João Novaes
Pablo Sólon fala durante evento na Cúpula dos Povos
Quando decidiu de última hora participar de um debate na Cúpula dos Povos envolvendo a economia verde no último sábado (16/06), Achim Steiner, diretor-geral do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), esperava uma intervenção tranquila. O discurso conciliatório para apaziguar os ânimos dos participantes do debate já estava preparado: a ONU é uma organização aberta, não seria irresponsável de promover a abertura do meio ambiente para o mercado incontrolável e que, no fundo, as propostas e ideias entre as duas conferências sobre meio ambiente que estão sendo realizadas no Rio de Janeiro tem ideias muito próximas.
Steiner não esperava, porém, que um dos convidados à mesa, especialmente pelo fato de ser um diplomata, se levantasse revoltado contra ele e lhe apontasse o dedo chamando-o de mentiroso em relação ao posicionamento adotado pelas Nações Unidas sobre a economia verde. Foi assim que Pablo Solón, ex-embaixador da Bolívia nas Nações Unidas, acabou se tornando um dos símbolos da Cúpula dos Povos, ao lado do jornalista moçambicano Jeremias Vunjanhe.
Atualmente trabalhando na ONG (Organização Não-Governamental) tailandesa Focus on the Global South, Solón participou durante anos como chefe negociador de fóruns internacionais de mudanças climáticas, o que lhe dá uma visão bem realista sobre quais são as intenções por trás dessas negociações. “Conheço perfeitamente o sistema de negociação”, disse ele, após conceder uma entrevista para o Opera Mundi, na noite de segunda-feira (18/06).
O que esperar dos momentos finais da Rio+20?
A Rio+20 será decidida na reunião do G-20 no México, em Los Cabos [realizada nos dias 18 e 19 de junho]. Na realidade, os governos e presidentes que virão ao Rio de Janeiro a partir do dia 20 não irão decidir nada aqui. É absolutamente de conhecimento público que a presidente do Brasil levou os rascunhos ao México para fechar o acordo por lá. E é claro que Obama, Merkel e todos os grandes jogadores farão diferença e virão aqui dizendo: “ei, esse é o acordo que temos e é sim ou sim”.
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Portanto, o Rio+20 foi capturado pelo G-20. Estamos vendo que 20 presidentes vão decidir por 193 nações. E irão decidir uma questão chave que é a de abrir a natureza para um novo processo de “commoditização” e privatização. Porque é disso que a economia verde trata.
E mesmo quando dizem que ainda não chegaram a um acordo é que, na realidade, já existe um entendimento. Eles vão concordar em adotar a economia verde. A questão principal é como ela será implementada. Quem vai desenvolver os indicadores? O custo vai ser orçado em quanto? Mas é uma pena observar que, dentro da conferência do Rio+20, não tenha havido um debate sobre como a economia verde será implementada e se deve mesmo ser aceita. É uma situação similar a que vimos na COP 17 em Copenhague.
Houve nessa Cúpula dos Povos um intenso debate entre o senhor e o diretor-executivo do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), Archim Steiner. O que de fato aconteceu?
Steiner veio aqui para nos contar contos de fada sobre a economia verde. Ele disse que na economia verde não se quer privatizar nada, nem de ceder para os mercados, que se quer apenas dar um valor para a natureza. E que ele pessoalmente não é a favor do mercado desregulado nem dos capitalistas.
Bem, em primeiro lugar o Pnuma desenvolveu uma teoria que precisamos chegar a um capitalismo de três pilares, com o lado social e econômico e ambiental. Esse é o gol da economia verde. Colocar um valor monetário nos serviços ambientais para atraí-los ao mercado. E eles dizem que não é a intenção. Veja as alternativas deles sobre o reflorestamento. Falam de aplicar créditos de carbono. Servirá apenas para as companhias do norte continuarem a desmatar e poluir a atmosfera.
Trata-se de um novo tipo de mercado, em que vão negociar papeis ao redor do mundo e dizer que estes significam uma compensação pela emissão de CO2. É isso que que a economia verde vai produzir. A economia verde é sobre a comoditização da natureza. Deixei muito claro para Archim Steiner que nós, da Cúpula dos Povos, não iremos por esse caminho.
