Na comunidade La Aldeíta, situada no departamento (estado) de Chalatenango, a 70 quilômetros da capital San Salvador, as remessas provenientes do exterior se transformaram numa fonte insubstituível para o sustento dos habitantes, que desde cedo aspiram emigrar para os Estados Unidos para melhorar de vida e ajudar os que ficam.
Lá, assim como nas outras regiões de El Salvador, o dinheiro enviado pelos familiares é utilizado com alimentação, vestuário, serviços básicos e moradia. Também provoca uma forte “transculturalização”, que contagia rapidamente os salvadorenhos. A onda migratória se intensificou durante a guerra civil (1980-1992) e ainda não arrefeceu.
A recessão norte-americana do último ano, entretanto, vem fazendo com que os 1.500 habitantes da região, antes dedicados em sua maioria a trabalhos agrícolas e de pecuária, tenham que conviver com a diminuição das remessas, já que os familiares nos Estados Unidos perderam seus empregos ou tiveram a carga horária reduzida.
Esse é um dos temas cruciais da eleição presidencial do próximo domingo (15), a quarta do pós-guerra, disputada entre o ex-guerrilheiro Mauricio Funes, da Frente Farabundo Martí para la Liberación Nacional (FMLN), e o governista Rodrigo Ávila, da Alianza Republicana Nacionalista (Arena).
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Mario Landaverde, que anos atrás se dedicava ao cultivo do milho, conta que os três filhos não conseguem mais lhe enviar a mesma quantia de dinheiro. Armando, um deles, agora trabalha apenas três ou quatro dias por semana.
“As remessas diminuíram porque nossos familiares não encontram trabalho, devido à crise econômica”, conta o camponês aposentado de 76 anos, que viu partir seu primeiro filho em 1984.
Só 200 dólares mensais
“Não podemos viver sem as remessas. Se não nos enviam, não comemos”, disse, enquanto jogava baralho sobre a calçada em frente à sua casa com o amigo Rafael Murillo, de 69 anos. Há um ano, ele recebia entre 350 e 400 dólares mensais. Agora, recebe apenas 200.
Murillo, amputado da perna direita, também sentiu os efeitos da diminuição das remessas enviadas pelos três filhos que moram em Nova Jersey, costa leste norte-americana.
El Salvador, recostado sobre a costa pacífica e situado no coração da América Central, tem uma extensão de 20.749 quilômetros quadrados e uma população de 5,7 milhões de habitantes. O menor estado brasileiro, Sergipe, tem 21.910 quilômetros quadrados.
Juan José García, especialista salvadorenho em temas de emigração e remessas, afirmou ao Opera Mundi que, mesmo com os fluxos de envios globais de remessas crescendo no ano 2,5% em comparação com 2007, o declive é evidente se comparado a 2004, quando aumentaram 17% em relação ao ano anterior.
A tendência é que “as remessas diminuam substancialmente em 2009 e 2010” em torno de 3% do total recebido até agora em El Salvador, advertiu o especialista. “Percebe-se uma crise”.
Sem documento
O Banco de Central de Reserva (BCR) relatou que, entre 1998 e 2008, as remessas triplicaram até chegar a 3.787,7 milhões de dólares, a maioria das quais vieram dos Estados Unidos, de onde se estima que viva 90% dos 2,9 milhões de salvadorenhos que moram no exterior, grande parte deles sem a documentação exigida.
Segundo as informações do BCR, as remessas recebidas no ano passado equivalem a 17,1% do PIB (Produto Interno Bruto) e o ingresso mensal médio foi de 315,6 milhões.
Cifras oficiais mostram que 381.700 famílias são beneficiadas com o dinheiro do exterior, agrupando um total de salvadorenhos que chegam a 26,7% por cento da população.
O BCR reconhece que as remessas decresceram entre 2,1% e 6,6% entre agosto, quando se registrou o início da crise econômica mundial, em novembro passado. O fluxo de remessas em janeiro de 2009 reduziu 8,4% em comparação ao mesmo período em 2008, passando de 275.5 milhões de dólares a 252.4 neste ano.
Reportes jornalísticos indicam que o desemprego da população ativa procedente de América Latina alcançou 12,4% no estado da Califórnia, a taxa mais alta nos últimos 40 anos. Nessa região, na costa oeste norte-americana, vive a maior parte dos salvadorenhos, que de modo geral trabalham na construção, prestação de serviços, comércios e turismo, os setores mais afetados pela recessão.
