O Brasil deverá capacitar técnicos e transferir tecnologia de cadastramento e georreferenciamento para a Bolívia, no âmbito de um projeto de cooperação bilateral em reforma agrária. Além disso, especialistas bolivianos devem voltar ao Brasil em 2010 para visitar e estudar mais a fundo alguns assentamentos de produtores rurais no Brasil. Esses foram os principais resultados das duas semanas de visitas da equipe do INRA (Instituto Nacional de Reforma Agrária) boliviano ao país, encerrada nessa sexta-feira (18).
A visita teve início na semana passada, quando os bolivianos conheceram projetos de assentamento no interior do Paraná e de Santa Catarina. Durante toda a semana, os executivos e técnicos do INRA tiveram reuniões em Brasília com técnicos do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), do Ministério do Desenvolvimento Agrário e com representantes de movimentos sociais, como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra).
Para o diretor geral de Distribuição de Terras do Ministério de Desenvolvimento Rural e Terras da Bolívia, Clíver Rocha Rojo, a troca de experiências é importante para que os dois países possam avançar de maneira conjunta na questão da reforma agrária. Ele destacou que há várias experiências brasileiras que os técnicos bolivianos conheceram e poderão utilizar ou adaptar no país andino.
O diretor de Gestão Estratégica do Incra, Roberto Kiel, afirmou que as tecnologias brasileiras de cadastramento e georreferenciamento foram o que mais interessou aos bolivianos. Ele afirmou que a ABC (Agência Brasileira de Cooperação), que coordena um programa mais amplo de cooperação do governo brasileiro com a Bolívia, deverá cuidar da transferência de parte da tecnologia e possivelmente também de equipamentos dessa área. “O desenvolvimento dessa tecnologia é que é muito cara, mas para expandi-la os custos são baixos, vamos trabalhar para ajudar a Bolívia com o que já temos”, disse Kiel.
Diferenças
Rocha Rojo afirmou, no entanto, que a visita ao Brasil não teve como objetivo copiar o modelo brasileiro. “Temos sim algumas semelhanças nesse processo, mas há também muitas diferenças. Não podemos e não queremos importar soluções prontas do Brasil”, disse.
Entre essas divergências, o boliviano destacou que, enquanto no Brasil as terras para reforma agrária são, em geral, desapropriadas pelo governo mediante indenização ou compra, na Bolívia, o governo toma os latifúndios improdutivos sem pagar nada aos proprietários.
Ele disse que, em três anos e meio de mandato, o presidente Evo Morales já distribuiu quase 16 milhões de hectares de terras aos povos indígenas e a comunidades de agricultores dentro do processo de reforma agrária. A área é semelhante ao total de terras destinadas a assentamentos no período de 1953 a 1993. Mesmo assim, a concentração de terras na mão de grandes proprietários ainda é grande – cerca de 47 milhões de hectares, o que corresponde a 43% da área total do país.
A meta do governo boliviano é inverter essa distribuição. “Dentro de cinco anos, chegaremos a 40 milhões de hectares em posse dos indígenas e das comunidades mais pobres, enquanto as terras na mão de empresários devem recuar para não mais que 35 milhões de hectares”, adiantou.
Além disso, entre 70% e 80% das terras de reforma agrária na Bolívia serão de propriedade coletiva, o que, segundo Rocha Rojo, é uma forma de evitar que haja nova concentração de terras no futuro.
Sustentabilidade
Outra preocupação do ministério boliviano é com a produção sustentável. “Há um mito de que a reforma agrária vá destruir o meio ambiente. Defendemos que as terras distribuídas sejam utilizadas de forma sustentável. Temos condições de aproveitar os recursos naturais sem devastar, e para isso precisamos mostrar às pessoas que recebem as terras que isso é possível, e como fazer”, explicou Rocha Rojo. Para isso a capacitação dos assentados é fundamental, e essa pode ser também uma área de cooperação com o Brasil, avaliou.
Kiel destacou que, além de mostrar as experiências brasileiras, o país também tem muito a aprender com os vizinhos. “Os bolivianos têm, por exemplo, uma relação muito mais próxima com os povos indígenas nativos na reforma agrária, eles são os principais beneficiários da distribuição de terras. Acho que podemos aproveitar essa experiência na nossa política para os povos indígenas”, disse o diretor do Incra.
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