Eram três horas da tarde de um sábado quando a professora argentina Karin Szymansky começou a sentir um estranho enjoo. Em pouco tempo, percebeu que a sensação era consequência de tremores na cidade onde vive desde o início do ano: Villa La Angostura, um charmoso vilarejo de montanha e importante ponto turístico a 100 quilômetros de São Carlos de Bariloche.
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Aldo Jofre Osorio/Opera Mundi
Os telhados de Villa la Angostura, cobertos pelas cinzas, ficaram em risco, principalmente após as chuvas
Veja a galeria de fotos das cinzas em Villa La Angostura
Derivados do movimento de placas tectônicas, os tremores sentidos no local estão relacionados à erupção do vulcão chileno Puyehue, ocorrida há duas semanas, a apenas 35 quilômetros dali. O relato de Karin, no entanto, é somente o prefácio de uma série de eventos incomuns vividos nos últimos dias e narrados neste domingo (19/06) ao Opera Mundi pelos moradores deste povoado da Patagônia argentina.
Quem saiu na rua após os tremores de terra se surpreendeu com um céu divido em dois: um lado azul, com um sol radiante e, no outro, uma nuvem densa e negra. Assim foram os primeiros minutos da chegada à Argentina das nuvens de cinzas e areia expelidas na erupção do Puyehue. Em pouco tempo, a mistura de material vulcânico encobriu toda a cidade e começou a se precipitar, gerando pânico e muitos estragos materiais.
“Começamos a escutar muitos relâmpagos e a ver raios, o que não é normal por aqui”, lembra a docente portenha. “No primeiro dia, foram 12 horas consecutivas de uma intensa chuva de areia e pedrinhas. Parecia granizo, mas eram pedaços de uma espécie de pedra pome”, descreve Karin. A professora lembra-se também da quantidade de mensagens que começaram a circular por celulares sobre o ocorrido: “Neste momento, todos estavam em pânico”, revela.
Sem poder avaliar a dimensão do fenômeno, os habitantes de Villa La Angostura lotaram o principal supermercado da cidade em busca de provisões: “Todos correram para comprar itens de primeira necessidade. A gôndola de água ficou vazia e somente sobraram as velas mais caras, perfumadas ou de decoração. Mas as pessoas compravam mesmo assim, com um espírito fatalista”, diz a docente.
Aldo Jofre Osorio/Opera Mundi
Cinzas se acumulam nas ruas esperando pela remoção
Entre os momentos mais vívidos na memória da docente, está a reação da multidão que esperava nas filas dos caixas para pagar os mantimentos: “As pessoas tinham ataques de riso, nervosas, e falavam do assunto com humor negro. Outros se mantinham com uma cara séria, olhando fixamente para o chão, sem conversar com ninguém”, afirma.
Na madrugada seguinte, quando a luz foi cortada e a cidade ficou às escuras, mais uma vez a comunicação via SMS gerou mais pânico na população. Mensagens de texto, das quais não se sabe a origem, anunciavam um terremoto. “Eram mais ou menos três da manhã e todos foram para as ruas, com garrafas água, esperando o pior. Mais tarde ouvimos na rádio municipal que era um alarme falso”, lembra Karin.
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Nesta madrugada, a decoradora Graciela Viera abandonou sua casa. “Moro em uma região no pé da cordilheira, que treme muito, e fui para a casa de uns amigos”, conta. Ao saber da falsa previsão, no entanto, decidiu voltar. Os dias de chuva de cinzas, diz, foram traumáticos. “Não imaginava que uma coisa assim pudesse acontecer. Fiquei uns 15 dias trancada em casa, olhando pela janela as cinzas caindo do lado de fora.”
No último domingo, no entanto, Graciela tomou coragem e foi remover as cinzas do teto e da entrada de sua oficina de artesanato. Para ela, a população de Villa La Angostura já sabia que poderia viver alguma espécie de desastre, principalmente após o terremoto no Chile [27 de fevereiro de 2010], que também provou tremores no vilarejo.
