O premiê interino da Espanha, Pedro Sánchez, fracassou nesta terça-feira (23/07) na primeira votação de investidura ao não obter a maioria absoluta que requeria para sair do Congresso como presidente de Governo com plenas funções. A candidatura do socialista conseguiu 124 votos a favor, 170 contrários e 52 abstenções.
A coalizão Unidos Podemos se absteve como um “gesto a mais para seguir facilitando as negociações” de governo. Se ela continuar emperrada, Sánchez enfrentaria a segunda investidura fracassada de sua carreira política, como ele próprio reconheceu em seu último discurso. “É certo que corro o risco de ser o candidato à presidência que sofre duas investiduras fracassadas. Sempre encontro o mesmo obstáculo”, disse, em referência à negativa de Pablo Iglesias, líder do Podemos, de formar governo com o PSOE em 2016.
Mas, desta vez, o Unidas Podemos optou por ser abster. Esta decisão foi tomada durante o dia, já que a porta-voz, Irene Monteiro, que votou remotamente antes das 9h da manhã por estar grávida, votou ‘não’ à investidura de Sánchez. Esta era a posição do grupo após o tenso enfrentamento entre Sánchez e Iglesias no debate iniciado nesta segunda (22/07), no qual se lançaram reprimendas mútuas apesar de os dois estarem em plenas negociações para formar um governo de coalizão. Fontes do Unidas Podemos afirmam que a abstenção é um “gesto” para além das “contínuas concessões” que realizaram e que manterão “até o último momento” para fechar o pacto.
A distância entre o PSOE e o Unidas Podemos, neste momento, é total, em que pese a margem de 48 horas para que possam chegar a um acordo. Até agora, Sánchez só conseguiu o apoio do único deputado do Partido Regionalista da Cantábria, além dos 123 socialistas no Parlamento.
Críticas de aliados potenciais
Todos os potenciais aliados de Sánchez para levar adiante sua investidura nesta quinta-feira – em uma votação que necessita de maioria simples, ou seja, mais “sim” do que “não” – o repreenderam por não ter negociado o suficiente e estipularam o prazo para fazê-lo nas próximas horas. Ao longo do discurso, Sánchez garantiu que quer governar com o Unidos Podemos: “temos que fazer um governo possível, falar de conteúdos e de programa. Os ministros que se sentarem nesta bancada não serão do PSOE nem do Unidos Podemos, serão ministros do Governo da Espanha”.
O primeiro a intervir foi o porta-voz do ERC (Esquerda Republicana da Catalunha), Gabriel Rufián, que considerou que Sánchez foi “um irresponsável e um imprudente” em suas intervenções desta segunda-feira. “Ou o senhor é um irresponsável ou quer eleições, e eu não sei o que é pior”, alfinetou. “Senhor Sánchez, não sei. Primeira notícia: não tem maioria absoluta, não ganhou no dia 28 de abril por maioria absoluta. O que o senhor quer pedindo a abstenção do Cs [Ciudadanos] e PP [Partido Popular] aos senhores Casado e Rivera?”.
O porta-voz republicano pediu ao premiê que negocie com Unidos Podemos e repreendeu o fato de estarem “jogando poker com a ilusão de centenas de milhares de pessoas”. “O pato”, disse ao premiê interino, quem pagará será “a esquerda” nas novas eleições. Ainda que tenha afirmado que não pode contar com a abstenção da ERC na próxima quinta-feira – de fato, nesta terça, os republicanos votaram contra – Rufián deixou claro que, de sua parte, não haverá bloqueio. Nesta terça-feira, a ERC e o JxCat (Juntos por Catalunha) votaram na mesma direção, ainda que a porta-voz da coalizão pós-convergente, Laura Borràs, tenha deixado claro que irá rechaçar Sánchez pois tem “155 razões”. “Quer governar, mas não quer escutar”, afirmou.
