Uma resolução assinada por 15 deputados do Partido Democrata dos Estados Unidos sugere a suspensão de toda a assistência às forças militares e policiais brasileiras e que os EUA deixem de tratar o Brasil como parceiro comercial preferencial, caso o presidente Jair Bolsonaro (PSL) não tome “medidas efetivas” para reduzir a violência policial no país, os danos ao meio ambiente e os ataques aos direitos dos trabalhadores, entre outros pontos.
O documento também expressa “profunda preocupação com as ameaças aos direitos humanos e ao Estado Democrático de Direito” no Brasil, exortando os EUA a se oporem a empréstimos do Banco Mundial ou do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) a projetos que contribuam para desmatamento da região amazônica.
A resolução, apresentada na quarta-feira (25/06), um dia depois do discurso beligerante de Bolsonaro na assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), passará por várias comissões na Câmara dos Deputados dos EUA antes de ser votada em plenário, processo que pode levar meses.
Caso aprovada em definitivo, não terá força de lei, mas, dada a tradição política do país, deverá ser levada em consideração pelo governo.
Assinam o documento os congressistas:
Raúl Grijalva
Rohit Khanna
Debra Anne Haaland, com o apoio de Susan Wild
Bobby L. Rush
Eleanor H. Norton
Jim P. McGovern
Betty McCollum
Hank Johnson
Jared Huffman
Adriano Espaillat
Sheila Jackson Lee
Jesús “Chuy” García
Peter A. DeFazio
Mark Pocan
Reprodução
O deputado democrata Raúl Grijalva é o autor da resolução assinada por mais 14 congressistas
Leia a íntegra da resolução
Expressando profunda preocupação com as ameaças aos direitos humanos, ao Estado Democrático de Direito, à democracia e ao meio ambiente no Brasil.
NA CÂMARA DE DEPUTADOS
O deputado GRIJALVA apresentou a seguinte resolução, a qual foi encaminhada ao Comitê no dia 25 de setembro, 2019
RESOLUÇÃO
Expressando profunda preocupação com as ameaças aos direitos humanos, ao Estado Democrático de Direito, à democracia e ao meio ambiente no Brasil;
Considerando que o Brasil e os Estados Unidos têm uma importante parceria estratégica e têm colaborado estreitamente em numerosas questões de interesse mútuo, incluindo comércio, segurança, energia, proteção ao meio ambiente e na luta contra a discriminação racial;
Considerando que, nos últimos anos, o Brasil avançou, significativamente, no fortalecimento da democracia, na redução da pobreza, no enfrentando às disparidades raciais e de gênero, construindo uma sociedade mais justa e inclusiva, e reduzindo o desmatamento na Amazônia;
Considerando que o território brasileiro abrange cerca de 60% da Floresta Amazônica, e que esta absorve 2 bilhões de toneladas de dióxido de carbono por ano, produzindo 6% de todo o oxigênio gerado pela fotossíntese;
Considerando que, em 28 de outubro de 2018, o político de extrema direita Jair Bolsonaro foi eleito presidente em uma eleição marcada por uma controversa desqualificação de seu principal oponente;
Considerando que o presidente Bolsonaro exalta a ditadura militar no Brasil, que torturou 20.000 pessoas e assassinou ou levou ao desaparecimento de 434 pessoas, de acordo com a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos do Brasil;
Considerando que a primeira viagem ao exterior do presidente Bolsonaro foi para os Estados Unidos, onde se encontrou com o presidente Trump e declarou que ambos estão “lado a lado em seus esforços para garantir as liberdades e o respeito ao estilo de vida da família tradicional, o respeito a Deus, nosso Criador, contra a ideologia de gênero ou as atitudes politicamente corretas e contra as 'fake news''';
Considerando que o presidente Trump elogiou o presidente Bolsonaro e enfatizou sua “fantástica relação de trabalho” e as “muitas opiniões” que eles compartilham;
Considerando que o presidente Trump anunciou durante esse encontro que designaria unilateralmente o Brasil como ‘‘principal aliado não-pertencente à OTAN”, facilitando o tratamento preferencial para o Brasil em termos de assistência militar e vendas ou uso de equipamentos militares;
Considerando que o presidente Bolsonaro e funcionários de seu governo fizeram declarações e buscaram reformas políticas que ameaçam os direitos humanos de setores vulneráveis da sociedade brasileira, incluindo povos indígenas e afrobrasileiros, membros da comunidade LGBTI, ativistas que lutam pelo direito de acesso à terra, movimento trabalhista e opositores políticos;