“A partir daquele momento, as autoridades passaram a conscientizar as pessoas com simulações em escolas para que os alunos soubessem o que fazer em uma situação de emergência. Distribuíram folhetos explicando que deveríamos ter rádios de pilha, um estoque de velas, lanterna e água. Mas, às vezes, a gente não dá importância porque acha que nunca vai acontecer uma coisa assim”, explica.
Aldo Jofre Osorio/Opera Mundi
Dono de restaurante em Villa La Angostura limpa as cadeiras cobertas por cinzas
Mesmo com certa preparação das autoridades, os efeitos drásticos causados pela erupção do vulcão levaram a muitos estragos materiais na cidade e choque emocional na população. Durante quase duas semanas, Villa La Angostura ficou coberta por grossas camadas de cinza e areia que enterraram carros, derrubaram placas de sinalização, provocaram cortes de energia elétrica e água, e afetaram a saúde dos moradores, alguns por problemas respiratórios ou nas cordas vocais, outros por olhos irritados.
Veja o vídeo de um morador mostrando as cinzas de Villa La Angostura.
Para tentar contornar os danos, a sede Defesa Civil da cidade está operando como um “posto de saúde”, distribuindo máscaras cirúrgicas e óculos de proteção à população. Os moradores que se dirigem ao local também conseguem gotas de colírio e água potável. Além disso, um grupo de psicólogos voluntários se dirigiu à localidade para ajudar os vizinhos a voltar à normalidade.
Outra das recomendações das autoridades é a remoção dos vários centímetros de cinzas que foi se acumulando nos telhados das casas ao longo dos dias. Ou, caso não seja possível fazê-lo, eu abandonem o local. “Disseram que cada metro cúbico de cinza e areia pesa o equivalente a um Fiat 600, é muito perigoso”, explica Karin.
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Segundo a moradora e artesã Paula Scoccia, muitos tetos desabaram pelo acúmulo do material vulcânico. “Muitos caíram porque as pessoas não limparam imediatamente”, explica. “Por isso, muitas pessoas se juntam agora para fazer a faxina nos telhados, que ficam mais pesados e difíceis de limpar quando chove ou as cinzas se acumulam”.
Apesar de grande parte dos telhados, carros e vegetação ainda estarem cobertos por vários centímetros de cinza e areia, muitas ruas já estão transitáveis e o lugar já não tem o aspecto de uma cidade-fantasma, como nas últimas duas semanas. Estima-se que cerca de três mil pessoas tenham abandonado a região desde o início da atividade vulcânica do Puyehue.
Frente ao caos, a prefeitura adiantou as férias escolares de julho, permitindo que muitas família com crianças pudessem se refugiar das cinzas em cidades vizinhas ou partir rumo a Buenos Aires. Com o passar do tempo, os que ficaram se depararam com um novo problema: com as cinzas e a determinação de alerta vermelho e estado de emergência na cidade, o turismo, pilar da economia da região, ficou paralisado. Muitos, sem trabalho, também se viram obrigados a deixar o local.
Aldo Jofre Osorio/Opera Mundi
Karin, de roxo, lembra do pânico que tomou a cidade quando a
nuvem apareceu no céu. Graciela, à direita, de azul, ficou 15 dias
trancada
Apesar de muito pânico, há quem encare o fenômeno das cinzas com tranquilidade. É o caso do avô da empresária Paola Alejandra Saldivia, que tem 98 anos de idade. “Ele já viveu uma erupção do Puyehue nos anos 1960 e não usa máscara. Sempre que converso com ele, diz que está despreocupado e que já vai passar”, conta a neta.
Com os mutirões de limpeza de voluntários que tentam organizar a cidade, os moradores de Villa La Angostura agora esperam que a chegada de visitantes se intensifique em julho, quando esta voltar a ser uma pacata e colorida cidade de montanha que atrai turistas de todo o mundo.
Se o Puyehue permitir.
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