As relações entre o narcotráfico mexicano, em particular o cartel de Los Zetas, ex-braço armado da família do Golfo e agora cartel independente, e a máfia italiana, por meio da organização 'Ndrangheta, da Calábria, são analisadas no livro Contacto en Italia, da jornalista Cynthia Rodríguez, recém publicado no México. Em entrevista ao Opera Mundi, a autora analisa como os dois grupos criminosos, juntos, se tornaram nos últimos anos os maiores traficantes e distribuidores de drogas do mundo, sem que quase ninguém notasse.
Quais são as similaridades com o narcotráfico mexicano? E como é possível que, em poucos anos, eles tenham tomado o controle do mercado da droga, substituindo os cartéis colombianos e a Cosa Nostra, sem que se falasse deles?
A principal similaridade com o narcotráfico mexicano pode ser notada no território. A característica comum a todos é a ausência total do Estado no território. As famílias mafiosas substituem em muitos aspectos o papel do Estado, impondo um controle direto sobre a população. Muitas vezes realizam até mesmo obras públicas. O perigo, como está acontecendo no México, é que as pessoas comecem a criar mitos do narcotráfico. Como se eles fossem heróis. Na Itália, essa atitude está sendo superada. Coletivamente, compreende-se que é um modelo nefasto, que perdeu a face romântica. No entanto, em contextos nos quais reinam entre as pessoas a desesperança, a incerteza, a impunidade, é difícil consolidar sentimentos de legalidade, e as máfias continuam florescendo.
Como funciona a 'Ndrangueta?
A estrutura da 'Ndrangueta é diferente da máfia siciliana, da Cosa Nostra. Os calabreses souberam ser adaptar melhor à globalização. Membros das famílias mafiosas estão presentes em todos os países e podem manter uma estrutura sólida, mesmo que deixem o território de origem, a Calábria. A estrutura arcaica familiar permite um controle militar da organização e praticamente não dá origem a colaboradores da Justiça, de modo que o grupo opera basicamente em segredo. Eles não se fazem notar. Os membros da 'Ndrangheta souberam mesclar sua estrutura familiar/tribal às regras da globalização de maneira quase perfeita, mas, como se pode ler no livro, também têm problemas e fraquezas. Por isso, com as armas adequadas, é possível combatê-los com êxito. Eles não são onipotentes.
No livro, além de explicar a estrutura da 'Ndrangheta, desconhecida na Itália e no mundo, você descreve partes importantes de investigações policiais que mostram como funcionam as relações entre máfias. Qual é a sua impressão da luta contra o narcotráfico internacional?
Como o narcotráfico é uma questão globalizada e complexa, compreendi que a resposta das instituições deve ser conjunta. As forças policiais italianas colaboram há anos com as dos Estados Unidos, em uma luta conjunta que está rendendo frutos. É necessário um expediente compartilhado por muitos países para enfrentar com seriedade as famílias mafiosas. No México, falta uma legislação específica para combater o narcotráfico. Além disso, há uma grave falta de transparência.
Escrevendo o livro, pude conversar com funcionários italianos que me mostraram os resultados concretos das operações, explicando-me todas as passagens. No México há uma grande confusão e o que as instituições nos dizem não corresponde ao que acontece na realidade.
Na Itália existe uma lei, a 646/82, conhecida como Rognoni-La Torre [que custou a vida do deputado comunista Pio La Torre], que introduz o delito de associação mafiosa e sobretudo permite o confisco dos bens da máfia. O ponto é que, sem confiscar os bens da máfia, de nada serve enviar o exército, como fez o presidente do México, [Felipe] Calderón, porque os cartéis e as máfias têm patrimônios enormes. Calcula-se que a 'Ndrangheta, com seus diferentes negócios, tenha ganhos de 44 bilhões de euros por ano, 2,9% do PIB [Produto Interno Bruto] italiano. É preciso criar leis específicas e promover uma forte colaboração entre Estados.
Quais foram as conclusões de sua pesquisa?
Na Itália, surpreendeu-me o fato de terem questionado até mesmo o primeiro-ministro, Silvio Berlusconi, para averiguar as afirmações de um mafioso colaborador da Justiça, Gaetano Spatuzza, apesar de seu poder econômico, político e midiático. A principal conclusão é que a luta contra a máfia se realiza entre as pessoas, é uma luta cultural. É preciso combater a cultura mafiosa acima de tudo e reforçar as instituições por meio de leis. E na Itália, embora o problema não esteja resolvido, foi possível sensibilizar as pessoas. O nível de violência e impunidade que existe hoje no México nunca havia sido alcançado antes. É impressionante. Gostaria que a sociedade mexicana pudesse chegar pelo menos a este ponto. Sim, há esperança.
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