Um grupo de 54 soldados israelenses que participou da ofensiva na Faixa de Gaza, em janeiro, afirmou que abusos frequentes, alguns que poderiam ser classificados como “crimes de guerra”, foram cometidos contra civis durante o confronto com militantes do grupo palestino Hamas.
Os relatos foram feitos à ONG israelense “Rompendo o Silêncio” e divulgados hoje (15). Os rapazes entrevistados participaram da operação Chumbo Fundido – ocorrida entre 27 de dezembro de 2008 e 18 de janeiro de 2009 e na qual morreram 1.400 palestinos, em sua maioria civis.
Voluntários do Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) retiram escombros de casas que foram destruídas durante operação israelense em janeiro, em Jabalia, norte de Gaza – Fotos: Ali Ali/EFE
(12/07/2009)
Acesse aqui o site da ONG israelense, e neste link, alguns dos depoimentos dos soldados, em inglês
“Se impôs em Gaza, antes de tudo, que as tropas não corressem absolutamente nenhum risco”, explica à Agência Efe o diretor desta organização, Yehuda Shaul, um militar da reserva para quem o ocorrido deve ser interpretado à luz da derrota israelense no sul do Líbano em 2006.
Shaul destaca que os testemunhos comprovam a ausência total de regras para o combate, o que resultou em uma liberdade absoluta de muitos soldados para atirar contra qualquer palestino.”Não havia limites. Tudo o que estivesse lá era inimigo”, explica Shaul, acrescentando que as instruções em muitos casos foram do tipo “entre e atire contra tudo”.
Um dos soldados que fez seu relato de forma anônima corrobora que “as normas eram: atire se quiser”. O mesmo militar diz que os comandantes “repetiam o tempo todo que isto é guerra e que na guerra não há restrições para abrir fogo”.
Outro militar garante que “não era necessário nenhuma consideração em relação aos civis, disparávamos contra tudo o que víamos. Repetiam para nós que as considerações humanitárias não tinham cabimento. 'Não deixe que a moralidade seja um problema. Deixe os pesadelos para depois e agora simplesmente atire'”.
Um jovem lamenta “o ódio e a alegria de matar” entre as tropas.”Toda essa destruição, todo esse fogo contra inocentes… Era simplesmente incrível”, diz este militar cujo batalhão, explica, era formado por “60 meninos de entre 19 e 20 anos para os quais a vulgaridade e a violência são um estilo de vida” e onde “não havia ninguém para reprimir”.
Outro chama o poder de fogo da artilharia israelense de “demente” e reconhece que “estávamos matando inocentes”. Os combatentes também descrevem a destruição gratuita de imóveis e como “nem uma só casa” ficou intacta.
Um soldado que operou um canhão de tanque no noroeste da Faixa de Gaza garante que, quando tinha que girar e não havia visibilidade, “disparavam 12 bombas contra as casas ao redor e seguiam adiante”.
Em duas semanas de ofensiva, ele conta ter disparado 50 bombas, 32 caixas de munição de metralhadora de tamanho médio (mais de sete mil tiros), 20 explosivos de morteiro de 60 milímetros e 300 cargas de metralhadora pesada do calibre 0.5.
“E isso é só um tanque: havia mais de 200”, acrescenta Shaul.
Os soldados descrevem a morte de civis em casos facilmente evitáveis, como no de um idoso que foi alvo de tiros quando estava escondido atrás da escada de sua casa. “Antes de entrar em uma casa, era normal lançar mísseis, atirar com tanques e metralhadoras, jogar granadas. Depois disso, entrávamos”, descreve um soldado.
Outros militares israelenses falam do uso dos chamados “Johnnies” ou “escudos humanos”: um civil palestino entrava em uma casa para garantir que não havia milicianos dentro.
Alguns soldados destacam, surpresos, o papel do Rabinato Militar e do departamento “Consciência Judia para um Exército Israelense Vencedor”, o qual inspirava as forças com expressões como “Não tenha compaixão, Deus te protege e tudo o que fizer está santificado”.
Os rabinos disseminaram entre as tropas a noção messiânica de que travavam uma “guerra santa” na qual os “filhos da luz”, lutavam contra os palestinos, “filhos da escuridão”.
Shaul conclui que, em Gaza, “o Exército israelense abandonou todos os seus valores morais e atuou contra seu próprio código ético”, algo que em sua opinião merece ao menos um debate para que a sociedade decida se estas são as tropas que quer ter.
Reação
O Exército de Israel negou as acusações e afirmou que o relatório não tem credibilidade pois é baseado em “testemunhos anônimos e generalizados e rumores”. Apesar disso, os militares afirmaram que irão investigar qualquer reclamação formal de comportamento impróprio.
“O Exército lamenta que outra organização de direitos humanos tenha divulgado um relatório baseado em relatos anônimos e generalizados, sem investigação ou credibilidade”, afirmou a porta-voz do Exército, Avital Leibovich.
“Esperamos que qualquer soldado com alguma alegação procure as autoridades apropriadas”, disse ela.
A organização responsável pelo documento, no entanto, afirmou que os relatos são “sérios, arrependidos e chocantes”.
“Esse é um chamado urgente aos líderes e à sociedade israelense para tratar com seriedade e investigar os resultados das nossas ações”, afirmaram representantes da Quebrando o silêncio.
Os militares afirmam que tentaram ao máximo garantir a segurança dos civis. Alguns dos relatos divulgados no relatório realmente citam que, em algumas operações, os soldados distribuíam panfletos para alertar os civis para abandonarem áreas que seriam invadidas.
A organização sugere, no entanto, que são eventos que sucedem ao alerta que levantam questionamentos sobre a moralidade das ações do Exército israelense em Gaza.
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