Formada por mais de cinco milhões de membros, a comunidade muçulmana na França sofreu diretamente os impactos dos atentados de 11 de Setembro de 2001. A instântanea ligação feita pela mídia e por governos entre o islamismo e o terrorismo, logo após os ataques, transformou o dia a dia daqueles que seguem o Islã no país europeu. Além disso, a ascensão da direita na França aumentou o discurso nacionalista, contrário à presença muçulmana.
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“Dez anos depois, continua a ligação entre Islã e terrorismo e Islã e imigração na França”, garante Gabriel Martinez-Gros, professor na Universidade de Paris X – Nanterre. Para o especialista, as imagens das Torres Gêmeas em chamas prejudicaram permanentemente a imagem dos muçulmanos.
Azadeh Kian, socióloga franco-iraniana, especialista em Estado e sociedade no mundo árabe na Université Diderot-Paris VII e Diretora do Centro de Ensino, Estudos e Pesquisa para Estudos Feministas, CEDREF, na França, diz que os ataques modificaram o olhar do governo e de uma parte da opinião pública sobre os muçulmanos. “Eles começaram a ser vistos como terroristas potenciais e o Islã cada vez mais como uma religião violenta e essencialmente oposta aos valores ocidentais.”
Carlos Latuff/Opera Mundi
No entanto, o historiador lembra que a França já havia vivenciado ataques terroristas muito antes e, por isso, teria recebido com menos intensidade a onda de medo que se espalhou pelo mundo. Em 1986, o atentado do Hezbollah libanês, da rua de Rennes, em Paris, foi o primeiro de caráter islamista. Nove anos mais tarde, extremistas islâmicos argelinos atacaram a estação Saint-Michel, também na capital francesa. Esses eventos seriam um dos precursores da discriminação no país europeu.
“O que muda com o acontecido na maior potência mundial é que o terrorismo passa a ser sentido como uma ameaça global. O Islã fundamentalista se torna mundial com a ascensão da Al-Qaeda como organismo internacional, ao invés de estar ligado apenas a determinados grupos por questões relacionadas, por exemplo, ao passado colonial da França”, afirma Kian.
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Iftar, igualdade e fraternidade
Por volta das 5h da manhã, com o céu ainda escuro, é hora da primeira reza do dia e do Suhoor, refeição que permite o jejum até o Iftar, depois do pôr do sol, por volta das 22h. Setenta e um por cento dos mulçumanos franceses seguem o ritual sagrado do Ramadã, jejum que é um dos pilares da religião, que esse ano acontece durante todo o mês de agosto.
Mais popular que há 15 anos, os dados do Ifop, Instituto Francês de Opinião Pública, mostram o aumento da prática, principalmente entre os jovens. Em 1994, apenas 60% dos religiosos aderiam ao Ramadã. O número global de islamitas no país permanece estável apresentando uma ligeira alta. De acordo com o Ministério do Interior, apenas 41% dos muçulmanos na França se dize praticante.
Muitas foram as projeções que tentaram calcular o impacto dos atentados e políticas restritivas que entraram em vigor em detrimento da comunidade islâmica em diferentes países, na última década. Analistas se dividiram entre os que pensavam que muitos poderiam querer se livrar da religião, estigmatizada, ou o oposto, se radicalizarem, uma vez que o 11 de Setembro foi considerado como uma vitória em grande parte do mundo mulçumano.
Na França, faltam estatísticas oficiais, já que o governo não coleta números sobre a filiação religiosa nacional e a iniciativa é apenas autorizada a organismos de pesquisa que trabalham com amostragens. A visibilidade da religião e o lugar que ela deve ocupar na nação que abriga a maior população mulçumana fora dos países árabes serão temas centrais do debate para as eleições presidenciais, que acontecem em menos de um ano.
Efe (11/04/2011)
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Política de segurança
“Houve um endurecimento das leis direcionadas aos praticantes do Islã, como a proibição do uso do véu em escolas públicas ou do culto em lugares públicos”, aponta Kian. Para ela, além do 11 de Setembro, a chegada do direitista Jean-Marie Le Pen ao segundo turno em 2002, ultrapassando a margem de 20% dos votos, fez com que crescesse um discurso nacionalista, que fala da ameaça dos muçulmanos.
