“Não é o momento certo”, foi a frase que o governo israelense usou para negar um pedido do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, que desejava fazer uma visita a Tel Aviv para entregar pessoalmente seu apoio a Israel em sua ofensiva contra os territórios palestinos.
A iniciativa ocorreu na semana passada. A ideia era que o mandatário visitasse Israel junto com o secretario de Estado norte-americano, Antony Blinken. Porém, a informação sobre a recusa foi divulgada na última segunda-feira (16/10).
Se a ideia era recolocar Zelensky nos noticiários após semanas em que o conflito em seu país perdeu espaço diante da escalada da tensão no Oriente Médio, o fracasso é ainda maior, já que mais até mesmo esse constrangimento acabou tendo pouca repercussão na mídia – entre outras coisas, porque aconteceu horas antes do massacre no hospital Al Ahli.
O fato é que a atenção midiática não é o maior problema para a Ucrânia. A relevância do seu conflito com a Rússia perdeu força entre os seus principais aliados geopolíticos, como os Estados Unidos, Reino Unido e a União Europeia, que passaram a priorizar o apoio a Israel, em sua ofensiva militar contra os territórios palestinos – embora essa mudança resulte em uma contradição, já que antes respaldavam a Ucrânia com o argumento da “agressão do seu território por parte da Rússia”, e agora sustentam justamente a agressão israelense ao território da Palestina.
Após a negativa ao presidente ucraniano, surgiram outras declarações mostrando que o desgaste de Kiev entre autoridades do mundo ocidental começa a ser um problema.
O britânico James Nixey, um dos principais especialistas do seu país e diretor do programa sobre Rússia e Eurásia do Instituto Chatham House, disse em entrevista para um meio polonês que “já é possível ver sinais de fadiga sobre a questão da Ucrânia”.
“Kiev ocupa menos espaço nos jornais, há menos dinheiro, há menos promessas de armas, e agora a guerra do Hamas com Israel está distraindo ainda mais as pessoas”, acrescentou.
O especialista ressaltou que o longo tempo de duração da guerra entre Ucrânia e Rússia, que já dura mais de 600 dias, “começa a causar um certo cansaço na opinião pública britânica e europeia”.
“Não estou dizendo que a Ucrânia foi completamente abandonada, mas temos de reconhecer com franqueza que nossos governos estão dando armas suficientes e ajuda suficiente (a Kiev) para sobreviver, mas não o suficiente para vencer (a guerra)”.
Apoio dos Estados Unidos
O principal problema da Ucrânia, porém, está na possível perda do apoio financeiro norte-americano.
Governo da Ucrânia
Apoio a Zelensky e à Ucrânia por parte de aliados vem diminuindo nas últimas semanas, ainda mais após o novo conflito no Oriente Médio
No final de setembro, o governo de Joe Biden esteve a ponto de sofrer uma derrota importante e uma possível paralisação dos serviços públicos devido à falta de apoio parlamentar para aprovar o orçamento de 2024.
Os líderes do Partido Democrata conseguiram um acordo de última hora para um decreto transitório, que permitiu a utilização de verbas adicionais por 45 dias, mas o projeto principal terá que ser aprovado até novembro para evitar uma crise maior.
Um dos principais pontos de conflito no debate sobre o orçamento é justamente o apoio financeiro entregue pelos Estados Unidos à Ucrânia.
Algumas das principais lideranças do Partido Republicano, principal legenda opositora, têm criticado fortemente os gastos em ajuda militar a Kiev, em um contexto em que o país precisa aumentar os investimentos para lidar com uma crise econômica interna.
Aliados militares dos republicanos reforçam essa narrativa. A declaração mais recente nesse sentido foi do ex-coronel Douglas McGregor, analista militar e comentarista político em alguns meios norte-americanos.
Na segunda-feira, ele publicou uma mensagem em suas redes sociais dizendo que “o governo de Biden tem apenas duas opções: cortar os gastos na Ucrânia, reduzir os gastos discricionários e se concentrar nas emergências domésticas na fronteira sul e nas maiores cidades da América, ou escalar o conflito com Moscou”.
Ele termina sua publicação dizendo “façam a paz, seus tolos!”.
Confronted with a weak economy, higher yields and lower prices for Treasury bonds, the Biden administration and its partner on Capitol Hill, the Washington “uniparty,” really have two choices:
First, cut U.S. and Allied losses in Ukraine, reduce discretionary spending, and…
— Douglas Macgregor (@DougAMacgregor) October 17, 2023
O acordo provisório que impediu a paralisação do orçamento só foi aprovado após os governistas cortarem qualquer ajuda financeira à Kiev nestes 45 dias até a nova votação. Por essa razão, a aprovação do projeto orçamentário principal para 2024 continua tendo a questão ucraniana como um dos seus grandes obstáculos.
Vale destacar que, no começo do debate orçamentário, a primeira proposta da Casa Branca incluía US$ 24 bilhões em ajuda ao governo ucraniano. Diante da resistência republicana, a bancada governista no Senado apresentou uma redução de três quartos, o que significaria uma ajuda de US$ 6 bilhões, que também foi rechaçada pela oposição.
Nos últimos dias, o Partido Democrata vinha insistindo com esse valor, que continuou sendo rejeitado pelos republicanos. Porém, desde o novo conflito no Oriente Médio e o reforço da ajuda financeira e militar a Israel anunciado pelo presidente Biden – esse sim, apoiado pela oposição –, ainda não houve um pronunciamento da bancada governista sobre uma possível alteração nos recursos previstos para a causa ucraniana.