Os dois dias de audiência sobre a maior ação ambiental coletiva do mundo movida contra as mineradoras Vale e BHP na corte de Londres pelo rompimento da barragem de Fundão em Mariana (MG) em 2015 foram marcados pelo protesto de mais de 50 vítimas, nesta quarta (31/01) e quinta-feira (01/02), no Reino Unido.
Entoando cantos tradicionais, em homenagem ao rio Doce destruído pela mineração, lideranças do povo Krenak, representantes quilombolas, famílias de vítimas, prefeitos e procuradores de 15 cidades de Minas Gerais ocuparam a porta da corte de justiça de Londres.
Eles levaram faixas com uma montagem do rio Tâmisa – de 346 km de extensão desde o sul da Inglaterra, que passa por Oxford e Londres, e desagua no mar do Norte – inundado de lama e a provocação: “Imagine se tivesse acontecido aqui.”
Há oito anos, os rejeitos tóxicos da barragem do Fundão chegaram até o Espirito Santo e contaminaram o rio Doce, ou Watu na língua indígena, que abastece 230 municípios brasileiros, e é considerado sagrado pelo povo Krenak. Cerca de 600 deles ainda resistem às margens do rio, como conta à RFI Marcelo Krenak, uma das lideranças indígenas que lembra com pesar de 5 de novembro de 2015, data em que a barragem desabou.
“Desde aquele dia onde assassinaram o nosso rio, o nosso povo sofre todos os dias o mesmo crime. Porque o nosso rio está ali, mas não podemos fazer contato. O rio é vida para o provo Krenak. Hoje, estar aqui é buscar justiça. Dizer que eles foram lá e tiraram o que de melhor tínhamos e estamos buscando que devolvam uma parte para nós”, diz o líder indígena.
Luta por justiça
Os Krenak viajaram a Londres com mais de 50 vítimas de um dos maiores crimes socio-ambientais do Brasil para acompanhar os dois dias de audiência do caso do rompimento da barragem de Mariana. As sessões na corte inglesa definem o cronograma do julgamento marcado para outubro, que em caso de condenação podem custar às mineradoras BHP e Vale – controladoras da Samarco que operava a barragem – indenizações de até R$ 230 bilhões em danos reparatórios.
Felipe Hotta, advogado e sócio da Pogust Goodhead, escritório de advocacia que move a ação nos tribunais ingleses, aponta que é impossível colocar um valor nas 20 vidas perdidas. “O que fazemos é tentar trazer um pouco de conforto às pessoas que sofreram essa perda”, diz.
Geovana Aparecida Rodrigues da Silva, mãe de Tiago, menino morto aos sete anos no desabamento da barragem, desabafa à RFI sobre sua luta diária por justiça, embora saiba que não há indenização que compense sua dor.
“Você sofre todos os dias e se pergunta – 'ô Deus, por que tem que ser assim?' A resposta está na nossa frente: a ganância (das mineradoras), o dinheiro fala mais alto em tudo. Mas não assassinem desse jeito porque dói demais”, clama emocionada.
Wikicommons
Desastre com barragem em Mariana ocorreu há oito anos
A Pogust Goodhead, organização que representa 700 mil atingidos, contratou como consultor de direito administrativo, o ex-ministro da Justiça do governo de Dilma Rousseff, José Eduardo Cardozo. Ele acredita que após oito anos de “embromação das mineradoras em se chegar a um acordo”, as vítimas podem finalmente ser compensadas.
“Nós temos aqui na ação na Inglaterra a alternativa mais rápida e justa para se resolver um problema que se arrasta há anos por conta da inércia das mineradoras”, aposta.
Segundo o advogado, uma eventual condenação da Vale e BHP na Inglaterra passa um forte recado à indústria mineradora e cumpre três objetivos importantes – de se reparar às vítimas, prevenir novos crimes e educar. “Se a impunidade prevalece, o interesse pelo lucro também prevalece a despeito da prevenção”, conclui Cardozo.
Legado de um crime
O prefeito de Mariana, Celso Cota, revela que está investindo no fortalecimento da Secretaria de Meio Ambiente e na fiscalização das minas que continuam ativas na cidade. Segundo ele, este foi o legado que o crime, ainda sem fechamento, deixou.
“No Brasil temos a máxima de que a justiça é tardia, mas chega. Porém, muitas vezes ela é ineficaz, porque ela tem que vir a tempo de curar as feridas e, em Mariana, a ferida está só se abrindo”, enfatiza Cota.
Desde 2018, a anglo-australiana BHP enfrenta nos tribunais de Londres essa que é a maior ação ambiental coletiva do mundo. Em 2022, quando a corte inglesa confirmou a jurisdição do caso, a empresa entrou com pedido para que a Vale também respondesse pelo pagamento de eventual indenização. Após recorrer e perder todos os recursos apresentados, a Vale foi finalmente incluída no processo.
O julgamento, marcado para outubro em Londres, traz esperanças para a coordenadora geral do caso, a advogada Cintia Ribeiro de Freitas.
“O que a gente espera do julgamento da corte inglesa é que haja efetividade nas questões judiciais porque o cumprimento de sentença de qualquer decisão judicial é extremamente penoso no Brasil, se não houver boa vontade da outra parte não existe efetividade no cumprimento de uma reparação integral”, detalha Cintia.
Na porta dos tribunais em Londres, Thatiele Monic Estevão, representante de quatro comunidades quilombolas de Minas Gerais, tratou da palavra justiça com reserva. Uma vitória parcial é que falar e ser ouvida.
“É extremamente gratificante estar aqui inserido dentro do processo, porque aqui a gente não fala apenas de um processo de reparação, mas a gente fala da história do povo quilombola. E a gente traz ao mundo quem somos nós e porque é que lutamos para sermos ouvidos”, explica Thatiele.