Quarta-feira, 26 de março de 2025
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Nurit Peled-Elhanan, professora de literatura comparada na Universidade Hebraica de Jerusalém, traz no peito uma dor aguda. Sua filha, de 13 anos, foi assassinada em um atentado terrorista, quando um homem-bomba explodiu, em 1997, na rua Ben Yehuda, perto do bairro cristão da Cidade Velha.

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Várias famílias israelenses já passaram por tragédias desse tipo, em tantos anos de conflito. O usual e compreensível é reagir com ódio contra os inimigos e apontar o dedo da culpa aos palestinos. As feridas de guerra, aliás, fazem parte da explicação para severas medidas de segurança, que progressivamente foram limitando a mobilidade e os direitos nos territórios ocupados.

Mikhail Frunze/Opera Mundi

Após a morte de sua filha, Nurit fundou uma instituição com parentes de vítimas de atos terroristas

Mas Nurit reagiu contra o senso comum. Seus discursos, escritos e entrevistas denunciam setores mais duros do sionismo por fomentar a raiva e o desespero que levaram à violência suicida de 1997. Ajudou a fundar a associação “Famílias em luto pela paz”, que reúne parentes de judeus e palestinos vitimados pelo terrorismo individual ou de Estado.

A pedagoga, no entanto, mexeu em um vespeiro quando divulgou, no ano passado, estudo no qual classificava os livros escolares utilizados em Israel como “racistas e antipalestinos”. Para Nurit, o povo árabe é sempre representado, nessas obras, como “Ali Baba em um camelo, terroristas de cara coberta, gente de cultura primitiva e perigosa”.

Seu ponto de vista foi fortemente criticado por outros especialistas. O Instituto para o Monitoramento da Tolerância Cultural e da Paz na Educação Escolar, por exemplo, alega que a pedagoga teria trabalhado sobre um número muito restrito de livros, deixando de lado aqueles que não comprovavam sua tese.

Mikhail Frunze/Opera Mundi

Crianças visitam cemitério em homenagem a soldados mortos

Mas Nurit não desiste de sua interpretação. “O sistema educacional e seus instrumentos didáticos estão organizados para um objetivo etnocêntrico”, afirma. “Apesar de decadente, a educação israelense é muito sofisticada. Até nas cadeias o ensino é surpreendente. Mas a lógica é forjar uma cultura racial contra árabes e palestinos.”

A análise que faz se baseia em textos e fotos. “Apenas a narrativa sionista é ensinada, para todos os israelenses”, registra. “Não há fotos de palestinos nestes livros, sua versão da história não é estudada, sua cultura não está retratada.”

As obras escolares, adquiridas pelo Ministério da Educação, são editadas por empresas privadas, segundo a pedagoga, e distribuídas para os dois sistemas de ensino, a rede judaica (formada por escolas estatais, estatais-religiosas e particulares) e as unidades árabes, que estão submetidas ao mesmo currículo. Apenas o idioma é trocado.

Nurit Peled-Elhanan critica setores mais radicais do sionismo por incentivarem raiva que gera violência na região

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Além da separação organizativa, também as verbas destinadas para as duas cadeias educacionais são diferentes. De acordo com o Comitê para o Acompanhamento da Educação Árabe, o gasto anual por estudante judeu está em 1,1 mil dólares, contra 192 dólares que custeiam o aluno palestino. A taxa de abandono escolar está em 6% entre os judeus, o dobro entre os árabes.

Relatório de 2001 da Human Rights Watch, organização não-governamental sediada em Nova Iorque, identificou que escolas árabes recebiam educação inferior às judaicas, com menos professores, construção inadequada, falta de bibliotecas e menor espaço recreativo. O próprio Ministério da Educação reconheceu o fosso e se decidiu pela adoção de políticas afirmativas, anunciando 25% do orçamento educacional, a partir de 2007, para o sistema árabe – acima dos 20% que essa parcela representa na população. Organizações humanitárias e pedagógicas, no entanto, afirmam que essa promessa não está sendo cumprida.

O governo divulgou, porém, alguns avanços que teriam sido conquistados, no setor árabe, durante a primeira década do século. Haveria 50% mais professores de informática, 171% de matemática, 25% de física, 44% de química e 81,7% de biologia. Mas as entidades continuam a registrar um déficit de 6,1 mil salas de aula e 4 mil professores para equiparar os dois sistemas.

Mas o problema não está circunscrito a verbas e logística. O Ministério da Educação difundiu, em abril de 2010, orientação curricular através da qual estabelecia que o foco nos valores judaicos e sionistas não poderia ser enturvado por abordagens multiculturais. Essa discussão de conteúdo é que desperta as principais críticas de Nurit Peled-Elhanan.

“As crianças judias, desde o jardim da infância, são traumatizadas pelo ensino do Holocausto”, declara. “Não é um estudo voltado para o resgate histórico, mas para utilizar imagens e fatos do genocídio sob o nazismo na fabricação do ódio e o preconceito contra os árabes. O objetivo estratégico de nosso sistema é educar bons soldados, ideologicamente prontos para a guerra de ocupação que Israel trava desde 1967.”

Mikhail Frunze/Opera Mundi

Nurit critica o objetivo etnocêntrico do sistema educacional de Israel

Filha de um general que foi do Estado-Maior israelense na Guerra dos Seis Dias, mas depois se converteu em militante pacifista, Nurit também considera autoritário e excludente a supervisão exercida pelo Ministério da Educação nas escolas. “Qualquer violação do currículo, qualquer tentativa de escapar da narrativa sionista, pode significar apreensão de material e pressão sobre os professores, especialmente os árabes”, destaca. “Os pedagogos judeus têm muito mais liberdade, mas os palestinos aprenderam a sobreviver através da auto-censura.”

Um caso particular é o de Jerusalém Oriental. Seus habitantes árabes não são considerados cidadãos israelenses, tornando o acesso ao ensino ainda mais complicado. Muitos, aliás, buscam o registro de nacionalidade para obter melhores serviços públicos. Depois de uma campanha aguerrida, os palestinos conquistaram o direito de usar seus próprios livros nessa área da cidade, mas não eliminaram a inspeção israelense. Diversos textos, segundo a pedagoga, aparecem com trechos riscados ou páginas em branco.

“A educação israelense é etnocida”, afirma Nurit. “Sua base é uma espécie de nacionalismo racista e colonial.”