Você ficou muito irritado com a primeira reação dele? Foi uma explosão natural ou você já esperava aquela conversa e se planejou para ela?
O que aconteceu é que ele veio dizer que não quer os mercados. Essa é uma atitude desonesta. Se ele tem uma posição ele tem de defendê-la. Se eu acredito em algo, eu vou lá e defendo. Não iria chegar e ocultar.
E claramente sua posição é de desenvolver um capitalismo tridimensional. Por isso promove projetos como o REDD (Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação de Florestas), que tem lá sua lógica.
Me pareceu absolutamente desonesto da parte dele crer que nós somos crianças para não lermos o que o Pnuma tem escrito e promovido em suas distintas publicações. E daí vir aqui e dizer: ‘não, não tem nada, não se preocupe, só vamos valorizar monetariamente os bens naturais’. Não se pode vir aqui e fazer brincadeiras. Por isso a reação tão dura e contundente contra ele.
E o que a Cúpula dos Povos deve fazer agora?
Eu diria que a Cúpula dos Povos já teve uma realização. A maioria absoluta das plenárias tem clara noção do que a economia verde significa. Mas não é suficiente. Depois de saber o que ela é temos de planejar uma ação planetária clara para combater o capital financeiro e especulativo que está verdadeiramente atrás da economia verde. Temos de mirar esses bancos, essas instituições que fazem muito lucro com esses derivativos.
Todo o PIB (Produto Interno Bruto) mundial de 2011 foi de “apenas” 63 trilhões de dólares. E o mercado do derivativos é de 1,5 quatrilhão. Quase 250 vezes mais do que o mundo todo produz por ano. Isso é apenas um sintoma da especulação que vivemos. E agora querem mais especulação, mais lucro com o meio ambiente. Portanto não vamos apena dizer “não” à economia verde, mas vamos atrás dela, com um plano de ação bem claro contra o sistema especulativo finnanceiro.
É necessário desenvolver uma campanha contra esse sistema financeiro que os bancos estão especulando em nossos países em nível regional e global. Temos que mirar as instituições-chave que estão por trás da economia verde, como JP Morgan.
A Cúpula dos Povo tem uma opção realista para propor a ONU? Steiner disse que era necessário ser pragmático e havia muitos sonhos mas que vocês não conseguiriam atingir a realidade dessas propostas. O fim do capitalismo seria a única maneira de evitar essa destruição?
Creio que a solução frente a economia verde que é que teremos de ir até a economia real. Temos de acabar com as bolhas financeiras, o capital especulativo . Enfim, essa ficção que está matando os trabalhadores , elevando os preços dos alimentos . Essa é a proposta que está sendo construída aqui.
Em vez de economia verde, deveríamos ter uma economia de cuidado. Para que a natureza cuide dos outros, com participação dos Estados e que não esteja baseada na ganância, que é o atual motor da economia.
Quando debatemos com Steiner, ele diz que quer valorizar os bens naturais para poder introduzi-los ao mercado, o que só dá pra fazer se for atribuído a um valor monetário. E uma vez que entra no mercado, a lei que move tudo é a lei da ganância , é dizer: “faça maior riqueza possível com isso, sem tomar em conta o dano que pode causar a outros seres humanos e à natureza.
Temos de fazer uma economia que tenha como princípio fundamental a complementaridade, o compartir, o cuidar. Por isso é um modelo completamente distinto, onde os Estados e a sociedade se regulam, e a atividade econômica está a serviço da sociedade e não como é agora que estão a serviço do capital especulativo financeiro internacional
Os países latino-americanos hoje com governos considerados mais progressistas também estão dentro dessa esfera de crítica?
Sim. Porque, se por um lado nacionalizaram setores como petróleo, gás, eletricidade ou água, ninguém tocou um dedo nos bancos, a base do capital financeiro especulativo. É o setor que ganhou mais dinheiro nos últimos anos no mundo, incluindo a América Latina e nesses países que realizaram mudanças.
Só iremos mudar o sistema capitalista quando colocarmos o dedo na chaga deste setor. E isso não se resolve apenas com regulações a nível nacional ou global. Também teremos de fazer campanhas específicas contra alguns dos mais grandes e importantes empresas, porque eles são o 1% do 1%, que é esse capital financeiro especulativo financeiro.