O general Brice Oligui Nguema, líder da junta militar governista no Gabão, prometeu, nesta segunda-feira (04/09) ao tomar posse como presidente de transição, restituir o poder aos civis por meio de “eleições livres e transparentes”, mas sem informar uma data para tal.
Comandante da Guarda Republicana, Oligui foi nomeado para o poder após o levante militar que destituiu o presidente Ali Bongo Ondimba na última quarta-feira (30/08), que estava no cargo desde 2009 e tinha acabado de ser reeleito para um terceiro mandato.
“No final desta transição, com a contribuição de todos os parceiros gaboneses no desenvolvimento, pretendemos entregar o poder aos civis, organizando novas eleições livres, transparentes e credíveis na paz”, declarou Oligui segundo o jornal local Gabon 24.
Em seu juramento como presidente interino, o novo líder também defendeu a anistia para prisioneiros políticos e disse que o levante salvou o Gabão de um “banho de sangue”. Além disso, Oligui pediu a participação de “todos os grupos” para escrever uma nova Constituição, que será adotada por referendo.
O mandatário também disse ter ficado “surpreso” com a condenação do levante por parte de instituições internacionais, afirmando que o autoproclamado Comitê para a Transição e Restauração das Instituições, “sem violência ou confrontos, mudou o regime que durante anos desrespeitou as regras democráticas”.
“Se você é neutro em situações de injustiça, você escolheu o lado do opressor”, declarou Oligui, citando uma frase do herói antiapartheid na África do Sul Desmond Tutu, Nobel da Paz em 1984.
O anúncio da posse de Oligui foi feito na última sexta-feira (01/09), segundo um comunicado do porta-voz da junta militar, Coronel Ulrich Manfoumbi. O representante também comunicou na ocasião que para a formalidade o Tribunal Constitucional do país seria “temporariamente restaurado”, uma vez que foi uma das instituições do país fechadas após o levante.
Quem é Oligui Nguema?
Segundo o jornal Al Jazeera, Oligui era comandante-chefe da Guarda Republicana Gabonesa, conhecida por ser a unidade de segurança mais poderosa do país. O nomeado presidente de transição também é primo do mandatário deposto.
O novo líder servia como ajudante de um comandante da Guarda Republicana do ex-presidente do Gabão Omar Bongo, falecido em 2009 e pai de Ondimba.
Ademais, o canal catari menciona Oligui como “uma figura poderosa, influente e enigmática” no Gabão, informando que ele é filho de um militar e que, ao longo de sua carreira, treinou em Meknes, no Marrocos.
“Além das funções militares e diplomáticas, Oligui era visto como empreendedor e também considerado um milionário nos círculos gaboneses”, completa a Al Jazeera sobre o perfil do novo presidente.
O que aconteceu no Gabão?
Um grupo de 12 militares do Gabão informou a tomada do poder, dissolvendo as instituições do país (governo, Senado, Assembleia Nacional, Tribunal Constitucional e Conselho Eleitoral) e anulando o resultado das eleições de 26 de agosto que reelegeram pela terceira vez o então presidente Bongo Ondimba.
O anúncio dos oficiais informava que Ondimba havia sido deposto de seu cargo, mas que continuaria com todos os direitos civis. Após a deposição, o ex-presidente gravou um vídeo clamando por ajuda internacional para solucionar a situação política no país.
Após a tomada de poder, os militares nomearam o General Brice Oligui Nguema como presidente de transição.
O levante militar no Gabão fez com que o Conselho de Segurança e Paz da União Africana (UA) suspendesse o país “de todas as suas atividades, órgãos e instituições até a restauração da ordem constitucional”.
Já a União Europeia manifestou sua preocupação com a situação em Libreville, classificando o levante militar no Gabão como um “golpe de Estado, que aumentará a instabilidade em toda a região”, reconhecendo a situação como “um grande problema pra Europa” que denuncia a necessidade de “melhorar suas relações” com os países da África.
Ainda não há declarações sobre possibilidade de intervenção militar estrangeira no Gabão. A União Africana solicitou “uma missão de alto nível”, em colaboração com a Comunidade Econômica dos Estados da África Central (CEEAC) para que a crise política seja solucionada.
Mas, apesar de não especificar o que seria a “missão de alto nível”, a União Africana “rejeita veemente quaisquer interferências externas [de organizações e países]” fora da África para o Gabão.
Bongo estava no poder havia 14 anos, mas sua família governava o Gabão de forma ininterrupta desde 1967. A derrubada do presidente foi comemorada com festa nas ruas da capital Libreville.
Twitter/Brice Oligui Nguema
Oligui foi nomeado para o poder após o levante militar que destituiu o presidente Ali Bongo Ondimba na última quarta-feira (30/08)
Outros levantes militares na África
O levante no Gabão não foi um movimento isolado. Mais recentemente, no final de julho, o Níger, na África Ocidental, também viveu uma situação semelhante. Para além, em três anos, ocorreram sete tentativas de derrubada de poder em seis países no continente africano.