O PNV (Partido Nacionalista Basco) também se absteve e criticou Sánchez por ter pouca vontade de chegar a um entendimento: “Terá que oferecer algo de sua parte para que se vote sim”. “As oportunidades são como as manhãs. Se espera demais, as perde”, avisou o porta-voz, Aitor Esteban. Sobre as negociações até agora frustradas, o porta-voz nacionalista basco lembrou o premiê que para chegar a um “acordo é preciso ceder”, em referência à busca por um acordo com o Unidos Podemos, ainda que também tenha mandado um recado para Iglesias: “A cobiça rasga o saco”.
Congresso da Espanha
Sánchez perdeu primeira votação de investidura no cargo
Os quatro deputados do partido independentista basco Euskal Herria Bildu também se abstiveram, de acordo com o porta-voz, Mertxe Aizpurua, para evitar qualquer possibilidade de um Executivo de “três partes da direita reacionária”. O socialista também levou uma bronca de uma deputada abertzale (independentista basca de esquerda), que afirmou que possui “razões de sobra” para “desconfiar” dele por sua incapacidade de chegar a um acordo com o grupo de Iglesias.
O deputado do partido Compromís Joan Baldovi, com quem o PSOE negocia fundamentalmente medidas para a Comunidade Valenciana em troca de apoio à investidura de Sánchez, também recriminou a “caótica forma de negociar” do premiê. Baldoví se absteve. “Tome cuidado com os idos de novembro”, disse em referência a uma possível repetição eleitoral, “porque sua vitória pode ser mínima, mas pode ser o túmulo de um governo progressista, pode ser seu túmulo”. “Nossa mão segue aberta, balançando. Queremos que o senhor seja premiê, mas ouça, negocie”, concluiu.
A Coalizão Canaria, que sempre disse que rechaçaria a investidura se tivesse o apoio do Unidos Poemos, também criticou Sánchez que se submeteu à confiança do Parlamento como o “rei nu”, sem somar praticamente nenhum voto favorável. “Sobe [na tribuna] para dizer que está surpreso por não haver um novo governo porque é responsabilidade de todos os deputados, mas não, é sua e das negociações que não conseguiu fazer porque o que se está observando é que não conseguiu chegar a um acordo com nada nem ninguém”, disse Ana Oramas, que também advertiu Iglesias de que nada pode quebrar “um vaso chinês”.
No turno de réplicas ao Grupo Misto, Sánchez reiterou que teve vontade de chegar a um entendimento com Iglesias, ao mesmo tempo em que aproveitou para criticar o parlamentar. “tenho minha maneira de negociar. Se um não quer chegar a um acordo não vem aqui dizer as coisas que quer ou o que pediu e muito menos dizer que as coisas oferecidas são decorativas”, disse em referência ao discurso de Iglesias, a quem não quis responder nesta segunda-feira ao renunciar o último turno do debate.
Sánchez: ‘Eu mudei alguma coisa’
“Eu mudei alguma coisam, tentei chegar a um acordo”, se defendeu Sánchez. “O mais importante é o conteúdo, são as políticas sociais e estas deveriam ser o começo”, disse Sánchez que criticou Iglesias e disse que ele “quer entrar no governo para se não menos do que o vigilante” do PSOE.
Depois do pronunciamento de Sánchez, a porta-voz socialista, Adriana Lastra, tentou baixar o tom: “Unidos Podemos tem sido nosso parceiro e segue sendo. A esquerda sabe, pode e deve se entender”, disse a número dois do PSOE, que garantiu haver muito “ruído” na comunicação. Lastra deixou claro suas “firme vontade” de chegar a um entendimento que se baseie no “reconhecimento da dignidade do adversário” e “ceda” por ambas as partes.
Com esses detalhes, o relógio das 48 horas para que aconteça a votação definitiva começa a andar e, com ele, a contagem regressiva para que o PSOE e o Unidos Podemos chegam a um entendimento que parece complicado pela troca de críticas e pelo calor das discussões. Contudo, ambas as partes garantem ter vontade de levar as negociações adiante.