Com a morte do ex-presidente Hugo Chávez, em 5 de março de 2013, a América Latina perdeu um dos mais convictos e controversos defensores da integração regional. Os principais eixos de seu discurso integracionista foram a necessidade de a região se afastar dos Estados Unidos e a mudança do caráter econômico dos processos que vinham sendo realizados. Para o venezuelano, o rumo deveria ser outro, que passasse a contemplar o desenvolvimento humano e cultural, para além do capitalismo.
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Embora os países da bacia do Prata tenham feito diversos acordos no sentido de uma maior integração ainda em meados do século 20, foi somente a partir do início do novo milênio que a ideia passou a fazer parte da agenda política da região. É possível, no entanto, dizer que a morte de Chávez, há dois anos, deixou um vácuo de liderança no processo integracionista no subcontinente? Teria este movimento perdido força? Para responder a estas perguntas, Opera Mundi conversou com três especialistas na questão.
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Eleito em 1998, Hugo Chávez subiu à Presidência da Venezuela em 1999, para sair somente em março de 2013, quando faleceu
Liderança na América Latina
O doutor em Sociologia e professor do Prolam (Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da USP) Wagner Iglecias concorda que há um vazio de liderança a partir da morte do líder venezuelano. “Chávez desempenhou um papel fundamental na discussão sobre a importância da integração dos países latino-americanos no contexto multipolar para o qual o mundo se encaminha neste início de século”, avalia.
Ele ressalta, no entanto, que à ausência do líder venezuelano devem ser somadas também a dos ex-presidentes argentino, Néstor Kirchner, e brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva. Embora reconheça que a integração regional não deve ser baseada em personagens políticos, Iglecias pondera que os três ex-presidentes tiveram um papel fundamental para impulsioná-la.
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Lula, Chávez e Kirchner foram os principais impulsionadores da integração no início do milênio
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Por outro lado, o professor de economia política internacional na Universidade Federal do ABC, doutor em história e ex-secretário-executivo do Foro de São Paulo Valter Pomar ressalta que Chávez não foi “o” líder da integração. Ele também nega que as atuais dificuldades na integração se devam à ausência de uma liderança. “Ao afirmar isto, aceita-se a principal tese dos setores conservadores de que a integração latino-americana é algo voluntarista, subjetivo, artificial e que depende do ativismo personalista de certos líderes”. O processo de integração teria, assim, “uma dimensão material, objetiva, econômico-social. E é nesse nível que estão ocorrendo os problemas atuais da integração”, observa.
O posicionamento é em certa medida compartilhado pelo cientista político venezuelano e professor pós-doutor do departamento de Relações Internacionais da USP Rafael Antonio Duarte Villa. Ele reconhece que Chávez foi um “grande peso impulsionador do processo de integração latino-americana”, mas, para além da morte dele, o que “preocupa é o contexto de dificuldades econômicas e políticas que vive a região”. Apesar de a ausência de Chávez ser um fator, é preciso considerar “todo o conjunto, como os problemas domésticos de Brasil e Venezuela”.
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Reunião do Mercosul em 2012 com Hugo Chávez, Dilma Rousseff, José 'Pepe' Mujica (Uruguai) e Cristina Kirchner (Argentina)
Novo impulso integracionista
Para Pomar, “o sucesso da integração depende, em boa medida, da cooperação entre Argentina, Brasil e Venezuela”. Mas, pondera, “nos três países, está em curso uma crise política que tem dois desfechos possíveis: ou o retorno da direita ou o aprofundamento das transformações e, enquanto a crise política nesses países não for resolvida, a integração marcará passo”.
Mas, para Villa, as dificuldades atravessadas pelos países são conjunturais e não devem enfraquecer o processo. “Se olhar para a história nos últimos 30 anos, os países latino-americanos passaram por diversas crises e saíram mais fortes, foram ampliando suas bases. No atual contexto, há uma retração na atuação, mas isto não significa o fim dessas iniciativas. O que ocorre é um momento de pressão e baixo perfil político”.
Iglecias, por sua vez, acrescenta que um novo impulso na integração regional depende fundamentalmente de dois fatores: vontade de articulação política e dinheiro. “Sem recursos financeiros para viabilizar iniciativas como o Banco do Sul ou a PetroCaribe, os projetos ventilados pela Unasul [União das Nações Sul-Americanas] relativos à integração física do nosso continente não sairão do papel”, avalia.
Em declarações à Opera TV, Iglesias avalia impacto das eleições uruguaias na integração regional:
Papel do Brasil
Sobre uma possível predileção do governo brasileiro com relação aos Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia e África do Sul), em detrimento das políticas voltadas à América Latina, Villa pontua que o fato de o Brasil ter se empenhado no fortalecimento dos Brics “não o exclui o processo latino-americano”.
Entretanto, para Iglecias, “o papel do Brasil é construir uma integração que crie oportunidades para que os países menores e mais pobres possam ter acesso a oportunidades de melhoria das condições de vida de sua população. Além disso, o Brasil tem de ser um fiador da democracia, da não ingerência nos assuntos internos dos países, da promoção da paz e da construção de uma inserção mais autônoma da América do Sul no mundo”.
Prensa Miraflores
Em 2009, Chávez entregou um exemplar do livro “As Veias Abertas da América Latina”, de Eduardo Galeano, a Barack Obama
Este papel não seria muito diferente, na avaliação de Iglecias, do imaginado por Chávez para a Venezuela — ele próprio, ao longo de seu mandato, trabalhou ativamente para impulsionar iniciativas como a Alba e a Unasul. Desta forma, afirma Iglecias, o papel de liderança caberia a Dilma Rousseff, já que tanto o presidente venezuelano Nicolás Maduro, quanto seus homólogos de Equador, Rafael Correa, e Bolívia, Evo Morales, estão muito demandados por questões domésticas.
Já Pomar é categórico ao afirmar que, para ajudar a impulsionar a integração latino-americana, o Brasil deve aprofundar internamente o projeto de reformas sociais. “O país precisa executar o programa vitorioso nas urnas de 2014. Se fizermos isto aqui dentro, terá repercussão positiva no exterior, em favor da integração”, conclui.
A investida de Chávez contra os EUA mais famosa foi quando chamou o ex-presidente dos EUA, George W. Bush, de diabo na ONU: