A militante chavista Maria Luisa Bernal se reuniu às duas horas da tarde do último sábado (09/02) na Assembleia de Moradores do conjunto habitacional Cidade Tiuna, na zona oeste de Caracas, capital da Venezuela, para planejar as próximas eleições do Conselho Comunal, órgão que terá o mandato de um ano para representar os habitantes e coordenar as atividades de auto-gestão do lugar.
Inaugurado em 2010, a Cidade Tiuna foi o primeiro urbanismo de moradias populares construído pelo projeto “Gran Missión Vivienda” (Grande Missão Habitação), criado no mesmo ano pelo ex-presidente Hugo Chávez. Hoje, nove anos depois, o projeto que é comando pelo Ministério de Habitação já construiu 2.551.000 apartamentos em todo o país, e o conjunto Cidade Tiuna segue sendo um marco do projeto de habitação dos governos chavistas com 5.700 apartamentos construídos e mais 1.300 em construção.
Os conselhos, assembleias e comitês são fundamentais para o bom funcionamento dos serviços e manutenção dos apartamentos, explica Bernal, que é uma das porta-vozes do seu prédio, a torre D-1. Pelo mecanismo chamado de Comitês Multifamiliares, os vizinhos se organizam voluntariamente para escolher três representantes por torre, que se encarregam de registrar queixas, coletar dinheiro para melhorias técnicas e levar as propostas e ideias dos moradores que os elegeram para o Conselho Comunal, que reúne todos os porta-vozes.
“Temos que gerar um sentimento de pertencimento, de participação direta, porque aqui não construímos apenas casas, construímos comunidades”, afirma Bernal, que vive em Cidade Tiuna há cinco anos com as três filhas. Militante chavista, ela mostra com orgulho todos os serviços que funcionam dentro do conjunto habitacional, como os diversos tipos de comércio localizados no piso térreo dos edifícios, chamados de espaços socioprodutivos, que são comandados por moradores e parte dos lucros são destinados a cada torre para melhorias.
No local também funcionam creches e escolas infantis chamadas “Simonsitos”, em referência ao libertador Simón Bolívar, centros de amamentação, conscientização e saúde da mulher, ônibus que partem em intervalos de 20 minutos e levam os moradores até o centro da cidade, espaços de leitura que promovem debates de conscientização política entre os jovens, e lojas do Comitê Local de Abastecimento e Produção (CLAP), mercados criados pelo presidente Nicolás Maduro onde os produtos são subsidiados pelo governo e são, em média, 40% mais baratos que em supermercados privados
Lucas Estanislau | Opera Mundi
Cidade Tiuna já conta com 5.700 apartamentos
Pagando pelo apartamento
A criação e expansão da Missão Habitação só foram possíveis pelos convênios internacionais com construtoras da Rússia, Bielorússia e China, que enviaram à Venezuela os materiais, parte da mão de obra e tecnologias, em troca de barris de petróleo, produto abundante no país latino-americano. No caso da Cidade Tiuna, a empresa responsável pela construção dos prédios foi a chinesa CITIC Construction que, além de trabalhar nesse projeto, já participou da criação de mais de 13 mil apartamentos em toso o país.
Segundo o diretor geral dos Convênios Internacionais do Ministério de Habitação, Cesar Ramirez, as construções são planejadas e executadas obedecendo três métodos de investimento: o nacional, custeado somente pelo Estado, o internacional, que conta com parcerias estrangeiras, e o de participação popular, onde o governo banca os materiais, o terreno e os técnicos e a própria população trabalha na obra.
“Sem dúvida a Missão Habitação é um dos maiores projetos da história desse país, pois já conseguimos construir mais de 2 milhões de lares e, até o final de 2019, alcançaremos a meta proposta pelo comandante Hugo Chávez e completaremos 3 milhões de apartamentos”, afirma Ramirez. O conjunto de moradias populares de Cidade Tiuna foi construído em uma área inutilizada de um forte militar, o Forte Tiuna. Hoje, o espaço de 146 hectares abriga o complexo habitacional, o forte militar, a Escola Militar de Cadetes e o Ministério da Defesa.
