O presidente Lula tem consciência que a retomada da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) só será possível se for baseada em política de Estado e não de governo. Essa é avaliação de Gilberto Maringoni após a cúpula liderada pelo petista que reuniu 10 líderes sul-americanos em Brasília nesta terça-feira (30/05).
Para Maringoni, a convocação de Lula foi “inteligente”, pois não se baseou em aproximação política, mas na “pluralidade” dos representantes das nações vizinhas. O professor de relações internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC) apontou que a forma como o presidente brasileiro chamou seus homólogos demonstra o “viés” que ele pretende dar à reconstrução da instituição.
“A repercussão de hoje vai depender do êxito da cúpula. O discurso do Lula foi excepcional, de estadista. Ele dá os pontos de como a integração deve ser, mostrando que a integração é uma ação de Estado, fazendo com que seja uma ação concreta na política externa brasileira”, afirmou a Opera Mundi.
Mais cedo, Lula ressaltou a necessidade de uma integração regional, declarando que a América do Sul tem “mais uma vez a oportunidade de trilhar o caminho da união” e defendeu o legado da Unasul, afirmando que o bloco foi efetivo como um “foro de solução de controvérsias entre países da região” e permitindo que as nações se conhecessem melhor.
O presidente brasileiro ainda apresentou aos seus homólogos 10 propostas e a criação de um “grupo de alto nível” a ser construído por representantes das Presidências sul-americanas a fim de “dar seguimento ao trabalho de reflexão”
Maringoni observou que o modelo de integração proposto por Lula, como política de Estado, se dá por conta da instabilidade da região e deu um exemplo: “em outubro, a Argentina vai às urnas escolher seu próximo presidente. Se a direita ganha, o país sai da articulação”.
Ricardo Stuckert
Presidente Lula se reuniu com 10 líderes da América do Sul em Brasília nesta terça-feira (30/05)
Portanto, ele ressaltou que o momento é de uma “reconstrução do zero”, pois há, agora, uma outra conjuntura mundial e que a América do Sul está em uma “situação pós conservadora”.
A Opera Mundi, Maringoni reconheceu que a dissolução da Unasul muito se deu por conta que o Brasil, que ele apontou como o “principal polo de integração”, entrou em outro tipo de política durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro. Para ele, a iniciativa do Fórum para o Progresso da América do Sul (Prosul), a qual o país integrou ao lado de Argentina, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Guiana e Peru, não teria validade se não fosse o “peso que teve a posição de Bolsonaro” como chefe de Estado da “economia de maior peso no PIB regional”.
“Prosul tinha uma interferência dos Estados Unidos e era profundamente ideológico, um instrumento de reação à Venezuela e Bolívia, países com governos progressistas”, disse.
Brasil como ‘polo aglutinador’
Maringoni também fez apontamentos ao papel do Brasil e de Lula no âmbito internacional. Para ele, é notável a movimentação que o presidente brasileiro está desempenhando no cenário externo, em especial, a cúpula desta terça.
Para ele, após a “tragédia” da gestão Bolsonaro, seja no contexto interno e externo, o presidente Lula retoma papel como um “polo aglutinador” dentro da região. No entanto, o especialista faz ressalvas.
Ao mesmo tempo que o governo demonstra uma capacidade de iniciativa internacional, perde, segundo Maringoni, capilaridade internamente. “Em alguns pontos, a gestão Lula perdeu o rumo no plano interno. Mesmo que lateral na questão externa, isso mostra que as possibilidades que o governo tem no plano internacional são maiores que no interno. É algo notável, mas pode ser um problema também”, afirmou.
O problema, para o especialista, são os ataques que Lula recebeu após a visita de Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, no Palácio do Planalto na segunda-feira (29/05). Parte desses ataques vieram da grande mídia e de forma “preconceituosa”, defende Maringoni.