão
violenta que figurava como a única capital sul-americana que os guias
turísticos recomendavam não visitar.
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Durante seu governo, o índice de homicídios passou de 82,1 para 64,9
por 100 mil habitantes. E ao fim de seu segundo governo, em 2003,
depois de um mandato intermediário do companheiro Enrique Peñalosa, o
índice havia baixado para 23,4 homicídios por 100 mil habitantes.
Esses resultados foram possíveis com a combinação de
políticas tradicionais e ações altamente simbólicas. A violência foi
enfrentada com uma ação incomum: os cidadãos foram convidados a
desenhar em um balão o rosto da pessoa que lhes fizera mal, e então
golpeá-lo para desabafar. Participaram 45 mil pessoas. A isso
somaram-se políticas mais tradicionais, como a criação de conselhos de
todas as forças da ordem e o aumento dos gastos da polícia.
Quando a guerrilha ameaçou matá-lo se ele não
renunciasse à prefeitura, Mockus, em vez de reforçar o esquema de
segurança, mandou fazer um colete branco com um furo em formato de
coração no lugar correspondente ao órgão. Assim, mostrou com um gesto o
absurdo que seria um ataque a uma pessoa que se negava a se defender.
Quando Mockus decidiu desarmar seus guarda-costas e
colocou as armas dentro de uma urna, convenceu cerca de três mil
bogotanos a trocar seus revólveres e punhais por bônus em mercados no
Natal. Do mesmo modo enfrentou o trânsito, demitindo 3,2 mil guardas e
posicionando mímicos nos cruzamentos. Os artistas não multavam, mas
zombavam de quem infringia as regras. O prefeito acreditava que os
colombianos tinham mais medo do ridículo que do castigo e parecia estar
certo: as mortes por acidentes de trânsito caíram pela metade desde o
início de seu primeiro mandato até o fim do segundo (de 1.287 em 1995 a
585 em 2002).
Na economia, o prefeito seguiu um esquema bastante
neoliberal, privatizando os serviços públicos da cidade, com a
diferença de que as estatais não se dissiparam em corrupção e gastos
inúteis. Isso gerou os recursos que possibilitariam muitas das
melhorias de infraestrutura iniciadas por Peñalosa ou das reformas
sociais de Garzón, ex-prefeitos que hoje pertencem ao mesmo Partido
Verde.
Corrida presidencial
Hoje,
o colombiano-lituano Aurelijus Rutenis Antanas Mockus Sivickas parece
ser o candidato com mais chance de se tornar o próximo presidente
colombiano. Pesquisa divulgada na sexta-feira (30/4) indica que Mockus
detém 39% das intenções de voto, enquanto o candidato governista Juan
Manuel Santos tem 34%. O terceiro lugar é da conservadora Noemí Sanín,
com 11%. No segundo turno, Mockus ganharia com 53%, contra 42% de
Santos.
Mockus e Juan Manuel Santos (direita) se cumprimentam após debate feito pelo canal colombiano RCN
O alcance de Mockus no panorama político colombiano mudou os termos da campanha eleitoral, surpreendendo todo os políticos tradicionais e alterando os equilíbrios preexistentes.
Santos parecia o candidato mais forte, como herdeiro de Álvaro Uribe, mas as coisas mudaram. A analista política Claudia López confirma a tese: “Na atual situação Santos não está necessariamente atraindo toda a popularidade do presidente e de seu governo.”
Uribe mantém níveis muito altos de popularidade, mas o mesmo não ocorre com o congresso e a percepção do país. Em fevereiro, só metade dos colombianos achava que seu país seguia um bom caminho, enquanto 70% aprovavam Uribe.
Em outras ocasiões, o patrimônio político de Uribe se mostrou intransferível. Por exemplo, nas duas últimas eleições para a prefeitura de Bogotá, os candidatos uribistas perderam para o Polo Democrático. Em 2004, Juan Lozano, apoiado pelo presidente, perdeu de Lucho Garzón, e em 2008 Peñalosa, candidato de Uribe, perdeu de Samuel Moreno.
O peso dos problemas dos oito anos de governo de Uribe parece estar sobre as costas de Santos, que nos debates presidenciais é constantemente obrigado a se defender. “O uribismo versus o antiuribismo”, continua a analista, “já não é o eixo da política colombiana e não definirá as próximas eleições. Já está claro que, apenas com a bandeira do uribismo, nenhum candidato conquistará a presidência”.
De acordo com ela, existe um novo eleitorado de centro suficientemente grande para ser indispensável na vitória eleitoral. Além disso, o candidato dos verdes tem a seu favor o fato de não ser percebido pela opinião pública como um adversário do uribismo, pois não tem feito críticas verticais ao governo.
No entanto, para López, a disputa entre Mockus e Santos será uma luta de Davi e Golias. “Santos não apenas aglutina toda a máquina política e o poder uribista, como também é atraente para todos os políticos tradicionais conservadores e liberais, mesmo que Noemí Sanín e Rafael Pardo queiram aliar-se pessoalmente a Mockus “.
“Onda verde”
A onda verde, por sua vez, tem tido grande alcance. A campanha de Mockus começou no dia em que dois milhões de colombianos votaram na eleição interna de seu partido e ele foi nomeado candidato. No mesmo dia, nas eleições legislativas, os verdes conseguiram eleger cinco representantes, um resultado importante que demonstrou a existência de espaço para o voto de opinião na Colômbia. Pouco depois, Sergio Fajardo, cujo movimento, ao contrário, não elegeu nenhum representante, aceitou integrar a chapa presidencial de Mockus. Fajardo, diferentemente de Mockus, é um político pragmático, um executor, e é muito popular na região de Antioquia, onde obteve sua força política como prefeito de Medellín.
Os dois se transformaram em símbolos da honestidade e da luta contra a corrupção. Como exemplo, os verdes renunciaram a 4,5 bilhões de pesos (mais de dois milhões de dólares) de reembolso eleitoral, declarando que não haviam gastado o dinheiro e preferiam que ele fosse usado para construir uma escola.
Mockus também admitiu publicamente sofrer do mal de Parkinson. Os colombianos responderam demonstrando uma forte solidariedade, tanto que o número de seus fãs no Facebook dobrou, colocando a página do candidato entre as primeiras dez mantidas por políticos na rede social, com quase 500 mil fãs. Como a doença está na fase inicial, Mockus poderá viver uma vida normal no mínimo pelos próximos 12 anos.
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