Considerando que o presidente Bolsonaro prometeu que não iria permitir “que nem um centímetro” de terra seria demarcado para reservas indígenas ou quilombolas, comunidades de descendentes de africanos escravizados que abrigam mais de 1.000.000 de afro-brasileiros;
Considerando que o presidente Bolsonaro referiu-se aos povos indígenas que vivem em terras ancestrais protegidas como “animais de zoológico”;
Considerando que o presidente Bolsonaro afirmou que os afrobrasileiros que vivem em comunidades quilombolas nem sequer “são bons para procriação”;
Considerando que uma das primeiras medidas do governo Bolsonaro foi transferir a autoridade de proteger as terras dos povos indígenas ao Ministério da Agricultura, que é amplamente conhecido por ser controlado pelos interesses do agronegócio, o qual se opõe aos direitos de indígenas e quilombolas de ter garantido seu acesso à terra;
Considerando que funcionários do governo Bolsonaro anunciaram sua intenção de abrir vastas áreas protegidas da Amazônia, incluindo territórios indígenas, à mineração, à exploração madeireira e às empresas agrícolas, um movimento que deve levar ao desmatamento desenfreado e acelerar o aquecimento global;
Considerando que a taxa de desmatamento da Floresta Amazônica no Brasil aumentou 88% em junho de 2019, em comparação ao mesmo período de 2018, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil;
Considerando que, em agosto de 2019, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil anunciou que havia identificado quase 40.000 incêndios na Amazônia brasileira desde o início do ano, fenômeno ligado ao desmatamento e à expansão da agricultura de “cortar e queimar”;
Considerando que o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, fez referência às mudanças climáticas como uma conspiração criada por “marxistas culturais”;
Considerando que o governo Bolsonaro fez cortes drásticos na agência brasileira de fiscalização ambiental;
Considerando que, de acordo com a ONG internacional Global Witness, o Brasil é um dos países mais perigosos do mundo para defensores do direito ao acesso à terra e do meio ambiente;
Considerando que o presidente Bolsonaro manifestou publicamente seu apoio pela matança indiscriminada de suspeitos de crimes por agentes policiais;
Considerando que, de acordo com o Instituto de Segurança Pública do Brasil, agentes policiais do Rio de Janeiro assassinaram um recorde de 432 pessoas nos primeiros três meses de 2019;
Considerando que, em 7 de abril de 2019, o músico afrobrasileiro Evaldo Rosa dos Santos foi morto no Rio de Janeiro quando tropas militares atiraram em seu veículo 80 vezes;
Considerando que, em 4 de fevereiro de 2019, o Ministro da Justiça do Brasil, Sérgio Moro, apresentou um projeto de lei que, segundo a Human Rights Watch, poderia aumentar significativamente o número de assassinatos injustificáveis perpetrados por agentes policiais;
Considerando que, em março de 2018, a ativista afrobrasileira LGBTQ e vereadora dissidente Marielle Franco foi assassinada e que os indivíduos que ordenaram seu assassinato permanecem em liberdade;
Considerando que crimes e assassinatos de ódio por razões homofóbicas têm aumentado em todo o Brasil, conforme relatado pelo Washington Post, e que o congressista assumidamente gay Jean Wyllys teve que sair do Brasil em janeiro de 2019, após receber repetidas ameaças de morte;
Considerando que o presidente Bolsonaro fechou o Ministério do Trabalho, que existia há 88 anos, anunciou reformas que efetivamente acabam com o sistema de justiça do trabalho do país e eliminam o direito à negociação coletiva de direitos, e emitiu uma ordem executiva que enfraquece a inspeção e aplicação de direitos trabalhistas, acaba com as horas extras e o pagamento de horas trabalhadas aos domingo, e reduz as férias pagas e indenizações;
Considerando que o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva – principal candidato nas eleições presidenciais de outubro de 2018 – foi preso por acusações dúbias de corrupção, sendo rapidamente condenado a 12 anos de prisão e considerado legalmente inelegível para concorrer a um cargo público;
Considerando que as autoridades brasileiras rejeitaram um pedido do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas para permitir que Lula da Silva concorresse às eleições de outubro de 2018, apesar da obrigação legal do Estado brasileiro de cumprir com a solicitação enquanto signatário do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos;
