Com 523 de governo, e após ter perdido sua base de apoio no Parlamento, o primeiro-ministro da Itália, Mario Draghi, renunciou ao cargo pela segunda vez em uma semana, mas agora de forma definitiva. No poder desde fevereiro de 2021, o economista de 74 anos se reuniu nesta quinta-feira (21/07) com o presidente Sergio Mattarella para comunicá-lo sobre sua decisão.
“O presidente da República recebeu nesta manhã o presidente do Conselho dos Ministros, professor Mario Draghi, o qual, após ter relatado sobre a votação de ontem no Senado, reiterou sua renúncia e a do governo por ele presidido”, disse o secretário-geral da Presidência da República, Ugo Zampetti.
Draghi ainda continuará no cargo até a nomeação de um sucessor, mas apenas para cuidar de assuntos correntes. Durante a tarde, Mattarella deve receber os presidentes da Câmara dos Deputados, Roberto Fico, e do Senado, Elisabetta Casellati, para informar seus próximos passos.
A expectativa dos partidos é de que o chefe de Estado dissolva o Parlamento e convoque eleições antecipadas ainda neste ano – o fim natural da atual legislatura seria em março de 2023.
Pouco antes de se reunir com Mattarella, Draghi ainda fez um breve discurso na Câmara dos Deputados e se mostrou emocionado, algo raro em seus 17 meses de governo.
“Às vezes, até os banqueiros centrais usam o coração. Obrigado por isso e por todo o trabalho feito nesse período”, brincou o premiê, também ex-presidente do Banco Central Europeu, ao fim de um longo aplauso por parte dos parlamentares.
Draghi já havia tentado renunciar na última quinta (14/07), após o partido antissistema Movimento 5 Estrelas (M5S) ter boicotado uma moção de confiança a um projeto do governo no Senado.
Naquela ocasião, no entanto, Mattarella rejeitou a renúncia e pediu que o premiê voltasse ao Parlamento para verificar se seria possível continuar governando.
Em discurso no Senado na última quarta-feira (20/07), o economista defendeu sua gestão, elencou prioridades para o futuro e pediu a reconstrução do “pacto de confiança” que possibilitara o nascimento de sua coalizão de união nacional, mas não foi suficiente.
O primeiro-ministro optou por submeter ao voto de confiança uma resolução do senador de centro Pier Ferdinando Casini, que dizia apenas que a Câmara Alta aprovava seu discurso, porém a maior parte da base governista decidiu não participar da sessão.
A ultranacionalista Liga, de Matteo Salvini, e o conservador Força Itália (FI), de Silvio Berlusconi, queriam um sinal claro de ruptura em relação ao M5S. Já o movimento de direita acusou Draghi de colocar-se abertamente contra o partido, restando apenas a centro-esquerda e pequenas legendas de centro ao lado do governo.
Primeiro-ministro Mario Draghi
Um Executivo que nasceu após a crise do segundo governo de Giuseppe Conte, do Movimento 5 Estrelas (M5S), que tinha como objetivo principal gerir as três emergências italianas: a sanitária, com a pandemia de covid-19, a econômica e a social.
Nasceu assim, como disse à época o presidente da Itália, Sergio Mattarella, “um governo de alto perfil” que não deveria “se identificar com nenhuma fórmula política”. Um governo que precisava “enfrentar com rapidez as graves emergências não adiáveis”.
Todos os principais partidos – com apenas a exceção da sigla de extrema-direita Irmãos da Itália (FdI) – decidiram rapidamente em responder positivamente àquele apelo. Em 13 de fevereiro do ano passado, apenas 10 dias após ter recebido a missão de formar o governo, e que aceitou com reservas, Draghi e seus ministros prestaram juramento no Palácio Quirinale.
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Em 17 de fevereiro, o governo obteve a confiança do Senado com 262 votos favoráveis, 40 contrários e duas abstenções, e no dia seguinte na Câmara dos Deputados, com 535 votos a favor, 56 contrários e cinco abstenções.
Números que representam até hoje uma das maiores bases políticas já registradas na história da República.
Visto como um candidato natural para a sucessão de Mattarella, que teria o mandato encerrado no início deste ano, Draghi precisou recorrer a todo o seu repertório para desmentir com cortesia, mas firmeza, as vozes que o queriam por sete anos na chefia do Estado.
Muito ativo na cena internacional, o premiê também precisou lidar com os efeitos de uma guerra na fronteira da Europa e ainda – não fosse um dos pontos de atrito com parte de sua maioria – reivindica como necessário o envio de armas para a Ucrânia.
Mas, Draghi, que não economizou críticas contra Vladimir Putin, também será lembrado pela dura tomada de posição contra o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, definido como um “ditador que nós temos a necessidade de lidar” ao criticar a falta de cortesia do turco com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, deixada sem cadeira em uma reunião oficial.
Porém, as batalhas mais duras, e que reapareceram durante todo o debate ocorrido nesta quarta-feira no Senado, foram com sua própria maioria. Sobretudo com o M5S, que desencadeou a crise, com confrontos sobre o envio de armas para a Ucrânia, o “superbônus” para famílias e empresas e a construção da usina de resíduos em Roma. E isso se mostrou uma fratura incurável para a base.
Próximos passos
A Constituição da Itália determina que as eleições legislativas devem ocorrer até 70 dias depois da dissolução do Parlamento, período que pode coincidir com o fim de setembro e o início de outubro, caso Mattarella encerre a legislatura ainda neste mês.
Neste caso, um novo governo tomaria posse, na melhor das hipóteses, entre o fim de outubro e o início de novembro, quando a Lei Orçamentária de 2023 já precisa estar protocolada no Parlamento. Desde que se tornou república, após a Segunda Guerra Mundial, a Itália nunca realizou eleições legislativas no segundo semestre.
Existe ainda a hipótese de nenhum campo político obter maioria clara, o que pode fazer as negociações se estenderem e deixar o país sem um governo com plenos poderes – em 2018, foram necessários três meses para empossar Giuseppe Conte como premiê.
Dessa forma, a Itália arriscaria iniciar o próximo ano sem um orçamento e ficaria enfraquecida no cenário internacional, hoje tomado pelos efeitos da invasão russa à Ucrânia, como a disparada dos preços dos combustíveis e da energia elétrica e a perspectiva de uma crise alimentar global.
Além disso, a crise política coloca em risco os repasses da UE para o PNRR, que prevê 222,1 bilhões de euros em investimentos até 2026 para impulsionar a economia, sendo 191,5 bilhões em fundos europeus.
O governo Draghi já cumpriu metas referentes a 45 iniciativas, etapa necessária para receber um repasse de 24 bilhões de euros da União Europeia. No entanto, o país terá de apresentar resultados em mais 55 projetos até o fim do ano para embolsar uma nova parcela.
(*) Com Ansa.