É como se os alunos de uma escola tivessem passado por duas semanas de provas intensas e saíssem de férias sem saber se foram ou não aprovados. O parlamento britânico entra em recesso nesta quinta-feira (21/07), com dúvidas pendentes sobre o futuro político dos principais membros da casa.
A folga começou com um dia de atraso para que o primeiro-ministro, David Cameron, tivesse tempo de discursar sobre os recentes acontecimentos no caso das escutas telefônicas ilegais do extinto tabloide News of the World.
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Nos últimos dias houve muita especulação no Reino Unido sobre uma possível renúncia de Cameron, devido ao suposto envolvimento indireto dele no escândalo. O primeiro-ministro é criticado por ter contratado como Chefe de Comunicação do governo o ex-editor do News of the World, Andy Coulson, mesmo sabendo que o jornalista era suspeito de participar dos grampos telefônicos. Coulson renunciou ao cargo no início do ano, mas a oposição cobra do premiê um pedido de desculpas pelo erro de julgamento na contratação.
Queda improvável
“Apesar das especulações, é altamente improvável que o primeiro-ministro deixe o cargo”, disse Tim Bale, professor de Política da Universidade de Sussex, na Inglaterra. Autor do livro “Partido Conservador: de Thatcher a Cameron”, Bale explicou que “não há acusação forte suficiente para derrubar o chefe do governo. Não existe sequer prova de que Andy Coulson seja culpado de algum ato ilícito. E caso isso seja provado no futuro, Cameron só terá cometido o deslize de confiar na pessoa errada”.
Para Wyn Grant, cientista político da Universidade de Warwick, a posição do premiê não corre perigo no momento, “mas a possibilidade (de renúncia) não pode ser descartada, pois as investigações ainda estão em andamento e sempre existe a chance de surgirem novas revelações devastadoras”.
Segundo o especialista, “o desafio dos conservadores em lidar com o caso dos grampos é grande, mas a economia nacional é uma questão muito maior e mais urgente”. Tim Bale concorda: “Até as eleições gerais de 2015, o partido terá muito tempo para arrumar a casa. Se cuidar bem da economia e reduzir o déficit dos cofres públicos, Cameron pode minimizar o impacto político do escândalo das escutas telefônicas”.
The real problem
As finanças do Reino Unido vivem dias difíceis, seguindo uma tendência na União Europeia. Enquanto sobem as taxas de desemprego e cai a previsão de crescimento econômico, os banqueiros e agentes financeiros – considerados os maiores responsáveis por derrubar a economia – viraram alvo de críticas essa semana quando foi divulgada a notícia de que eles receberam 14 bilhões de libras (35 bilhões de reais) em bônus executivos entre 2010 e 2011.
“É preciso lidar com esse tipo de problema como prioridade”, explica Andrew Hawkins, presidente da empresa de pesquisa de opinião ComRes. “A principal preocupação dos eleitores é a economia e continuará sendo assim mesmo depois que todo esse escândalo dos grampos for esquecido”, pondera. “Por outro lado, se a situação financeira continuar desse jeito ou piorar, aí sim: Cameron enfrentará muita pressão”.
Oportunismo
Quem contribuiu para tornar o escândalo dos grampos uma questão política foi o líder da oposição no parlamento, o trabalhista Ed Miliband. Desde as primeiras publicações das recentes denúncias que levaram ao fechamento do News of the World, Miliband usou o tema como arma para desafiar a autoridade de Cameron no comando do governo. “Miliband ganhou o máximo que pode até agora em termos de território político. Talvez ainda ganhe um pouco mais, mas não o suficiente para se destacar e ameaçar a posição de Cameron”, afirma Bale.
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“A principal conquista de Miliband, no entanto, foi mudar em duas semanas a opinião geral do público sobre si mesmo. Ele não era visto por quase ninguém como uma pessoa de expressão suficiente para chegar a ser primeiro-ministro. Entretanto, os últimos 15 dias foram suficientes para que o público passasse a enxergá-lo com mais seriedade”, diz.
Para Wyn Grant, Miliband pode ter conseguido parecer um político com mais autoridade. “Mas é preciso lembrar que as escutas telefônicas aconteceram durante a administração do Partido Trabalhista, que também tinha uma relação muito próxima com a News International (empresa a qual pertencia o News of the World). Isso deixa tanto o líder do governo quanto o da oposição em situações desconfortáveis em relação ao escândalo”.
Futuro
“É claro que ocorreram eventos chocantes, mas agora a tempestade parece que vai acalmar e o tempo brando deixa a dúvida se o cidadão fora da classe política está realmente interessado nesse assunto”, diz Grant sobre os grampos.
Já Bale vê um benefício no episódio para os políticos: “Existem atualmente laços muito estreitos entre política e imprensa no Reino Unido. Os políticos temem grandes empresários da mídia, como Rupert Murdoch. Talvez esses acontecimentos possam levar a uma relação menos dependente e mais saudável entre os poderosos dos dois lados”.
A confirmação ou não dessas previsões deve demorar. Por enquanto, os parlamentares vão aproveitar as férias de verão para descansar ou – em alguns casos – para trabalhar em suas zonas eleitorais. Só quando voltarem ao parlamento, no começo de setembro, os políticos vão saber se as polêmicas das escutas telefônicas afetaram o pensamento dos eleitores.
Andrew Hawkins afirma que “há um contraste entre popularidade e autoridade. Não acho que esses eventos tenham um impacto duradouro na popularidade de David Cameron, mas acredito que haverá dúvidas sobre o julgamento político dele e, consequentemente, sua autoridade. Em termos gerenciais, o primeiro-ministro é visto como competente, mas os eleitores realmente se preocupam com as escolhas pessoais do líder e querem saber até que ponto o premiê entende os anseios do cidadão comum”.
Bale foi mais simples e direto: “É geralmente nas férias que a imagem dos políticos se recupera por aqui. Quando estão fora de cena, eles ganham mais simpatia do povo. Então provavelmente os parlamentares vão voltar descansados e seguros”, brincou o professor.
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