Na França, a final da Copa de 1998 não teve resultado somente esportivo. Naquele dia, com os gols do franco-argelino Zinedine Zidane sobre o Brasil, a bandeira francesa mudou de nome: o tradicional “Bleu, Blanc, Rouge” (azul, branco, vermelho), passou a ser chamado de “Black, Blanc, Beur” (negro, branco e árabe).
Doze anos mais tarde, a situação é diferente, tanto no rendimento da seleção nacional, quanto no trato com a imigração. Em discurso essa semana, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, defendeu a cassação da nacionalidade de delinquentes de “origem estrangeira”, esquecendo que ele mesmo é filho de imigrantes.
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A proposta foi feita em Grenoble, no sudeste da França, palco de incidentes violentos há duas semanas, deflagrados pela morte de um homem de origem árabe que fugia da polícia. Segundo Sarkozy, a cidadania francesa “deve ser retirada de toda pessoa de origem estrangeira que ameace uma autoridade pública”. O presidente considera que “a nacionalidade é adquirida e deve ser merecida.”
“Estamos sofrendo pelos 50 anos de regulação frouxa da imigração, que levaram a uma ausência da integração”, afirmou Sarkozy no discurso, antes de pedir para o ministro da imigração, o ex-socialista Eric Besson, para elaborar um projeto de lei que será apresentado ao Congresso em setembro.
Além disso, Sarkozy propôs uma série de medidas, incluindo penas de até 30 anos para homicídio de policiais, o uso de etiquetas eletrônicas por criminosos condenados, a revisão da nacionalidade automática para agressores menores de origem estrangeira e até a condenação à prisão dos pais por crimes cometidos por filhos adolescentes.
As propostas surgem seis meses depois de um debate lançado pelo Executivo sobre o que significa ser francês hoje, que teve como conseqüência a criação de uma nova “carteira de jovem cidadão” para “cultivar o orgulho de ser francês”.
Repercussão
Intelectuais e juristas, inclusive de direita, se disseram “chocados” e alertaram sobre a incompatibilidade do novo projeto de Código Penal com a Constituição. Em seu artigo 1º, o texto afirma que a República Francesa “garante a igualdade diante da lei de todos os cidadãos, sem distinção de origem, raça ou religião.”
A Liga de Direitos Humanos assegurou, em comunicado, que o presidente está “ameaçando os próprios fundamentos da República”, enquanto o porta-voz do opositor Partido Socialista, Benoît Hamon, disse que o discurso de Sarkozy marcava o início de uma etapa “perigosa e indigna”.
Os principais representantes da direita tradicional se recusaram a falar em defesa do presidente. O assistente do primeiro-ministro François Fillon, e os de figuras do partido conservador UMP (União pelo Movimento Popular), como Alain Juppé ou Jean-Pierre Raffarin, alegaram que estavam de férias e não podiam comentar as polêmicas propostas. O próprio Henri Guaino, que escreve todos os discursos de Sarkozy, fez questão de dizer que não participou da redação do texto pronunciado em Grenoble.
Alguns representantes da UMP chegaram a se afastar publicamente de Sarkozy. “Os excessos do presidente começam a ser exagerados”, declarou o deputado do UMP Etienne Pinte, que nasceu na Bélgica antes de ganhar a cidadania francesa. “Não entendo: as pesquisas dizem claramente que a maioria dos franceses não tem problema com os estrangeiros, e que a imigração está longe de ser a primeira preocupação”, acrescenta.
Extrema-direita
Em junho deste ano, a popularidade do presidente era de 34%, segundo pesquisa realizada pelo instituto francês Viavoice. Este é o nível mais baixo desde 2007, quando assumiu o cargo.
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As principais razões para a baixa popularidade de Sarkozy são o fraco desempenho na economia, desemprego e escândalos financeiros dentro do governo. A extrema-direita, por sua vez, pediu que o presidente francês transformasse suas palavras em fatos.
O jurista constitucional Olivier Duhamel acabou de lançar uma petição chamada “Somos todos franceses”. Ele pede para o presidente, cujo “primeiro poder e dever é fazer respeitas a Constituição”, de “lembrar as lições do passado”, em referência à retirada da cidadania de 15 mil franceses. a maioria de origem judia, durante a Segunda Guerra Mundial. “Fazemos parte de um povo que lembra que a seleção entre franceses dependendo da origem foi feita pelo regime racista de Vichy”, declarou.
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