Faltando pouco mais de um ano para os Jogos Olímpicos Paris-2024, que acontecerão entre 26 de julho e 11 de agosto na capital francesa, o trajeto que a tocha olímpica percorrerá até a cerimônia de abertura da competição ainda está sendo definido. Motivo de orgulho para algumas cidades que disputam a oportunidade de participar desse revezamento simbólico do esporte mundial, a passagem da tocha é desprezada por outras prefeituras que não concordam com os valores cobrados dos cofres públicos para sediar o evento.
Por enquanto, o que se sabe é que a tocha olímpica vai atravessar o Mar Mediterrâneo a bordo do célebre veleiro francês Belem, com chegada prevista ao porto de Marselha, no sul do país, em maio de 2024, antes de percorrer a França durante três meses. Ela atravessará 54 departamentos e cinco territórios ultramarinos, num trajeto de 12 mil quilômetros.
Porém, ainda que o percurso da tocha seja um momento muito esperado das festividades, várias regiões já renunciaram a acolher o revezamento. Ele não passará, por exemplo, pela Creuse, no centro da França, e nem pela Haute-Vienne, no sudoeste. O motivo? Os altos custos de organização, estimados entre € 150.000 e €180.000, o equivalente a uma soma entre R$ 790 mil e quase R$ 1 milhão.
Jean-Claude Leblois, presidente do conselho departamental de Haute-Vienne está desapontado. “É uma decepção. Porque quiseram fazer disso um produto de venda, um negócio. Eu não aceitei esse valor a ser pago: €180.000 (o equivalente a R$ 949.000) para uma passagem de 25 quilômetros, num dia em que você não tem controle de nada”, critica. “Para mim, os Jogos Olímpicos têm outros valores e eu gostaria muito que a tocha olímpica passasse por toda a França gratuitamente”, completa.
O valor foi definido pelo comitê organizador dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Paris-2024 e será o mesmo para todas as regiões que queiram participar. Essa contribuição paga uma parte das despesas da organização do revezamento da tocha olímpica, desde segurança, logística e as atrações planejadas como animação.
Patrick Clastres, historiador do esporte e professor da Universidade de Lausanne, na Suíça, diz estar surpreso com essa contribuição financeira. “Eu fiquei surpreso. É uma maneira de fazer os departamentos contribuírem, além do Estado, para garantir o equilíbrio financeiro dos Jogos Olímpicos, sabendo que os parceiros do COI vão ter lucro pela venda de publicidade, sem pagamento de impostos”, observa o pesquisador. “Estamos numa lógica que tem sido comum nos Jogos Olímpicos, em que os lucros são privatizados e os custos são pagos pelo dinheiro público. Nós poderíamos ter imaginado um evento quase gratuito, mas não é o caso”, lamenta.
“É pouco perto do que se pode ganhar”
Algumas regiões, no entanto, fazem questão de entrar na festa. É o caso de La Charente, também no sudoeste, que aumentou o seu orçamento dedicado ao esporte pelos próximos dois anos para financiar a passagem da tocha olímpica. Célia Hélion, vice-presidente do departamento responsável pela juventude e esporte, justifica esta decisão com a calculadora na mão. “Nós fizemos alguns cálculos para saber o que isso representaria para cada habitante. E estimamos 50 centavos (de euro) por pessoa. Isso é bem pouco perto do que poderemos ganhar”, calcula. “A passagem da tocha olímpica cria laços para termos uma política esportiva coerente no nosso território”, estima.
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Jogos Olímpicos Paris-2024 acontecerão entre 26 de julho e 11 de agosto na capital francesa
Montpellier, no sudeste da França, também quer garantir a passagem da tocha por seu território. A cidade localizada a 10 quilômetros da costa do Mar Mediterrâneo resolveu se unir a duas prefeituras do departamento vizinho, Sète e Millau, para financiar o projeto.
O prefeito de Montpellier, Michaël Delafosse, está entusiasmado. “A chama olímpica sobre o viaduto de Millau é uma imagem que vai dar a volta ao mundo. Uma visibilidade excepcional. Eu não quero ficar de fora dos Jogos Olímpicos”, afirma. “É claro que é um pequeno investimento extra, mas não é todos os anos que a gente recebe os Jogos Olímpicos. A chama precisa desfilar, para que as crianças a vejam, os esportistas a carreguem num percurso que ainda está sendo definido, mas que nos permitirá viver um momento inesquecível”, conclui.
Outras polêmicas
Esta não é a única polêmica que tem causado preocupação aos organizadores dos Jogos Olímpicos Paris-2024. Recentemente, o presidente do comitê organizador, Tony Estanguet, “lamentou” que o evento esteja sendo “usado” para dar visibilidade a “outras demandas”. Em 6 de junho, durante um dia de mobilização contra a reforma da Previdência, um grupo de manifestantes invadiu a sede do comitê, em Saint-Denis, região metropolitana de Paris.
Até mesmo a seleção dos 45.000 voluntários necessários para receber o público, os atletas e a mídia causou polêmica. Os organizadores dos Jogos foram criticados por “contratar mão de obra sem salários”. Controvérsias à parte, candidatos do mundo inteiro tentam participar da seleção e 300.000 pessoas se inscreveram para se tornar voluntárias das Olimpíadas de 2024.
Houve críticas, ainda, sobre a exploração de trabalhadores estrangeiros ilegais na França nas obras de preparação dos Jogos. Em situação precária, esses operários acabam aceitando condições inferiores às dos colegas legalizados, como acesso a menos direitos e regras de trabalho menos seguras.
Paris também foi criticada por apresentar lacunas de acessibilidade aos deficientes no transporte público.
Nem os mascotes de Paris-2024 foram poupados das críticas. Eles representam o barrete frígio, ou barrete da liberdade, uma espécie de chapéu, utilizado por militantes na época da Revolução Francesa de 1789. Porém, acabaram provocando risadas de muitos internautas que os compararam a dois clitóris gigantes.
Independentemente de tudo isso, a tocha olímpica vai chegar à capital, após deixar a Grécia e ser carregada por 11.000 pessoas ao logo de todo o trajeto. Ela vai terminar a sua jornada em Paris, no rio Sena, local previsto para a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, em 26 de julho do ano que vem.
O local onde ficará instalada a pira olímpica em Paris, contudo, ainda é uma incógnita.