À esquerda, está o presidente Evo Morales, vestindo o característico poncho colorido, colar de flores e coroa, durante sua cerimônia de posse indígena no local sagrado andino de Tiawanaku, três anos atrás. À direita, está Jesus Cristo. Logo acima das imagens, a questão por escrito: “Em quem você votará?”. Abaixo, a resposta: “Eleja Deus. Vote NÃO”.
Pôsteres como esse estão espalhados por toda a cidade de Santa Cruz, dois dias antes do referendo que decidirá a aprovação ou não da nova Constituição boliviana. E esta é somente uma das ações da campanha, de forte cunho religioso, centrada no “não”.
Há poucas semanas, líderes da oposição convocaram todos os bolivianos a orarem pelo voto negativo, e ainda televisionaram propagandas – posteriormente consideradas inapropriadas –, questionando: “Vocês sabiam que eles querem expulsar Deus da Bolívia?”.
O texto da Constituição, que passará por voto popular no próximo domingo (25), estabelece um estado “independente de religião” – eliminando assim, a posição privilegiada do catolicismo como crença oficial. A Constituição também afirma que “o estado respeita e garante a liberdade de religião e crenças espirituais, de acordo com suas convicções”: 78% dos bolivianos se auto-intitulam católicos, inclusive o presidente, Evo Morales.
As alterações são utilizadas pela oposição para lançar uma dura crítica social ao novo texto, fazendo delas a parte central da campanha. Isto, por sua vez, desencadeou dias de tensão entre funcionários da Igreja e o presidente Morales, que regularmente poda líderes da Igreja por estarem alinhados a seus opositores e por se intrometerem em assuntos governamentais.
Na verdade, o uso da religião como panfleto tornou-se, para muitos analistas, uma última tentativa de ganhar mais votos. “O trabalho intenso de manipular o sentimento religioso, de olho na proximidade do referendo, está vergonhoso, senão ridículo”, disse Xavier Albo, que é, além de jesuíta, o antropólogo mais conhecido da Bolívia.
Líderes da Igreja negam que estejam agindo de forma errada, repetidamente afirmando que não tomam partido no referendo. Contudo, não fizeram críticas ao ato da oposição de defender a religião católica como campanha do “não”.
Constituição autoriza união homossexual, afirmam opositores
Junto a esse debate, a questão dos direitos homossexuais também entrou em pauta. Na última semana, oficiais da Igreja fizeram um ofício listando o que consideram como as 10 coisas positivas e as 10 negativas na nova Constituição. Dentre as negativas, estava: “Que a ambigüidade dos direito sexuais coloca em risco a integridade da família”.
A ala direita boliviana tem regularmente discutido o tema, dizendo que o texto encoraja a homossexualidade e até permite o casamento homossexual. No entanto, a Constituição somente garante os direitos sexuais iguais e proíbe qualquer forma de discriminação. O texto continua definindo o casamento como “a união entre homens e mulheres” e estabelecendo essa união como a base de todos os direitos familiares, de adoção à herança, incluindo visitas hospitalares. Casais gays têm esses direitos negados na Bolívia.
Ronald Céspedes, porta-voz do Coletivo GLBT da Bolívia, listou essas questões em carta aberta aos líderes da igreja no ano passado, após o projeto constitucional ter se tornado público. “Poderiam, por enquanto, ter nos negado o casamento e as uniões estáveis de uma maneira estatal,” diz a carta, “mas o que não conseguiram, e não conseguirão, é proibir que um homem e uma mulher, homossexual, bissexual, transexual, travesti e transgênero, boliviano e boliviana, compartilhem sua vida, seu afeto, sua emoção, sua sexualidade e sua realização profissional.”
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