A Corte de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) começou hoje (30), em Santiago do Chile, a julgar o Brasil por uma acusação de falta de investigação sobre a morte do lavrador Sétimo Garibaldi, em 1998, no Paraná.
Este é o primeiro caso de assassinato de um trabalhador rural brasileiro que vai a julgamento na OEA, que reúne todos os 34 países das Américas, exceto Cuba.
A Corte tem até junho próximo para dar o parecer. O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e a CPT (Comissão Pastoral da Terra) exigem que o governo federal indenize os familiares por danos morais e materiais.
A iniciativa de levar o caso à Corte partiu de um grupo de movimentos sociais formado pelo MST, pela CPT e pelas ONGs Terra de Direitos e Justiça Global. A denúncia é de que o inquérito policial foi arquivado mesmo com evidências sobre a autoria do crime.
“É um constrangimento para o governo brasileiro ter deixado que o processo chegasse à Corte Interamericana, simplesmente por não ter cumprido a própria legislação interna de defesa dos direitos humanos”, avalia Tamara Melo, advogada da Justiça Global.
Na audiência de hoje, a viúva da vítima, Iracema Cianotto Garibaldi, e duas testemunhas do crime foram ouvidas. Também foram convocados uma advogada e um dirigente do MST: Tereza Cofre e Celso Aghinoni.
Encapuzados
Sétimo Garibaldi tinha 52 anos quando levou um tiro na coxa durante o despejo da fazenda São Francisco, no município de Querência do Norte, no Paraná. Ele e mais 70 famílias do MST ocupavam as terras de Morival Favoreto.
Segundo depoimentos de testemunhas, por volta das 5h da madrugada do dia 27 de novembro de 1998, cerca de 20 homens encapuzados começaram a expulsar os militantes, mesmo sem ordem judicial de despejo. Quando Garibaldi estava saindo de seu barraco, foi atingido por um disparo de arma de fogo, calibre 12. Morreu no mesmo dia.
Em 2004, atendendo ao pedido da promotoria, a juíza Elizabeth Khater arquivou o inquérito policial, situação que perdurou até este mês. Marcos Fowler, promotor do Ministério Público do Paraná, explica aoOpera Mundi que a investigação foi abandonada por falta de provas sobre
a autoria do crime, já que todos os homens armados estavam encapuzados.
No último dia 20, no entanto, a promotoria reabriu o caso. Segundo Fowler afirmou hoje à reportagem, isso ocorreu por conta de novas testemunhas que se apresentaram. Já a ONG Justiça Global diz que o caso foi reaberto devido à audiência na OEA.
Nos depoimentos, as testemunhas disseram que o dono da fazenda, Morival Favoreto, integrante da UDR (União Democrática Ruralista), estava entre os homens que comandavam a expulsão, sem capuz. Estava acompanhado por seu braço direito, Ailton Lobato, também com o rosto descoberto.
“Como a pessoa que atirou estava encapuzada, ninguém pode ser acusado como responsável pelo crime. Não existem outras provas”, ressaltou Fowler. Ele lembra que “o caso pode ser reaberto, desde que novas provas sejam mostradas”.
O procurador conta que Favoreto, o dono da fazenda, apresentou documentos à polícia que mostravam que ele estava em outro local na hora do crime, enquanto Ailton Lobato nem foi apontado como suspeito pela polícia.
Os advogados Darci Frigo, da Terra de Direitos, e Tamara Melo, da Justiça Global, contestam os argumentos usados para justificar o abandono da investigação. Eles afirmam que nem a execução, nem o mandante foram investigados.
Violência no campo
A morte de Sétimo Garibaldi é apenas um entre os crimes relacionados à violência no campo que não foram solucionados pela justiça. Frigo diz que até hoje, naquela região, apenas um acusado foi a julgamento: José Luis Carneiro, que em 2006, foi indiciado pelo assassinato do trabalhador rural Sebastião da Maia. Ele foi a júri popular, mas foi absolvido por sete votos a zero.
Já o promotor Marcos Fowler estima que naquela região não há inoperância da justiça. “Pelo menos no Paraná, acredito que a maior parte da autoria dos crimes é definida. Existem poucos em que não foi assim”.
Ele observa, porém, que como o julgamento por homicídio é levado a júri popular, as punições nem sempre são justas. “Esse é um problema das cidades pequenas. O júri popular fica sob pressão e o resultado não é aquele que deveria ser”, reconhece o promotor.
Não é primeira vez que o Brasil é julgado pela Corte de Direitos Humanos. Em 2006, o país foi condenando no caso de Damião Ximenes Lopes, um deficiente mental torturado e assassinado em um hospital psiquiátrico em Sobral, no Ceará. Os autores do crime tinham sido absolvidos.
Nesta semana, a Comissão Pastoral da Terra divulgou os dados sobre violência no campo em todas as regiões do país em 2008. O número de conflitos diminuiu, mas a quantidade de pessoas assassinadas continuou a mesma, 28. Em 2007, foi registrada uma morte para cada 54 conflitos; em 2008, uma para cada 42.
(Reportagem ampliada)
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