Dados da Dirección General de Migración y Estranjería, órgão vinculado ao Ministério de Segurança Pública e Justiça de El Salvador, revelam que mais de 20 mil salvadorenhos foram deportados dos Estados Unidos em 2008, como resultado do maior controle aplicado pelas autoridades norte-americanas.
Essas medidas contra os estrangeiros e a profunda crise que afeta esse país têm desmotivado de forma temporal a emigração, fazendo com que o número de salvadorenhos que viajam diariamente tenha diminuído de 700 a 400 aproximadamente, asseguram especialistas.
No início de fevereiro, na cidade oriental de Chirilagua, a cooperativa de poupança e crédito La Guadalupana registrou ao menos “10 casos” em que os moradores têm feito o contrário, enviando dinheiro aos seus familiares nos Estados Unidos para ajudá-los a suportar os efeitos da depressão.
O dinheiro enviado chega a mil dólares, vindos das poupanças dos “irmãos distantes” como os imigrantes são conhecidos em El Salvador, mantidos em bancos ou em contas de fundos familiares, mantidos por segurança econômica.
Regresso
De volta a La Aldeíta, os habitantes contam que a queda nas remessas tem mudado a cara da comunidade, em comparação ao desenvolvimento que o dinheiro dos migrantes proporcionou em outros tempos. Nos últimos meses, muita gente desistiu de viajar aos Estados Unidos por causa da crise e das restrições migratórias implementadas por lá. Aqui, como em muitos outros povos, é forte o contraste entre as casas humildes e mansões de três andares construídas com evidente marca norte-americana.
Contraste em La Aldeíta
Um deles é Saúl García, de 54 anos, que já morou várias vezes em Nova Jersey desde meados dos anos 1980. Agora está de volta a La Aldeíta e construiu duas dessas casas, com varandas e janelas que permitem ver vários quilômetros da região.
Dados divulgados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) indicam que 81 de cada 100 dólares que entravam no país em 1978 correspondiam as agroexportações tradicionais, apenas oito eram provenientes de remessas e o restante eram provenientes da zona franca industrial e de vendas não tradicionais.
Em 2007, a estrutura do dinheiro que chega a El Salvador mudou radicalmente, quando as remessas passaram a ser responsáveis por 71% dele, as agroexportações tradicionais traziam apenas 6%, a indústria 10% e as vendas não tradicionais somaram o equivalente a 13%.
Edgardo Rivas, subdiretor do centro escolar desta comunidade, não maior do que oito quilômetros quadrados que atende 230 alunos entre o ensino infantil e o novo grau, sustenta que a maioria da população local utiliza as remessas. Ele aponta que familiares de três de seus ex-colegas que decidiram emigrar há alguns anos são um exemplo.
Entre “70 % e 80% dos habitantes depende das remessas”, assegurou o professor, o que é evidente no tipo de construção e nos veículos que possuem.
Consumismo
Rivas, que é professor há 21 anos nesta escola, sustenta que “há uma significativa mudança nos padrões culturais das crianças e dos jovens: as famílias que recebem remessas têm maior capacidade de consumo, suas roupas são ao estilo norte americanos, totalmente diferente da que de qualquer outro jovem de 20 anos.”.
“É lamentável que muitos estudantes mostrem claro desinteresse pelo estudo” porque suas perspectivas são voltadas à emigração, ressaltou o educador.
Nilson Castillo, de 20 anos, contou que só está esperando seu pai enviar os documentos para emigrar a Nova Jersey.
“Estou de partida”, disse o jovem, que recentemente concluiu o seu nono grau e veste uma roupa que sua família enviou dos Estados Unidos
Ele também foi afetado pela diminuição das remessas. Antes, seus pais destinavam em média 500 dólares por mês para a sua avó, agora, enviam 200, dos quais ele recebe apenas 20 dólares, sendo que antes sua avó lhe dava 50.
O jovem conta que tem 18 familiares nos Estados Unidos e que, quando chegar ao país norte-americano, vai “trabalhar e ajudar a avó, que ficará aqui”, completando uma nova etapa do círculo vicioso da migração e das remessas.
Mario Landaverde espera que a eleição traga mudança, para que os salvadorenhos “tenham melhores oportunidades de emprego aqui e não precisem emigrar”.
– Mapa de El Salvador:
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