Na década passada, o atentado de Madri, em 2004, deixando 191 mortos, e o de 2005 em Londres, que matou 56 pessoas, fizeram crescer a sensação de que o país poderia ser o próximo alvo. “Há uma ligação entre os ataques que aconteceram no mundo e a política de segurança na França. A cada novo ato terrorista, o governo francês agiu expulsando imãs considerados radicais. Era para explicar à opinião pública que o governo faz tudo para lutar contra o terrorismo”, diz Samir Amghar, sociólogo do Instituto de Estudos do Islã e das Sociedades do Mundo Muçulmano, (IISMM), em Paris e consultor do Ministério da Defesa da Suíça.
O discurso do governo foi “tirar o Islã dos esconderijos, institucionalizar a religião para ter interlocutores oficiais e poder gerar no cotidiano o culto”, destaca. A institucionalização aconteceu, mas ficou no papel. “Nós temos um Conselho Francês do Culto Muçulmano, criado em 2003, mas ele precisaria ser eficaz. No plano simbólico, era o plano do ministro do Interior da época, o atual presidente francês, Nicolas Sarkozy, com o objetivo não confesso de proteger indiretamente o país contra o terrorismo”.
A criação de instituições, para o sociólogo, não ajudou a uma maior aceitação do Islã. “Mesmo havendo eleições regulares o Conselho está paralisado. É uma concha vazia, porque é dividido entre diferentes tendências do Islã e leituras da prática religiosa ligadas quase sempre ao país de origem: Marrocos, Tunísia ou Turquia. Eles não entram em acordo, porque há interesses contraditórios”, revela.
O Partido dos Mulçumanos da França, PMF, criado em 1997 e único a defender abertamente a bandeira religiosa, não tem quase nenhuma representatividade. É através das associações que as questões são reivindicadas. O que acontece em menor escala é a participação de representantes muçulmanos nos grandes partidos políticos. Segundo Amghar, não há no país uma efetiva mobilização no plano político da comunidade mulçumana, pois ela tem numerosas divisões internas e a população não tem tradição de manifestação.
Terrorismo 2.0
“Hoje, utiliza-se os fóruns”, lembra Amghar. Segundo o relatório Europol 2011 sobre terrorismo na Europa, são utilizados entre 10 e 20 sites para propaganda, radicalização, incitação e recrutamento de jovens. O documento sublinha que islamitas e extremistas tem demostrado grande profissionalismo no uso das novas tecnologias e da web como plataforma de comunicação.
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“Há dez anos, o terrorista Osama Bin Laden prometia a revolução islâmica com os atentados, faz dez anos que esperamos e ao contrário a Al-Qaeda está em declínio. Atualmente o que vemos é apenas o Jihad virtual, expressão que se refere aos grupos islamitas armados na rede. Eles falam de seus combatentes, são críticos à França e ao ocidente, expressam raiva e ressentimento via internet, mas não passam a ação”, afirma Amghar.
No entanto, de acordo com a Europol, 249 ataques terroristas vinculados a diferentes grupos separatistas ou extremistas religiosos de todo tipo foram contabilizados em 2010, 84 deles na França, o país só fica atrás da Espanha, com 90 casos. Ao todo, 179 pessoas foram detidas por terrorismo islâmico no último ano, 50% a mais que em 2009. Como nos anos precedentes, originários do norte da África representam um terço deles.
Em maio desse ano, apesar da morte de Bin Laden, o governo francês negou a diminuição do risco de atentados. A eliminação do terrorista mais procurado do mundo foi tida como um ato de justiça, pelo presidente americano Barack Obama e como o emblema do fim de um ciclo que poderia se fechar com a retirada das tropas americanas do Iraque e do Afeganistão.
Islamofobia
“A discriminação na França não é apenas étnica ou racial, mas religiosa”, afirma Martinez-Gros. O uso de símbolos religiosos é interpretado como um sinal de não integração. O sociólogo francês, Vincent Geisser, em seu livro La nouvelle Islamophobie, fala do aumento de atos islamofóbico no país. Os mulçumanos são especialmente atingidos por questões sociais, 29,5% deles estão desempregados, o número é o dobro da media nacional.
“Nunca falou-se tanto em Islã como depois dos atentados. O fenômeno islâmico na França se banalizou, ao mesmo tempo que houve um movimento de crítica, distanciamento e desconfiança sobre a questão religiosa”, diz Amghar. Ele defende que existe na Europa o mito do “Islã conquistador”. A ameaça de que poderia haver uma conversão dos mulçumanos franceses, que entrariam nos partidos políticos e no final, criariam um estado islâmico. Em abril de 2011, a interdição da Burca, véu integral, em lugares públicos reacendeu o debate sobre a integração dos mulçumanos no país.
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