A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, preside nessa sexta-feira
(02/04), na região do Canal de Beagle, um ato em memória do 28º
aniversário do início da Guerra das Malvinas travada contra o Reino
Unido em 1982.
A medida, simbólica, deve ser seguida por uma política
diplomática mais intensa, especialmente em relação aos vizinhos mais
próximos. É o que avalia German Montenegro, ex-secretario de estratégia e assuntos militares do
Ministério da defesa, e professor na Universidade nacional de Quilmes.
Em entrevista ao Opera Mundi, Montenegro considera que reivindicar em
nome do direito internacional não é suficiente e que a Argentina deve
atuar de maneira concreta, acelerando suas explorações numa região cada
vez mais tensa.
Como o senhor explica o novo conflito entre Grã-Bretanha e Argentina em
relação as Malvinas?
A decisão dos britânicos de conceder licencias para a exploração
petroleira em torno das Malvinas é uma violação do direito
internacional, já que o arquipélago é o objeto de um conflito de
soberania reconhecido pela ONU desde 1965. Além disso, a ONU pediu as
partes para que não mudassem unilateralmente a situação. Essas
concessões são uma clara mudança.
Mas isso o é o direito internacional, e
na realidade, os fatos são mais fortes que o direito. A Grã-Bretanha é
um país mais potente que Argentina, temos que trabalhar com isso.
A população aprova esta mobilização?
Não é um tema importante da agenda concreta. Mas existe um apoio social e
político generalizado. Até a oposição, que agora não deixa passar
qualquer oportunidade de protestar contra o governo, apoiou a presidente
quando decidiu levar o tema para a Cúpula do Grupo de Rio, em Cancún.
Qual é a possibilidade para Argentina de recuperar a soberania nas
ilhas?
Até agora, a estratégia era insistir permanentemente em todos os foros
internacionais e regionais sobre nossa soberania. É Preciso criar outro
eixo de ação: um trabalho diplomático e político na região. As Malvinas
ficam a 60 milhas da Argentina, mas também da América do Sul. Para
negociar melhor, precisamos de um apoio real dos paises vizinhos:
Brasil, Uruguai, Chile.
Argentina já teve esse apoio durante a Cúpula da América Latina e do
Caribe em Cancún, foi um gesto importante?
Muito. Nosso governo recebeu o apoio dos 33 países da América Latina e
do Caribe. Até os paises anglo-falantes foram a favor do acordo, apesar
de seus fortes laços comerciais com Reino Unido e sua historia comum. É
uma novidade: tradicionalmente, eles não se alinhavam com Argentina.
A
partir disso, a gente tem que construir uma estratégia mais concreta.
Por exemplo, uma das respostas do governo a concessão de licencias
petroleiras nas Malvinas foi de emitir o decreto 256, que obriga todas
as embarcações em apoio à atividade petroleira na zona de Malvinas que
transitarem em águas do país de obter uma autorização.
É evidente que nós vamos complicar este registro. Então, a única
possibilidade para o abastecimento dessas embarcações e de passar por
países vizinhos, como Brasil, Uruguai, Chile. Temos que costurar um
acordo para que esses países recusem ou compliquem o trabalho dos
britânicos. Pelo menos, termos que tentar.
Além disso, a Argentina tem
que começar uma política de exploração dentro de suas águas
territoriais. Já existe um acordo entre YPF e uma empresa
norte-americana para explorar perto da Terra de Fogo, mais ao sul de
Malvinas. Temos que continuar.
O senhor descarta qualquer opção militar?
Claro! A guerra de 82 foi um desastre que arruinou todo o que Argentina
tinha construído até lá. Quando a ONU reconheceu a existência de um
conflito de soberania, a estratégia argentina era de estabelecer uma
dependência das Malvinas em relação ao país.
Desenhou-se toda uma
política de abastecimento e de desenvolvimento das infra-estruturas nas
ilhas, desde o continente. Muitas empresas como a petroleira YPF tinham
uma sede nas Malvinas, existiam vôos regulares a partir de 1972. O
aeroporto foi construído pela Argentina também. A idéia era negociar
política e diplomaticamente e construir uma dependência.
Infelizmente a
guerra acabou com todo este esforço. A partir daí, os britânicos
começaram a sustentar a ilha desde Londres, o que é muito caro. Para
resumir, Não vai ter guerra, mas estamos chegando a um nível de conflito
que não existia há décadas.
O senhor acha que a o conflito em relação às Malvinas pode se tornar
mais importante?
Não é só o problema das Malvinas ou da Argentina. Hoje, podemos falar do
problema do Atlântico Sul, onde se cruzam muitos atores e interesses,
que tem a ver com o uso dos recursos naturais. O exemplo das Malvinas é o
sintoma do que pode acontecer nos próximos anos na região.
Temos que
lembrar que o cenário da segurança internacional na região mudou muito.
Temos uma superpotência, Estados Unidos, mais também outras potências
com pretensões crescentes, como Brasil. Ao mesmo tempo, assistimos a
deterioração do sistema multilateral, causada por muitas iniciativas
unilaterais que beneficiam somente aos paises com mais poder.
Nesse
contexto o tema dos recursos naturais se instalou como um grande tema de
segurança. Antes, era o pescado, agora, é o petróleo.
Como se manifesta este novo interesse pela região?
Por exemplo com outra disputa, que tem como arbitro a ONU. A Argentina, o
Chile, o Brasil e a Grã-Bretanha apresentaram, nesses últimos anos, as
suas propostas de prolongamento da chamada Plataforma Continental (PC) à
comissão de limites da ONU.
Trata-se do prolongamento natural dos
países, que excede as 200 milhas da sua Zona econômica exclusiva, até um
limite de 350 milhas, a partir da linha da costa. Uma vez esta
plataforma reconhecida pela ONU, o Estado costeiro tem direito à
exploração e exploração dos recursos do solo e subsolo marinhos.
Outras
tensões vêm da descoberta de reservas consideráveis de petróleo nas
águas brasileiras, da importância do lítio, por exemplo na Bolívia, todo
isso instala uma nova dimensão geo-estratégica na região.
A descoberta desses novos recursos pode provocar tensões militares?
Desse ponto de vista também, o panorama esta mudando. Nossa região goza
de uma tranqüilidade relativa. Nos últimos anos, porém, vimos surgir
conflitos diplomáticos, inclusive atividades militares bastante
intensas: entre Equador e Colômbia, entre Colômbia e Venezuela.
Sem
falar da reativação da quarta frota americana, a relação de alguns
países com Irã e o convite da Venezuela para que os navios de guerra
russos façam exercícios na região. Até agora, não são elementos
susceptíveis de deflagrar conflitos. Mas precisa-se prestar atenção.
* Texto e foto
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