Após oito anos, a direita conservadora representada pelo PP (Partido Popular) deverá voltar ao poder na Espanha. Neste domingo (20/11), cerca de 35 milhões de eleitores do país ibérico, envolto em uma profunda crise econômica, elegerão 350 membros do Parlamento e 208 senadores.
As mais recentes pesquisas de opinião indicam uma derrota histórica para o partido da situação, o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), do premiê José Luiz Rodriguez Zapatero, que tem como candidato a chefe de governo o ministro do Interior, Alfredo Pérez Rubacalba. Eles deverão ficar, segundo o CIS (Centro de Pesquisas Sociológicas), com 116 a 121 cadeiras. Já o PP, liderado por Mariano Rajoy, terá tranqüilidade para governar com 190 a 195 vagas.
Desta vez, a crise econômica protagoniza todas as atenções dos eleitores, que culpam os socialistas por se encontrarem no pior cenário desde a redemocratização. Entretanto, o eleitorado não encontra em seus adversários e eventuais vencedores a solução para o entrave.
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Alfredo Pérez Rubacalba, candidato do PSOE
“O próprio Zapatero já chama para si a responsabilidade da crise com a intenção de poupar seu sucessor no partido e ver se ele consegue uma performance um pouco melhor. Ele já percebeu que não há outra saída. A perspectiva do eleitor espanhol é a mais melancólica possível. Na falta de alternativa, ele vai preferir ficar com a oposição porque os socialistas entregam um país em frangalhos. O próprio Rubacalba sabe que tem poucas chances e entrou só para cumprir tabela”, diz o doutor em Ciências Políticas Christian Lohbauer, membro do Gacint (Grupo de Análise de Conjuntura Internacional), da USP, em entrevista ao Opera Mundi.
Terra arrasada
Ele lembra, no entanto, que a popularidade do rival Mariano Rajoy é baixíssima. “Seja quem for o próximo dirigente, o cenário será o mesmo: de enorme necessidade de [adotar medidas de] austeridade, recessão, o desemprego mais alto da Europa, e situação trágica para os jovens, com toda uma geração comprometida”, afirma.
O desemprego no país atinge o escandaloso índice de 21,5% da população economicamente ativa (mais do que o dobro da média europeia), o que significa 4,9 milhões de pessoas sem trabalho, segundo números do INE (Instituto Nacional de Estatísticas) divulgados em outubro. O quadro se deteriora ainda mais entre os jovens: 45% dos trabalhadores espanhóis com menos de 25 anos também estão a procura de trabalho.
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Segundo as pesquisas, Rajoy deverá levar as eleições
Além disso, o país ainda deverá se tornar credor da troika (grupo formado por União Européia, Fundo Monetário Internacional e Banco Central Europeu) para tentar sanar o rolamento de sua dívida soberana. Nesta quinta-feira, o país pagava juros de até 7% nos títulos da dívida com vencimento em dez anos, valor que pode ser considerado insustentável.
A direita no poder
Para Alexandre Hecker, professor de História Contemporânea do Mackenzie, ao contrário do que desejam os eleitores, a volta do PP ao poder trará um endurecimento ainda maior. E colocará definitivamente o estado de bem-estar social em posição de risco na Europa. “Há uma ascensão dos governos de direita em geral. Rajoy já prometeu aumentar o nível dos cortes orçamentários, reduzir salários públicos e investimentos em setores como educação e saúda. Para evitar o desgaste maior que já espera com o corte de gastos públicos ele prometeu que não mexerá apenas nas aposentadorias. De resto, cortará tudo. Vai adotar o modelo clássico que, a meu ver é absolutamente equivocado”, afirma.
