Há quase dois meses, o acaso fez com que uma simples brincadeira entre um grupo de jovens culminasse na solução de um desaparecimento de mais de 36 anos, ocorrido durante a ditadura de Jorge Rafael Videla, na Argentina.
No último dia 11 de junho, crianças caçavam camundongos e cotias nas redondezas do aeroporto de San Fernando, na Grande Buenos Aires, quando se depararam com um imenso barril metálico e enferrujado. Curiosos, abriram-no e encontraram uma série de ossos humanos. A polícia foi chamada ao local para remover os restos mortais e acabou encontrando outros diversos tonéis, todos com o mesmo conteúdo.
Foi com a posterior análise de DNA pelo Departamento de Investigações Criminais e pela EAAF (Equipe Argentina de Antropologia Forense, na sigla em espanhol) que surgiu a grande surpresa. Em meio às várias ossadas estavam os restos mortais de Crescencio Nicomedes Galañena Hernández, diplomata cubano dado como desaparecido em 9 de agosto de 1976, pouco mais de cinco meses após o golpe militar que tiraria Isabel Perón do poder.
O jornal argentino Página 12 teve acesso a fontes judiciais que não apenas confirmaram os resultados da perícia como também alegaram que as chances de os ossos encontrados em San Fernando terem pertencido a Galañena Hernández eram de 99,99%. A Justiça Federal da Argentina ainda deve protocolar essa identificação. Caso isso ocorra, os novos dados se somarão aos autos do processo que já avalia os crimes de lesa-humanidade que ocorreram no Automotores Orletti, centro clandestino de tortura no qual o jovem diplomata de 26 anos foi visto pela última vez.
O caso
Galañena Hernández não foi o único funcionário da Embaixada de Cuba na Argentina a desaparecer naquele 9 de agosto. Jesús Cejas Arias, outro jovem diplomata, também se dirigia para casa naquele fim de expediente quando foi sequestrado e levado por oficiais militares para o Automotores Orletti.
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Quatro dias após o desaparecimento dos dois, o jornal La Opinión publicava que “a Embaixada Cubana na Argentina [estava] trabalhando de forma próxima ao governo argentino na busca dos membros representação”, à época ainda “supostamente sequestrados”. No dia 17 de agosto, a agência de notícias Associated Press recebeu em sua redação um envelope timbrado pelo governo de Videla. No interior estavam as credenciais dos dois funcionários e uma carta sem assinaturas, que dizia: “Nós (Jesús Cejas Arias e Crescencio Galañena), ambos cubanos, nos dirigimos a vocês para que por este meio comunicar que desertamos da embaixada para usufruir da liberdade do mundo ocidental”.
Presos no Automotores Orletti, local onde nasceu a Operação Condor, o maior plano de coerção social das ditaduras militares do cone sul nas décadas de 1960 e 1970, os dois funcionários teriam sido interrogados e torturados não apenas por autoridades argentinas, mas também por agentes dos Estados Unidos.
Anos do Condor
De acordo com o livro Os Anos Condor, do ex-correspondente do jornal The Wahington Post e da revista Time John Dinges, o então agente da CIA Michael Townley e o cubano naturalizado norte-americano Guillermo Novo Sampoll viajaram à Argentina especialmente para interrogar a Cejas Arias e Galañena Hernández.
Manuel Contreras Sepúlveda, ex-chefe da DINA, a polícia secreta do regime de Pinochet, confessou em 1999, diante da juíza argentina María Servini de Cubría, que agentes da CIA “cooperaram com a tortura e o assassinato dos dois diplomatas cubanos”. Townley também foi interrogado pela mesma magistrada à época, e confessou pela primeira vez que, além de torturar diversos opositores das ditaduras latino-americanas, também havia sido o autor do assassinato, em 1976, de Orlado Letelier, chanceler do governo de Salvador Allende.
Até o momento, já foram condenados pelos seqüestros de Galañena Hernández e Cejas Arias o general aposentado Rodolfo Cabanillas e os repressores Raúl Guglielminetti, Eduardo Alfredo Ruffo e Honorio Carlos Martínez Ruiz.