Reportagem publicada neste domingo (01/12) pelo site argentino El Cohete a la Luna mostra que a OEA (Organização dos Estados Americanos) divulgou seu relatório preliminar sobre as eleições na Bolívia de maneira antecipada e mesmo sem a apuração dos técnicos do órgão demonstrar que tivesse havido fraude na eleição vencida por Evo Morales em outubro.
De acordo com o site, a comparação das atas de apuração digitais com as atas de papel, em uma amostra aleatória tomada pelos observadores, não mostrava diferenças significativas. Ou seja, a verificação apontava que Morales havia efetivamente ganhado no primeiro turno com mais de 10% de diferença em relação ao segundo colocado, o ex-presidente Carlos Mesa.
O órgão difundiu, segundo o Cohete a la Luna, um relatório preliminar, ocultando os dados da verificação que excluiria a possibilidade de fraude e, além disso, não demonstrando um padrão de comportamento nos dados, o que poderia mostrar problemas generalizados. Até hoje, o relatório definitivo não foi divulgado, apesar do pedido de órgãos como o Celag (Centro Estratégico Latino-americano de Geopolítica).
Por fim, o secretário-geral da OEA, Luis Almagro, antecipou em um dia, de acordo com o site, a divulgação do relatório, encerrando os trabalhos mesmo com a verificação ainda em curso e sem que os técnicos soubessem que o informe estava sendo publicado. Eles precisaram ser retirados em caráter de emergência de La Paz, em meio ao início de episódios de violência.
Sem diferenças significativas
Fontes, que não tiveram a identidade revelada, disseram ao Cohete a la Luna que o relatório divulgado por Almagro deixou de fora grande parte do trabalho feito pelos técnicos. Havia quatro comissões analisando os resultados eleitorais: 1) a de verificação de resultados a partir das atas eleitorais; 2) a de análise de sistemas de informática; 3) a de revisão de segurança de todo o material eleitoral; e, 4) a de análise estatística do fluxo de carregamento dos dados preliminares e da totalização oficial.
Pessoas próximas aos técnicos ouviram que a parte mais importante da auditoria era a da checagem dos resultados. Os especialistas fizeram uma recontagem nos votos emitidos fora da Bolívia. O resultado não deixava dúvidas: ao contrastar os resultados da contagem oficial com os de atas digitalizadas pelos próprios técnicos da OEA, não foram encontradas diferenças significativas. Entre os votantes do exterior, Morales obteve uma vantagem de 60.000 votos em relação a Mesa.
Juan Manuel Herrera/OEA
Almagro antecipou divulgação de relatório mesmo sem prova definitiva de fraude na Bolívia, diz site
Os técnicos também investigaram a possibilidade de que o sistema de informática usado na totalização tivesse sido manipulado. A OEA disse, no relatório preliminar, que ele havia sido vulnerado – não há sistema que não possa ser vulnerado, na verdade – mas não citou nenhuma evidência de falsificação de atas ou a inserção de dados fraudulentos.
Além disso, ainda de acordo com o Cohete a la Luna, foram encontradas 78 atas com assinaturas suspeitas. Esta informação apareceu no relatório da OEA, mas sem maiores detalhes.
Questionamentos internos
Segundo o site, Almagro passou a ser questionado dentro da própria OEA sobre a maneira como divulgou os resultados preliminares da apuração. Fontes do órgão disseram ao Cohete a la Luna que os informes das Missões de Observação Eleitoral não podem ser divulgados sem a aprovação do Conselho Permanente.
No entanto, o secretário-geral soltou o relatório preliminar no dia 10 de novembro, um domingo que terminou com a renúncia de Morales, mesmo após o então presidente ter convocado novas eleições. Somente na segunda seguinte, 11 de novembro, o Conselho Permanente da OEA se reuniu em Washington para debater o informe. Mas, de acordo com um dos presentes na reunião, não houve debate – somente uma aprovação a “livro fechado”, sem informações.
O Uruguai foi um dos países que reclamou da atitude de Almagro. “O secretário-geral da OEA, novamente, se excedeu em suas funções ao reconhecer a senhora Jeanine Áñez como presidente interina, quando se trata, na realidade, de uma autoridade de facto. O Uruguai reitera que a OEA não tem nenhuma legitimidade para reconhecer governos e exige que o secretário-geral se conduza com a sensatez e a medida que seu cargo impõe”, disse.
Almagro enfrenta, em 2020, um processo eleitoral no órgão, para o qual deseja ser reeleito, e precisa para tal de 18 dos 35 votos dos países-membros para permanecer no posto. Sua possível oponente é a ex-chanceler equatoriana e ex-presidente da Assembleia Geral da ONU María Fernanda Espinosa, que já contaria com apoio significativo de vários países. Com o apoio de Almagro ao governo autoproclamado de Áñez, a Bolívia pode se tornar um voto positivo para a reeleição do secretário-geral.