Os principais lugares na lista dos presentes de Natal nos Estados Unidos são ocupados por dispositivos eletrônicos, muitos fabricados com minerais de regiões com conflitos armados que causam maciças violações dos direitos humanos. Como os “diamantes de sangue”, especialistas afirmam que a venda dos chamados “minerais de conflito”, de grupos armados para empresas que fabricam produtos para o mercado norte-americano está aumentando. São feitas denúncias, por exemplo, de que financia atrocidades na República Democrática do Congo (RDC), onde já morreram cinco milhões de pessoas no conflito mais sangrento da África, depois do genocídio ocorrido em Ruanda em 1994.
A Lei de Proteção ao Consumidor e Reforma de Wall Street Dodd-Frank é mais conhecida por regular o mercado financeiro dos Estados Unidos, mas parte da lei trata da responsabilidade corporativa fora do território deste país na compra de minerais de conflito. Alguns artigos exigem que as companhias que figuram na Comissão de Valores e Câmbios (SEC) informem se obtêm o tungstênio, o estanho, o tântalo e o ouro de regiões da RDC relacionadas com violações de direitos humanos cometidas por grupos armados. A lei obrigará as companhias a ativarem o processo chamado “devida diligência para uma cadeia de fornecimento”, para dar à SEC a informação sobre o conteúdo dos produtos utilizados.
No entanto, a lei está parada em um processo de regulamentação da SEC, encarregada de definir como se aplicará esse ponto específico da Lei Dodd-Frank. O órgão tem oito meses de atraso segundo seu próprio prazo. O assunto figura em seu site entre as tarefas pendentes para este ano que termina. Os defensores da lei, entre eles organizações de direitos humanos e da sociedade civil dos Estados Unidos e da RDC, se perguntam sobre as razões do atraso.
A Global Witness, organização de controle de recursos naturais de conflito, recordou que estão em jogo vidas humanas. A demora, “de fato, permite que as organizações armadas responsáveis por horrendos ataques contra civis no Congo ganhem tempo e obtenham maiores benefícios do comércio de minerais”, segundo a organização. Uma pesquisa feita pelo Escritório Conjunto de Direitos Humanos das Nações Unidas na RDC informou que 300 pessoas de três aldeias próximas a jazidas minerais na província de Kivu do Norte foram violadas em agosto do ano passado. A ONU atribuiu o episódio à competição pelo acesso aos minerais.
A Global Witness realizou suas próprias investigações, incluindo um mapeamento da cadeia de abastecimento, e informou que o comércio de minerais de conflito aviva a apropriação de terras e o deslocamento de pessoas em Kivu do Norte, onde “os abusos contra os direitos humanos, incluindo violações e escravidão sexual, atingiram proporções catastróficas”. Os opositores à lei, muitos deles defensores dos interesses corporativos, argumentam que suas disposições podem cortar o comércio com a RDC, ou serem muito difíceis de cumprir, e que será extremamente complicado rastrear a origem dos minerais.
Benefícios
Por outro lado, os partidários afirmam que a procedência dos minerais tungstênio, estanho e tântalo podem remontar a umas poucas fundições no mundo. Também afirmam que a lei não bloqueará o comércio e que somente exigirá que as companhias investiguem se compram minerais fornecidos por organizações armadas da RDC, revelem a informação e tomem medidas com a “devida diligência” para buscar outras minas para se abastecerem. O governador de Kivu do Norte disse a investigadores da Global Witness, em abril, que há guerra desde 1996 e perguntou a eles “por que o governo dos Estados Unidos não aprovaram esta lei há dez anos?”.
O representante Jim McDermott, partidário da lei, disse que se trata de uma medida atualizada que permitirá a consumidores e investidores decidirem se mantêm relação de negócios com empresas que compram minerais de conflito. “É importante acreditarmos na justiça social de cortar os fundos dos que matam e violam na África”, afirmou à IPS. O Estado da Califórnia utilizou a lei para modelo de seu próprio projeto de lei, que aprovou em setembro e que proíbe fazer negócios com companhias que utilizam minerais de conflito.
“Creio que houve muita pressão política de diferentes grupos, alguns do setor corporativo”, para que não saísse a lei, explicou à IPS Corinna Gilfillan, diretora do escritório da Global Witness nos Estados Unidos. “Estamos falando de duas disposições realmente fundamentais e que são importantes para os direitos humanos, e temos oito meses de atraso. Quais são as consequências?”, questionou. Uma disposição de maior alcance geográfico da Lei Dodd-Frank, também vinculada à transparência, é outra que sofre atrasos no processo de regulamentação da SEC. Ela exigirá que companhias de mineração, gás e petróleo informem à SEC os impostos, os benefícios, os direitos de produção, e as taxas que pagam aos governos.
A coalizão de luta contra a corrupção Publiquem o Que Pagam, integrada por 600 organizações religiosas, ambientalistas e da sociedade civil, trabalha para implementar essa medida desde 2004. “Em muitos países ricos em recursos naturais, boa parte da população vive com menos de US$ 2 por dia”, disse Isabel Munilla, diretora da coalizão, em um fórum organizado pela Brookings Institution, em Washington.
As iniciativas que promovem a transparência financeira diminuem a corrupção e aumentam a capacidade da população dos países com recursos naturais para reclamar sua justa parte nos benefícios. McDermott pediu urgência aos cidadãos norte-americanos para que apoiem a total implementação da Lei Dodd-Frank. “Creio que o lucro honesto pode conviver com a justiça social, e é disso que se trata”, afirmou. A SEC negou-se a informar à IPS as causas do atraso.
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