Mali, Guiné, Sudão e Burkina Faso também encontram-se sob governos de transição militares, com eleições previstas para 2024 em alguns desses países.
Todos eles apresentam passados de colonização por países europeus e obtiveram suas independências após anos de exploração do imperialismo.
Mali: agosto de 2020 e maio de 2021
Os dois levantes militares no Mali ocorreram dentro de um período de nove meses: o primeiro em 18 de agosto de 2020 e o segundo em 24 de maio de 2021.
Em 2020, o então presidente Ibrahim Boubacar Keita (2013-2020) e o primeiro-ministro Boubou Cissè foram presos durante o levante militar que ocorreu após dois meses de grande crise política, com protestos diários contra o governo de Keita.
Após o ato, um novo presidente foi nomeado: Bah Ndaw, que, por sua vez, indicou um novo primeiro-ministro: o ex-chanceler Moctar Ouane. A partir de então, em outubro, um governo de transição de 18 meses foi sugerido.
Porém, em 24 de maio de 2021, os militares novamente fizeram um levante, colocando outro coronel como presidente de transição no país, Assimi Goita. O militar continua governando até que novas eleições sejam realizadas, prometidas para fevereiro de 2024.
Guiné: setembro de 2021
O ex-presidente guineense Alpha Condé (2010-2021) foi deposto por um levante militar, em 5 de setembro de 2021. Na ocasião, os militares liderados pelo coronel Mamady Doumbouya suspenderam a Constituição, dissolveram o governo e decretaram toque de recolher à noite.
A justificativa de Doumbouya para a organização era “colocar fim à corrupção e à péssima gestão do país”. Em 1º de outubro, o coronel tornou-se presidente.
Condé estava no cargo de presidente desde 2010, tendo sido reeleito em 2015 e em 2020. No entanto, a última reeleição foi considerada “não democrática” por opositores e causou uma série de protestos.
Como no Mali, é prometido um novo processo eleitoral até o final de 2024.
Sudão: outubro de 2021
O levante militar no Sudão aconteceu em 25 de outubro de 2021, quando as Forças Armadas do país tomaram o poder após prenderem o primeiro-ministro Abdallah Hamdok e todos os líderes civis do governo.
O contexto político anterior era marcado por um governo “transitório” desde agosto de 2019, após o então presidente Omar al-Bashir ter sido deposto em abril daquele ano.
Desde então, uma coalizão civil-militar estava administrando o país africano com a promessa de que realizaria eleições livres e democráticas para formar um governo completamente civil, mas sem data específica. É esperado que o novo pleito seja realizado em 2024.
A situação se desdobrou para um conflito que opõe al-Burhan, chefe das Forças Armadas, e Mohamed Hamdan Dagalo, mais conhecido como Hemedti e líder do grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido (FAR).
Burkina Faso: janeiro de 2022
E 24 de janeiro de 2022, os militares de Burkina Faso anunciaram o fim do governo do então presidente Roch Marc Christian Kaboré e a suspensão das instituições do país, como a Assembleia Nacional.
Na ocasião, o capitão Sidsore Kader Ouedraogo afirmou que o Movimento patriótico burquinabê (MPSR) havia assumido o poder do país.
Em fevereiro, o tenente coronel Paul Henri Sandaogo Damiba se tornou presidente, mas foi destituído em 30 de setembro e substituído pelo capitão Ibrahim Traoré, nomeado como presidente de transição até julho de 2024.
A situação em Burkina Faso era de revolta militar em diversas partes do país, exigindo a renúncia dos chefes do Exército e pediam mais recursos para combater os jihadistas.
Kaboré estava no poder desde 2015 e foi reeleito em 2019 com a promessa de tornar prioridade a luta contra os extremistas no país. No entanto, seu governo sofria rejeição da população. Nos últimos meses, houve diversas manifestações de protesto no país para denunciar a incapacidade das autoridades de conter o número crescente de atentados jihadistas.
Níger: julho de 2023
O levante militar no Níger aconteceu em 26 de julho de 2023 após a Guarda Presidencial do então chefe de governo, Mohamed Bazoum, avançar contra ele e realizar uma transmissão em rede nacional, de dentro do Palácio Presidencial, para anunciar que estava tomando o poder no país.
Em 7 de agosto, a junta militar liderada pelo general Abdourahamane “Omar” Tchiani anunciou a nomeação do economista Ali Mahaman Lamine Zeine como novo primeiro-ministro do país.
Lamine Zeine ocupa assim o cargo que era de Ouhoumoudou Mahamadou, que era o premiê quando o levante militar sequestrou e tirou do poder o presidente Bazoum.
Marcada como uma revolução anti-ocidental, os militares nigerinos falaram contra a apropriação que a França ainda faz do urânio no Níger, revogou a cooperação militar com o país europeu, expulsando assim soldados franceses de seu território, e exigiu a saída do embaixador da França no país até o último domingo (27/08).
(*) Com Ansa