Uma em cada 12 pessoas na Alemanha tem uma visão de mundo de extrema direita, segundo um estudo da Universidade de Bielefeld encomendado pela Fundação Friedrich Ebert (FES), que é ligada ao Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD). Realizada a cada dois anos desde 2002, a atual pesquisa, que foi divulgada nesta quinta-feira (21/06), ouviu cerca de 2 mil pessoas com idades entre 18 e 90 anos entre janeiro e fevereiro.
Dos entrevistados, 8% têm uma clara orientação política de extrema direita. Em estudos anteriores, o percentual oscilava entre apenas 2% e 3%. No atual levantamento, 7% dos alemães entre 18 e 64 anos apoiam uma ditadura de partido único forte e com um líder para a Alemanha. Isso é o dobro do que se verificava alguns anos atrás. Entre os maiores de 65 anos, o percentual cai para 5%.
No prefácio do estudo, a pesquisadora Franziska Schröter, que lidera o projeto contra o extremismo de direita na Fundação Friedrich Ebert, credita a crescente simpatia a atitudes autoritárias às inúmeras crises recentes e atuais.
“As consequências da pandemia de covid-19 ainda não foram superadas, a crise climática está em pleno andamento e, depois de fevereiro de 2022, a invasão da Ucrânia pela Rússia trouxe mais incertezas e receios em relação à segurança energética ou aos aumentos de preços”, disse.
Declínio de confiança no Estado
O estudo intitulado O centro distanciado foi publicado por um trio de pesquisadores liderado pelo psicólogo social Andreas Zick. Ele salienta que, quanto menor o salário dos indivíduos, maior a difusão de posições de extrema direita.
“As crises são percebidas por cada vez mais pessoas como crises nacionais. E essas afetam mais duramente aqueles que têm menos dinheiro. Entre os consultados com rendimentos mais baixos, uma em cada duas pessoas (48%) vê-se pessoalmente afetada pelas crises; esse é o caso de 27,5% dos consultados com rendimentos médios e de apenas 14,5% daqueles com rendimentos mais elevados.”
Essa situação é acompanhada de um declínio na confiança nas instituições do Estado e no funcionamento da democracia, embora uma clara maioria apoie essa forma de governo. Mas pelo menos 38% assumem posições de teorias da conspiração, 33% adotam posições populistas e 29% têm atitudes etnonacionalistas-autoritárias-rebeldes.
Flickr/Márcio Cabral de Moura
Pesquisa ouviu cerca de 2 mil pessoas com idades entre 18 e 90 anos entre janeiro e fevereiro
Trata-se de um aumento médio de cerca de um terço em comparação com a pesquisa feita durante a pandemia, em 2020/21.
O ceticismo perante os meios de comunicação tradicionais, ou mesmo a rejeição deles, também aumentou: 32% acreditam num conluio da mídia com os políticos, em comparação com 24% há dois anos.
“Tempos de crise são momentos em que as pessoas se movem politicamente e se reposicionam. E esse posicionamento pode passar do centro para a direita”, afirma Zick. “Quando pessoas do centro, que nem mesmo se veem ou se organizam como extremistas de direita, adotam atitudes da extrema direita da sociedade, aí então a democracia está em perigo.”
Zick diz que esse é um fenômeno difícil de avaliar e menciona o estudo sobre autoritarismo da Universidade de Leipzig de 2022. Segundo ele, as atitudes de extrema direita diminuíram no segundo ano da pandemia, mas a insatisfação com a democracia ainda era elevada e muitos preconceitos misantropos eram amplamente difundidos.
“Sabe-se hoje que um grande número de extremistas de direita procurou a unidade organizacional com outros radicais de direita e outros grupos conspiratórios e antidemocráticos”, comenta Zick. Muitas pessoas se aproximaram dos chamados cidadãos do Reich e até formaram células terroristas.
Para ele, o atual estudo faz parte do que na Alemanha se chama de cultura da memória, nome dado a todas as ações e iniciativas que servem para relembrar os horrores da ditadura nazista e ao mesmo tempo servir de alerta para que eles não se repitam.
“O nazismo surgiu no centro da sociedade e foi apoiado por ele, ainda que a ideologia e a implementação da sociedade fascista, incluindo a propaganda, a agitação e o terrorismo de Estado, tenham sido desenvolvidas e aplicadas por uma organização nazista.”
O presente estudo também questiona como a sociedade deveria responder às muitas crises. O resultado: 53% são a favor de um regresso a valores nacionais. Eles defendem o isolamento do mundo externo e consideram os valores, virtudes e deveres supostamente alemães como essenciais para lidar com as crises.