A AI (Anistia Internacional) denunciou que centenas de famílias que perderam suas casas no terremoto que assolou o Haiti em janeiro de 2010 estão sendo retiradas à força de campos de desabrigados em Porto Príncipe. A organização pediu que as autoridades do país detenham a onda de despejos e destruição de barracas em toda a capital haitiana.
“As autoridades do Haiti devem evitar urgentemente os despejos ilegais e violentos de pessoas que vivem em acampamentos improvisados e tomar medidas significativas para proporcionar-lhes uma moradia adequada”, expressou a organização na última sexta-feira (01/02), ressaltando que dos 2,3 milhões de haitianos que perderam suas casas no terremoto, 350 mil continuam morando em acampamentos improvisados.
Aldo Jofre Osorio/Opera Mundi
Cerca de 350 mil haitianos que perderam suas casas há três anos ainda residem em barracas
De acordo com a Anistia Internacional, o último caso de despejo remete ao dia 22 de janeiro, quando 84 famílias instaladas no campo de desabrigados Fanm Koperativ foram despejadas por agentes policiais acompanhados de grupos de homens armados com machados, navalhas e pedaços de madeira, que intimidavam os sem-teto com violência verbal e física.
“Os homens nos empurravam e a polícia apontava suas armas em nossa direção para impedir que reagíssemos”, relatou à organização Suze Mondesir, do comitê do campo, sobre o momento em que os agentes começaram a derrubar as barracas, sem permitir que as famílias recolhessem seus pertences. Informações coletadas pela AI indicam que as famílias não receberam aviso prévio sobre o despejo.
Com a destruição das barracas que serviam como abrigo temporário, os despejados lamentam não somente a perda de pertences, como a necessidade de comprar madeira e lona para construir novos abrigos. Pequenos negócios improvisados também foram destruídos, como no caso de Cléane Etienne, residente do Fanm Koperativ, que teve seu posto de café destruído a chutes.
“Despejar moradores de acampamentos improvisados aumenta o trauma já sofrido pelas pessoas que perderam tudo no terremoto. Ao não dar nem tempo de que peguem suas coisas e jogá-las na rua, as autoridades estão negando dignidade às vítimas do terremoto”, analisou o assessor especial da Anistia Internacional, Javier Zúñiga.
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Segundo a organização, dez dias antes, data em que o terremoto completava três anos, funcionários municipais e da Agência de Proteção Civil já haviam despejado à força cerca de 600 famílias do campo de desabrigados Place Sainte-Anne, também na capital haitiana. Neste caso, os moradores foram notificados com apenas cinco dias de antecipação, com a promessa de que receberiam 20 mil gourdes (cerca de 480 dólares).
No dia do despejo, as famílias também não tiveram tempo de recolher seus pertences antes de que as barracas fossem destruídas. Segundo a ONG haitiana Groupe d’Appui aux Refugiés et Repatriés [Grupo de Apoio aos Refugiados e Repatriados], cerca de 250 famílias não haviam recebido o montante prometido como indenização.
Aldo Jofre Osorio/Opera Mundi
Desabrigados relatam à Anistia Internacional que despejo foi acompanhado de intimidação armada
Pessoas que estavam instaladas no campo relatam que os funcionários municipais disparavam para o ar e atiravam pedras para expulsar os desabrigados. A operação, que contou posteriormente com apoio policial, deixou feridos, entre eles um bebê de um ano. Os desabrigados também denunciam terem perdido dinheiro e celulares, entre outros pertences.
Para Zúñiga, a retirada do desabrigados dos campos só deveria ser feita após uma consulta e a oferta de uma moradia alternativa a estas pessoas. “Deve-se evitar a todo custo a retirada à força das pessoas dos campos”, ressaltou, completando que urge que o governo haitiano priorize as necessidades de moradia das pessoas “que continuam vivendo em terríveis condições nos campos de desabrigados três anos após o terremoto.
Calcula-se que ainda existam 496 campos de moradias provisórias – majoritariamente barracas armadas com lonas e madeiras, ou doadas por agências como a norte-americana USAID (Agência dos Eua para o Desenvolvimento Internacional) – Haiti, nas quais residem temporariamente cerca de 350 mil haitianos.
Como muitos deles são instalados em terras privadas, as ameaças de despejo sofridas pelos desabrigados pelo terremoto são uma realidade na capital. Em setembro de 2012, a OIM (Organização Internacional para a Migração) informou que cerca de 20% da população dos campos corriam risco de despejo. Em agosto, mais de 60 mil haviam sido expulsas de locais onde estavam instaladas.
Além de proprietários incomodados com a presença de desabrigados em seus terrenos, vizinhos aos locais de concentrações de barracas também se enfurecem com a falta de condições de higiene nos acampamentos de desabrigados. Moradores das redondezas do campo de desabrigados da capital Jean Marie Vincent, por exemplo, ameaçaram diversas vezes colocar fogo no campo de desabrigados, segundo relataram no ano passado militares brasileiros ao Opera Mundi.