O regime de Hosni Mubarak enfrenta o desafio político interno mais sério na sua história de 30 anos após o que foi chamado de “Dia de Fúria”, na qual manifestantes exigiram abertamente a saída do presidente e o fim das atividades políticas de seu filho, Gamal. Protestos similares aconteceram no passado, mas nunca em tão grande escala e com tamanha paixão. A revolta popular na Tunísia tem galvanizado a oposição, mostrando que tais regimes autoritários não são inexpugnáveis. Como o presidente Mubarak e estado egípcio reagirão?
Os principais articuladores dos protestos egípcios foram o Facebook e o Twitter, usados por grupos que têm se tornado cada vez mais ativos nos últimos anos. As redes foram usadas para convocar protestos contra os preços dos alimentos e na campanha em memória de Khaled Said, um jovem espancado até a morte pela polícia em um cibercafé de Alexandria, em junho do ano passado. Este amplo movimento político cresceu a partir da campanha Kefaya (“basta”), lançada antes da reeleição de Mubarak para um quinto mandato presidencial em 2005, e ganhou um novo impulso no início de 2010 com o retorno ao Egito de Mohammed ElBaradei, o ex-secretário-geral da Agência Internacional de Energia Atômica. Ele está pressionando por reformas políticas, incluindo o fim do direito de detenção de emergência, supervisão judicial das eleições e eliminação das restrições à elegibilidade.
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25 de janeiro ofereceu uma boa oportunidade de maximizar o impacto dos protestos. A data homenageia a polícia egípcia por um incidente em 1952 na cidade de Ismailia, Zona do Canal, quando 41 policiais egípcios foram mortos resistindo a uma operação do exército britânico para desarmá-los. A escolha desta data foi providencial para os manifestantes, que sugerem que a reputação honrosa da polícia estava sendo contaminada. Foi também uma forma de explorar o humor rebelde inspirado pela Tunísia enquanto a lembrança da derrubada do presidente Ben Ali estava ainda fresca.
Reivindicações
O movimento de oposição tem crescido em grande parte fora das estruturas políticas estabelecidas. Alguns dos partidos políticos e a proscrita Irmandade Muçulmana emprestaram o seu apoio aos protestos, mas o principal impulso para o “Dia de Fúria” veio dos grupos nas redes sociais. Eles têm uma longa lista de queixas, das quais as principais preocupações são: o aumento da inflação, o elevado desemprego, a brutalidade policial, a corrupção e o monopólio do poder por Mubarak e seu Partido Democrático Nacional (PDN). Os problemas econômicos foram agravados pela recente alta nos preços das commodities globais e a frustração política foi agravada pelas eleições – amplamente fraudadas – no final de 2010.
Osso duro
O número total de manifestantes que saíram no Cairo, Alexandria e várias outras cidades foi na casa das centenas de milhares. Um dos maiores encontros foi na praça Tahrir, no centro do Cairo, onde os manifestantes foram enfrentados pelas forças de segurança, usando escudos, canhões de gás e água. No Cairo, pelo menos, não parece que as forças de segurança recorreram ao uso de suas armas de fogo contra os manifestantes e a única fatalidade relatada foi a de um membro da Amn al-Markazi. Em Suez, três manifestantes foram mortos, sendo pelo menos um por tiros.
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O regime de Mubarak e suas forças de segurança podem lidar com manifestações de protesto desta escala. Ele declarou a proibição de novas manifestações, e várias centenas de ativistas da oposição (e inocentes) foram reunidos pela polícia. No entanto, algumas figuras importantes do regime pode estar ficando cada vez mais preocupadas com a possibilidade de mais protestos.
O instinto do regime de Mubarak será reprimir com firmeza estes protestos e lançar uma campanha de contra-informação para mostrar que a grande maioria dos egípcios aprecia a estabilidade e a relativa melhoria econômica que têm sido alcançados ao longo dos últimos 30 anos. Do jeito que as recentes eleições parlamentares foram conduzidas, a impressão é de que a prioridade política do regime para o próximo ano é superar o vexame da eleição presidencial passada, que teve fraudes gritantes.
No entanto, os acontecimentos na Tunísia tornaram muito mais difícil para o regime a façanha. Foi-se mebora a apatia de grande parte da população egípcia, assim como a indulgência de seus aliados internacionais. O governo dos EUA já mostrou seu desconforto por ser colocado numa posição de ter de declarar apoio à estabilidade no Egito, mantendo seu compromisso com as ‘virtudes da democracia’.
Mubarak tem a opção de fazer eleições presidenciais efetivamente limpas, cedendo às exigências que foram estabelecidas por El Baradei. Isso exigiria empurrar emendas à Constituição. É difícil que Mubarak concorde voluntariamente com qualquer coisa deste tipo. O mais provável é uma série de medidas parciais que visam a aplacar setores da oposição. Pode não agradar a todos os críticos, mas é uma possibilidade de respiro para o regime atual.
*Reportagem publicada no site da revista Carta Capital.
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