O economista equatoriano Alberto Acosta não tem medo da palavra mais execrada pelo mercado financeiro internacional quando o assunto é dívida externa. Ao analisar o custo social das políticas recentemente adotadas pelos governos europeus e que ameaçam a zona do euro, Acosta receita: “moratória, sem dúvida”.
“Está na hora de o discurso de terror em torno do default [suspensão de pagamentos] ser desarmado”, explicou o redator do plano de governo do presidente do Equador, Rafael Correa. Além disso, Acosta ajudou a arquitetar a suspensão do pagamento da dívida equatoriana aos credores internacionais em 2007. E não se arrepende.
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Alberto Acosta: “Está na hora de o discurso de terror em torno do default ser desarmado”
Entre as recomendações da comissão auditora da dívida equatoriana, Acosta destaca uma em particular. Ao constatar “muitas evidências de ilegalidade e ilegitimidade”, sugeriu-se ao governo “suspender imediatamente os pagamentos da dívida representada pelos Bônus Global 2012, 2015 e 2030 para preservar o patrimônio público do país e atender devidamente as urgentes necessidades do povo equatoriano”.
Correa atendeu à recomendação e decretou moratória técnica, prevista nos contratos. “O governo suspendeu o pagamento dos bônus globais com vencimento em 2012 e 2030”, lembra o economista. “Com isso, conseguiu desvalorizá-los, para, depois, efetuar a recompra de quase todo o pacote de bônus. A manobra permitiu reduzir substancialmente o peso e os juros da dívida.”
Em junho de 2009, os jornais de todo o mundo anunciariam o “sucesso total” obtido pelo Equador ao readquirir 91% de sua dívida externa em papéis soberanos. Conforme a ministra de Finanças María Elsa Viteri revelou à época, o valor de recompra girou em torno de US$ 2,9 bilhões, cifra que significou uma economia de US$ 7,5 bilhões aos cofres públicos.
O roteiro de reajuste econômico recentemente adotado pelos países do chamado PIIGS (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha) é velho conhecido não só do Equador, mas de toda a América Latina. É por isso Acosta acredita que a reação equatoriana é aplicável à realidade européia: “Da experiência acumulada, surge a necessidade de impulsionar uma moratória incondicional da dívida.”
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Assim como as economias europeias, cuja moeda é o euro, o Equador também não possui um sistema de circulação próprio. Em 1999, por exigência do FMI (Fundo Monetário Internacional), o país abandonou o sucre e passou a utilizar o dólar norte-americano em suas transações internas. Para Acosta, o argumento de que os países mais afetados pelo sobre-endividamento na Europa poderiam decretar moratória somente se abandonassem a unidade monetária do bloco, é falho.
Em teoria, ao entrar em default, o país sofre as consequências imediatas do calote: os investimentos estrangeiros minguam, o crescimento despenca e os empregos desaparecem. Após a tempestade, porém, o governo pode desvalorizar o câmbio e oferecer estímulos à retomada da produção. É o que fez a Argentina, em 2001: após uma queda de 11% do PIB (Produto Interno Bruto) devido à moratória, o país recuperou-se e, dois anos depois, já registrava taxas de crescimento na ordem dos 9%.
Acosta lembra que existem alternativas. Além de seguir o exemplo do Equador (moratória seguida de renegociação da dívida, com redução no custo dos papéis e dos juros), seria possível que a União Europeia recorresse à memória econômica para lembrar do pacote de socorro financeiro oferecido à Alemanha após a Segunda Guerra Mundial.
Efe (29/06/2011)
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“Os países credores deveriam comprometer-se, como em 1953, a comprar produtos das nações endividadas, provocando assim uma recuperação do aparato produtivo dos países mediterrâneos”, explica. “Os credores também são responsáveis pelos problemas do sobre-endividamento e devem assumir parte significativa do custo da solução.”
Dívida ilegítima
Outros economistas, como o belga Eric Toussaint, membro do Conselho do Fórum Social Mundial, igualmente recomendam a medida. Toussaint participou da auditoria da dívida equatoriana, em 2007, e vê com bons olhos a declaração de moratória dos PIIGS, sobretudo nos mais afetados: Grécia e Portugal.
“Para mim, o dinheiro que o BCE [Banco Central Europeu], o FMI e a Comissão Europeia vão entregar a Portugal é ilegítimo, porque os credores utilizam um momento em que o governo está sob pressão forte dos mercados para colocar condições em que há violações de direitos da população”, afirmou.
De fato, as benesses do invejado estado de bem-estar social europeu – e, por conseguinte, os cidadãos – serão as principais vítimas dos ajustes. Tome-se o exemplo grego. Para receber o socorro financeiro da União Europeia e do FMI, cuja soma deve chegar aos 182 bilhões de euros até 2014, o gabinete do primeiro-ministro Georgious Papandreu deve aprovar no Parlamento o mais rigoroso pacote de austeridade que a Europa já viu em décadas.
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A receita é bastante conhecida no lado de baixo do Equador: os impostos irão subir, os salários serão reduzidos, as empresas públicas (correios, loteria, portos e aeroportos) serão privatizadas, funcionários públicos serão demitidos e aposentadorias serão cortadas, assim como benefícios sociais. De quebra, os gregos que continuarão empregados terão que contribuir mais para a Seguridade Social. O objetivo do governo é poupar 78 bilhões de euros até 2015. Atualmente, a dívida grega, considerada impagável, está na casa dos 350 bilhões de euros – ou 150% do PIB.
Olho no lance
Porém, apesar de recomendar a moratória, Acosta faz uma ressalva: “É preferível que uma decisão desta natureza seja adotada em conjunto por todos os países europeus que hoje em dia se veem afetados pelo sobre-endividamento.”
Os benefícios de uma reação conjunta se explicam pelas dificuldades que o Equador experimentou após renegociar sua dívida externa. Mesmo sem ter dado calote total nos credores, o país viu escassearem as possibilidades de acessar novas linhas de crédito. Correa tentou resolver o problema trocando os empréstimos do FMI e do Banco Mundial pelo dinheiro disponível em alguns mecanismos regionais, como a CAF (Corporação Andina de Fomento) e o FLAR (Fundo Latino-Americano de Reservas). A repentina escassez de recursos também explica o empenho de Correa pela instauração do Banco do Sul.
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Entretanto, a principal alternativa do governo equatoriano foi recorrer à China – em condições não tão favoráveis. “A preocupação não é tanto os custos mais elevados do crédito chinês, mas a possibilidade de ter que entregar nossos reservatórios petrolíferos e as jazidas minerais em troca dos empréstimos”, alerta Acosta. “Logo após a dívida externa ter sido reduzida a níveis historicamente baixos, os dividendos equatorianos – graças aos contratos estabelecidos com a China – voltaram a subir a patamares próximos aos existentes antes da auditoria.”
Atento ao exemplo do Equador, Acosta pondera: a auditoria pode ser uma potente arma política e um ótimo instrumento para alavancar a mobilização social num país sobre-endividado, mas é apenas um primeiro passo na redução do endividamento. “É preciso que a renegociação da dívida seja interpretada como parte da construção de uma nova arquitetura financeira internacional”, diz.
“O mundo necessita urgentemente de um código financeiro que incorpore a impugnação das dívidas odiosas, corruptas e usurárias reveladas pelas auditorias. Este código deveria criar normas para as relações financeiras sem colocar em risco a dignidade humana dos devedores e sem afetar os equilíbrios ecológicos em nenhuma parte do planeta”, concluiu.
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