Considerando que Sérgio Moro, o juiz encarregado do caso de Lula da Silva, agiu de maneira claramente tendenciosa em relação a Lula da Silva, violando seu direito a um processo judicial justo e imparcial, de acordo com o previsto na legislação brasileira;
Considerando que, em junho de 2019, os meios de comunicação publicaram mensagens vazadas que expõem conluios politicamente motivados entre Sérgio Moro e promotores atuantes no caso de Lula da Silva, as quais mostram Moro fornecendo consultoria estratégica e compartilhando informações privilegiadas com promotores;
Considerando que o Presidente Bolsonaro nomeou Sérgio Moro para o cargo de Ministro da Justiça e depois anunciou que havia prometido nomear Moro para a próxima vaga disponível no Supremo Tribunal Federal do Brasil; e
Considerando que, em julho de 2017, um funcionário sênior do Departamento de Justiça afirmou que era “difícil imaginar uma relação de cooperação melhor na história recente do que a do Departamento de Justiça dos Estados Unidos com os promotores brasileiros” e citou a cooperação do Departamento de Justiça com a força-tarefa da Lava Jato que acusou e processou Lula da Silva:
Assim sendo, a Câmara dos Deputados apela ao Presidente Bolsonaro e aos membros de seu gabinete para que se abstenham de proferir discursos de ódio e ameaças dirigidas a minorias e, ao invés disso, trabalhem para proteger os direitos humanos de todos os cidadãos brasileiros, independentemente de raça, sexo, orientação sexual ou crenças;
insta o governo brasileiro a proteger os direitos dos povos indígenas, garantidos pela Constituição Brasileira, incluindo o direito às suas próprias organizações sociais, costumes, línguas e crenças, e o direito às suas terras tradicionais;
insta as autoridades brasileiras a protegerem os direitos dos trabalhadores, conforme estipulado nas convenções da Organização Internacional do Trabalho, as quais foram ratificados pelo Brasil, incluindo o direito de organização e negociação coletiva;
insta o governo brasileiro a tomar todas as ações possíveis para reduzir o desmatamento da floresta tropical Amazônica dentro das fronteiras do país e a tomar todas as medidas necessárias para garantir a eliminação do desmatamento ilegal até 2030, de acordo com as obrigações do Brasil no âmbito da Convenção sobre Mudanças Climáticas da ONU;
exorta o governo dos Estados Unidos a se opor a empréstimos do Grupo Banco Mundial ou do Banco Interamericano de Desenvolvimento que possam vir a serem utilizados para financiar projetos que provavelmente contribuirão para maiores desmatamentos ou incêndios nas florestas tropicais localizadas na Bacia Amazônica;
insta as autoridades judiciais e policiais do Brasil a investigarem integralmente o assassinato de Marielle Franco e a trabalharem para identificar e processar os mandatários de seu assassinato;
insta as autoridades judiciais do Brasil, especialmente os ministros do Supremo Tribunal Federal, a investigarem as alegações de conduta antiética de Sergio Moro, do procurador federal Deltan Dallagnol, e de outros agentes envolvidos nos processos judiciais contra o ex-presidente Lula da Silva;
se dirige ao inspetor geral do Departamento de Justiça (DoJ) dos Estados Unidos para realizar uma revisão completa das atividades do DoJ no Brasil, para determinar se agentes do Governo dos Estados Unidos encorajaram ou incentivaram, a qualquer momento, a conduta antiética perpetrada por agentes judiciais brasileiros, incluindo membros da força-tarefa da Lava Jato;
insta o Supremo Tribunal Federal do Brasil a realizar urgentemente uma apreciação dos méritos das condenações de Lula da Silva e a razoabilidade dos procedimentos movidos contra ele, bem como expedir a liberdade de Lula da Silva enquanto seus recursos estão pendentes, conforme estipulado pela Constituição brasileira;
solicita a cooperação internacional de organizações relevantes de direitos humanos, como a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, para acompanhar de perto a situação dos direitos humanos no Brasil; e
expressa seu entendimento de que os Estados Unidos devem rescindir a designação do Brasil como “principal aliado não-pertencente à OTAN” e suspender toda a assistência às forças militares e policiais do país, a menos que o Departamento de Estado ateste formalmente que medidas efetivas são sendo tomadas para reduzir os assassinatos extrajudiciais injustificados levados a cabo por agentes de segurança do Estado brasileiro, e para investigar e julgar os assassinatos de ativistas, bem como para cumprir as normas internacionais de direitos humanos.