Após a derrota governista na Câmara dos Deputados, em votação do artigo da Lei Ônibus referente à privatização de empresas estatais, o porta-voz da Casa Rosada, Manuel Adorni, afirmou que a proposta de realizar um plebiscito sobre o pacote neoliberal proposto pelo presidente Javier Milei voltou a ser considerada como uma opção.
“Não permitiremos que certos setores impeçam a chegada da Argentina do futuro”, declarou Adorni, durante entrevista coletiva realizada nesta quarta-feira (07/02).
O porta-voz também disse que o presidente Milei manteve contato intenso com os ministros da área econômica, mesmo estando em visita oficial a Israel, e acrescentou que o governo está buscando “instrumentos constitucionais que permitam convocar uma consulta popular para avançar com as reformas”.
“Teremos uma definição apenas quando o presidente voltar e tomar a decisão. Por enquanto, estamos reunindo informações para que tenhamos todos os cenários possíveis sobre a mesa”, completou o representante do governo de extrema-direita argentino.
Possível novo DNU
Após falar em “todos os cenários possíveis sobre a mesa”, Adorni foi perguntado pelos jornalistas presentes sobre a opção de o governo voltar a acionar o instrumento do Decreto de Necessidades e Urgências (DNU), que foi usado por Milei em dezembro para que as medidas fossem colocadas em prática antes da sua aprovação pelo Congresso argentino.
“Em algum momento a política perceberá o que o povo está pedindo e a lei se tornará realidade, de uma forma ou de outra. Há parlamentares que ainda não assimilaram totalmente o que o povo votou no ano passado”, concluiu o porta-voz da Casa Rosada.
Em dezembro passado, Milei tentou usar um DNU para colocar em prática a Lei Ônibus, seu principal projeto econômico, mas a Suprema Corte de Justiça da Argentina derrubou a medida, afirmando ser inconstitucional fazê-lo sem a aprovação do Legislativo.
Milei em fúria
A decisão de retirar o projeto da pauta de votação da Câmara também foi fruto, segundo o diário Página/12, da reação negativa produzida pelas mensagens publicadas por Javier Milei em suas redes sociais minutos depois da rejeição ao artigo sobre a privatização de empresas estatais.
Em uma dessas publicações, o mandatário apresenta a lista dos deputados que votaram a favor e contra o artigo, acrescentando o seguinte comentário: “aqui está a lista dos que são leais e dos traidores, que usaram o discurso da mudança para poder roubar um banco. Cliquem em vejam os inimigos de uma Argentina melhor”.
Télam
Porta-voz argentino Manuel Adorni afirmou que presidente Milei tomará decisão sobre possível plebiscito após regresso de sua viagem à Israel
Segundo a imprensa local, as palavras de Milei causaram moléstia em setores da chamada “oposição light”, como é chamado na Argentina o setor que reúne partidos de direita moderados, que se declaram opositores ao atual governo de extrema direita, mas que votam a favor de algumas de suas iniciativas – foram decisivos na aprovação do texto base da Lei Ônibus, na sexta-feira (02/02), mas se posicionaram contra o artigo sobre a privatização de estatais e alguns outros, nas votações desta terça (06/02).
A avaliação do governo, ao retirar o projeto da pauta, seria que a reação do presidente poderia ter efeitos em outras votações, levando a novas derrotas em outros artigos da Lei Ônibus considerados cruciais pela extrema direita.
Constitucionalidade do plebiscito
Segundo o diário argentino Página/12, a legalidade de um possível plebiscito sobre o pacote ultraliberal dependerá da forma buscada pelo presidente Milei, especialmente sobre o caráter consultivo (sem obrigar as instituições a reagirem ao resultado da votação) ou vinculante (cujo resultado deverá ser obrigatoriamente acatado por todas as autoridades).
O Artigo 40 da Constituição argentina estabelece a consulta popular como “instrumento ao qual os poderes Legislativo e Executivo podem recorrer em caso de projeto de lei”, e aceita tanto plebiscitos consultivos quanto vinculantes.
No caso de um plebiscito com resultados vinculantes, a própria convocação do plebiscito precisa ser previamente aprovada tanto na Câmara quanto no Senado.
O Artigo 40 também estabelece que, em um possível plebiscito vinculante, o projeto de lei referendado, caso seja aprovado pela maioria da população, terá sua promulgação realizada de forma automática, após a oficialização do resultado das urnas e o mesmo não poderá estar sujeito a qualquer tipo de veto, seja do Executivo, Legislativo ou Judiciário.
Já um plebiscito apenas de caráter consultivo pode ser convocado pelo presidente sem precisar da aprovação do Legislativo. Outra diferença nesse caso é que o voto não será obrigatório – em uma consulta vinculante, vale a regra de voto obrigatório, vigente também para as eleições para cargos públicos.
O Página/12 alerta, porém, que alguns constitucionalistas argentinos consideram que o a carta magna do país estabelece que alguns aspectos da administração não podem ser submetidos ao plebiscito. Como a Lei Ônibus possui mais de 300 medidas a serem implementadas, o governo teria que retirar algumas delas de uma possível consulta, deixando apenas as que podem ser referendadas.