Chegou às livrarias neste mês de julho os Grundrisse (R$ 79,00) – uma das obras do filósofo, jornalista e dirigente político Karl Marx (1818-1883) mais esperadas pelos estudiosos da teoria marxista no país desde a década de 1970. Composto por três manuscritos redigidos entre 1857 e 1858, o livro é a sistematização de 15 anos de pesquisas iniciadas quando Marx ainda era redator do periódico alemão Gazeta Renana (Rheinische Zeitung) e passou a debruçar-se sobre os estudos político-econômicos que resultaram na sua critica da economia política.
Divulgação
O lançamento inédito em língua portuguesa é uma iniciativa da Boitempo Editorial e da Editora UFRJ com o financiamento parcial da Faperj (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro).
O processo de tradução diretamente dos originais em alemão foi supervisionado pelo economista e professor da Universidade Federal Fluminense Mário Duayer em equipe com Nélio Schneider e com a colaboração de Alice Helga Werner, já falecida, e Rudiger Hoffman.
Para Duayer, “talvez essa seja a única obra realmente completa que ele fez, embora seja inconclusa. Ela não vai aos detalhes, não tem o desenvolvimento de categorias e nem o acabamento que tem O Capital, mas trata de questões que depois ele não pode tratar, no que diz respeito à dinâmica do capitalismo e suas tendências mais gerais, as possibilidades de práticas transformadoras dadas as contradições internas e as crises”.
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Ele considera que as formulações sobre as formas que precedem o capitalismo, o caráter estranhado da sociedade capitalista – ao se basear no dinheiro como nexo social – e a introdução na qual o autor explica seu caminho metodológico de análise são os pontos que mais merecem destaque dos Grundrisse.
Primeira versão d’O Capital
O historiador, economista, doutor em filosofia e professor da USP Jorge Grespan classifica os Grundrisse como “a primeira versão” da principal obra de Marx. Para ele, o livro tem importância “em primeiro lugar, histórica”, mas também por mostrar “os caminhos que ele tentou seguir e porque não seguiu”.
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Grespan destaca ainda o desenvolvimento do confronto de Marx com a lógica de um dos mais importantes filósofos da sua época e que teve forte influência sobre o autor: Georg Wilhelm Friedrich Hegel. “Nos Grundrisse ele está muito mais próximo de uma escrita filosófica, enquanto O Capital é uma escrita mais econômica. A gente pode ver também os estágios de crítica e distanciamento que ele vai tomando em relação a Hegel. Não como na juventude, quando fazia uma crítica em bloco, mas um distanciamento que entra no miúdo da filosofia do Hegel e a critica por dentro”.
O economista e professor aposentado da PUC-SP Vito Letízia considera a obra “uma referência necessária para quem quer se aprofundar no pensamento de Marx, porque permite esclarecer certas coisas que ele não transpôs para O Capital. Por exemplo, aspectos que dizem respeito à atividade política e sindical”. Mas ressalta que “não devemos perder de vista o fato de que se trata de anotações preparatórias”.
Teoria da crise
Já nos Grundrisse aparece de forma desenvolvida o conceito de Marx sobre as crises intrínsecas e cíclicas do capital, modo de produção definido como o “impulso desmedido e sem barreiras de ultrapassar as próprias barreiras”. A teoria marxista da crise capitalista recuperou destaque especialmente após o abalo aberto em meados de 2008 com o estouro da bolha dos subprime. Mas dois anos antes, uma pesquisa realizada pela rádio 4 da BBC já o apontava como o maior filósofo de todos os tempos.
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“Como é esse impulso de valorização constante, [o capital] tem que estar a todo momento medindo essa valorização. Só que justamente nos momentos de crise essas medidas entram em contradição. É uma desmedida geral. A crise é a manifestação real dessa desmedida no processo efetivo do capital, de não conseguir mais ser uma referência a si mesmo. Em função disso, em vez de ser valor que se valoriza passa a ser valor que se desvaloriza, e isso contradiz sua própria natureza. Esse ponto já aparece claríssimo e muito bem desenvolvido nos Grundrisse”, destaca Grespan.
Letízia ressalta que com esse conceito em nenhum momento Marx pretendeu vaticinar um desmoronamento por inércia deste modo de produção. “Ele não pretendia ter uma teoria do colapso. Avaliava que o capitalismo tinha contradições que tendem a se aguçar, e evidentemente isso implica que não é eterno. Mas queria se limitar a isso, não queria fazer nenhuma visão futura do capital tendo uma decadência, porque isso geraria discussões parasitárias e iria contra as ações objetivas”.
Para ele, a leitura de que haveria um catastrofismo determinado em Marx é produto de um mal entendimento do autor. Entre os conceitos mal compreendidos do autor, Vito destaca o da pauperização da classe operária (a diminuição da parte da riqueza entregue ao trabalhador), que acaba por se manifestar como perda do poder de compra e aumento da miséria.
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“Isso significa que o salário de um trabalhador pode ter um poder aquisitivo maior no decorrer da vida trabalhista, mas ele está recebendo uma parte menor do valor que ele produz. E, na medida em que isso é uma necessidade do processo de produção capitalista, aponta para o colapso porque vai terminar se manifestando como perda do poder de compra e aumento da miséria relativa e absoluta. É o que a gente vê hoje com o rápido crescimento das favelas no mundo e a quantidade de gente empurrada para fora dos empregos regulares”, exemplifica.
Mario Duayer destaca ao debater esse conceito Marx “trata de entender a dinâmica da sociedade capitalista e suas contradições. Uma autorreflexão sobre a história da humanidade, suas tendências e probabilidades. Um momento de tremenda autoconsciência da humanidade”.
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