Como morar em um apartamento da Missão Habitação?
De acordo com Ramirez, a Missão Habitação nasceu da urgência de atender venezuelanos de baixa renda, que haviam perdido suas casa em desastres naturais ou por questões financeiras. “Após a grande enchente no estado de Vargas, que deixou mais de 100 mil pessoas desabrigadas, o governo abriu planos de emergência paliativos à época, e houve até cidadãos que dormiram no Miraflores [Palácio do governo]. Chávez teve que fazer algo, uma política prática que desse fácil acesso a uma moradia digna”, afirma o funcionário do governo.
Para um cidadão receber as chaves de um apartamento da Missão Habitação, é necessário um cadastro, que pode ser feito online, ou ser registrado pelo censo governamental. “As prioridades são pessoas afetadas por desastres naturais, mães solteiras desempregadas e famílias grandes que não possuem um provedor”, explica Ramirez.
A partir dessa seleção feita pelo Ministério da Habitação, o projeto é acompanhado pelos futuros moradores desde o início, em um método que o governo chama de cinco vértices: assembleias para se discutir a escolha do terreno e as construções, mobilização para preservar aquele espaço, análise de possível participação popular na construção dos edifícios, e o trâmite financeiro e de titularidade, onde se define o financiamento e se transfere o imóvel para o nome da mulher, considerada pelo Estado como “chefe da família”.
“Os preços dos imóveis podem variar dependendo do tipo de construção, quais parcerias foram feitas etc. Porém, uma prestação de um apartamento da Missão não passa de 4 mil Bolívares Soberanos [aproximadamente R$6,00]”, afirma Ramirez. Além disso, o diretor dos convênios internacionais explica que o imóvel pode ser financiado em 20 anos pelos bancos estatais, como o Banco do Estado e o Banco da Venezuela, com uma taxa de juros máxima de 2,6%.
As regras de convivência não diferem muito de qualquer outro condomínio, entretanto os conjuntos habitacionais do governo venezuelano fornecem credenciais para cada morador, uma espécie de “carteirinha”, cujo objetivo é evitar fraudes, vendas ou aluguéis irregulares. Ramirez explica que não é permitido alugar o apartamento recebido, e a venda só fica permitida após 30 anos da entrega do imóvel. Mas o funcionário chavista afirma que esses problemas não acontecem muito, porque “quem vem morar aqui, na maioria das vezes, não tinha uma casa, não tinha um parente para ajudar. Quem vende uma casa para voltar a morar na rua?”.
Sanções e futuro
Maria Luisa Bernal se orgulha da magnitude do projeto criado pelo “eterno herói comandante Chávez”, que hoje está presente em quase todos os Estados do país. Entretanto, lamenta o bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos contra a Venezuela, dizendo que “se liberassem todo o dinheiro apreendido pelas sanções, poderíamos construir o dobro de lares”.
Segundo dados do governo, durante o ano de 2018 foram bloqueados 28 bilhões de dólares em créditos financeiros e pagamentos à Venezuela por conta das sanções norte-americanas. Fazendo as contas de cabeça, Ramirez arrisca que poderiam ser construídos mais de 100 mil novos apartamentos com esse dinheiro.
Reeleito em maio de 2018, Nicolás Maduro assumiu em janeiro seu novo mandato que irá até 2025. Uma das propostas de seu plano de governo é chegar a 5 milhões de apartamentos construídos até o final desse mandato. Maria Luisa, Ramirez e outros moradores da Cidade Tiuna estão confiantes na proposta do presidente e se mostram prontos a trabalhar por ela.
“Em nenhum país do mundo se ergueram tantas casas desta forma. Aqui há um povo formado e orgulhoso do que construiu com a ajuda do Comandante Chávez”, diz a porta-voz da torre D-1.