O próprio Rajoy pediu aos investidores e à troika uma margem de manobra mínima em caso de vitória. Hecker defende a tese do economista norte-americano Paul Krugman, que culpa a imposição da Alemanha para esse modelo aos países periféricos que compõem a zona do Euro e que a solução seria sair desse grupo. “Se [esses países em dificuldade] tivessem capacidade de captar recursos sem a imposição do Euro, talvez saíssem dessa crise com mais facilidade. A resposta para a crise é difícil, mas certamente não passa por retirar cada vez mais direitos e conquistas dos trabalhadores que demoraram quase cem anos para obtê-las. A construção desse estado europeu de bem-estar social não pode ser colocada em cheque e nas mãos do mercado, que nada mais é do que um grupo de instituições financeiras que pretende colocar uma lógica internacional que serve apenas a seu próprio benefício”, protesta Hecker.
Lohbauer, por sua vez, acredita que a mudança do regime traria uma volta à abordagem tanto econômica quanto política a qual [o ex-premiê conservador José Maria] Aznar manteve até 2004: mais austera e liberal, e menos focada no bem-estar social. “Porém, num ambiente de crise, essa bandeira não terá força, porque a herança dela não deve ser creditada apenas ao PSOE, mas ao que aconteceu a toda a Europa, um desgaste de um modelo fiscal que culminou após o estouro da crise imobiliária norte-americana , afetando todo o sistema financeiro mundial”.
Ele entende, porém, que a troca de poder é sempre saudável em um ambiente de crise de insolubilidade. “Mas realmente não haverá muito espaço para margem de manobra. Vai se reduzir o bem-estar social e gastar menos. A Espanha entrará em recessão, não é um país que é muito competitivo em vários setores. Os subsídios europeus vão diminuir. Os dirigentes de direita não conseguirão ser inovadores”, afirma.
No contexto da dívida, Lohbauer teceu severas críticas à forma como os países europeus periféricos lidaram com suas dívidas para chegarem à atual situação, especialmente a Grécia, mas lembra: “O sistema financeiro é a causa das mazelas dessa crise universal. O que se fez foi uma barbaridade. Está se jogando uma dívida de meia dúzia de ‘brilhantes’ economistas e dirigentes de instituições financeiras para a população, isso é claro. Porém, não adianta colocar toda a culpa nesses grupos privados que se aventuraram a ganhar dinheiro fácil sem considerar que esses países [em crise] têm um histórico de indisciplina fiscal”, argumentou.
Efeito “indignados”
Na véspera da eleição, o movimento popular dos “Indignados”, que tem promovido grandes mobilizações do país desde maio, clamou a população para votar com “consciência crítica”, considerando a possibilidade da opção dos votos nulos (mas não a abstenção e os votos brancos).
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Indignados chamara a atenção para um voto com “consciência crítica”
Para Lohbauer, essa atitude do movimento impediu que ele tivesse um peso majoritário nessa disputa – o que acarreta em deixar as coisas como estão. “O grande problema desse movimento é a falta de uma bandeira política. (…) Sem isso, esses movimentos perdem força. As pessoas acham que podem [mobilizar politicamente] sem posição organizada, mas não dá. Os “Indignados não tiveram influência, eles só transformam a situação mais tensa e distante do mundo político, porque os indignados também são contra qualquer representação política organizada. Nessas condições, fica impossível propor um modelo alternativo ao vigente”.
Eleição sem ETA
Com a crise econômica no epicentro do debate, outros temas que sempre polarizaram atenções, como a questão da segurança, o fim do ETA, o qual Rubacalba tenta usufruir como um trunfo seu enquanto esteve no comando do Ministério do Interior, a imigração e o casamento gay ficam para segundo plano.
Lohbauer lembra que, exatamente nesses pontos, se encontra alguma diferença entre as agendas dos partidos, mas que perderam importância. “O processo de partidarização de movimentos dessa espécie já ocorre em outros lugares, como a Irlanda. E já se vislumbrava na Espanha. O objetivo do PSOE em levantar esse tema é diversificar a discussão e trazer alguma simpatia para o histórico de Rubacalba, o que está correto. Afinal, “se ficassem presos só à agenda econômica, estariam arruinados”.
Para Hecker, trata-se de uma bandeira muito frágil. “Não irá convencer ninguém. Essa eleição tem muito pouco a ver com as diferenças partidárias, será uma tentativa de resposta do público para se resolver o aqui e o agora”.
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