Os efeitos radioativos de ensaios nucleares realizados pela França no deserto do Saara na década de 1960 chegaram até a costa do sul da Espanha e nas ilhas italianas de Sicília e Sardenha, de acordo com documentos oficiais publicados nesta sexta-feira (14/02) pelo jornal francês Le Parisien.
Segundo o arquivo, o impacto radioativo da explosão da primeira bomba – em 13 de fevereiro de 1960 – alcançou em 13 dias não apenas todo o norte, o oeste e o centro da África, mas atingiu também o extremo sul da Europa, chegando às costas espanholas e recobrindo a metade da Sicília.
Reprodução/ Larbi Benchiha
Durante os anos 1960, o Saara foi palco de operações nucleares, comprometendo a saúde de pelo menos 150.000 pessoas
“Este sempre foi o sistema de defesa do exército francês”, explica Bruno Barillot, especialista em ensaios nucleares ao Le Parisien. “À exceção de que as normas da época eram muito menos restritas que as de hoje em dia. Os progressos da medicina demonstram que mesmo em doses baixas, (a radioatividade) pode desencadear graves doenças 10, 20 ou 30 anos depois”, completa.
Com a divulgação dos documentos, o veículo aponta que, em certos lugares, as normas de radioatividade foram ultrapassadas. No sul da Argélia, nos arredores da cidade de Tamanrasset, assim como em N’Djamena, capital do Chade, a água foi fortemente contaminada.
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“Elementos radioativos lançados pelas explosões aéreas, tais como Iodo-131 e Césio-137, puderam ter sido inalados pelos habitantes dessas regiões, apesar de sua diluição na atmosfera”, relata Barillot. “Ninguém ignora hoje que esses elementos são a origem de cânceres ou de doenças cardiovasculares”, acrescenta.
Para o jornal francês, o exército apenas divulgou arquivos cuidadosamente selecionados, nos quais faltam informações essenciais acerca dos efeitos da propagação dos elementos radioativos. No entanto, a acusação foi refutada pelo Ministério da Defesa. “Os documentos foram escolhidos por uma comissão independente do exército”, disse um porta-voz ao jornal.
Histórico da zona de operações
Entre 1960 e 1961, a França realizou quatro ensaios com bombas nos arredores do Saara antes da independência da Argélia e os testes teriam continuado com mais 13 explosões suplementares até 1966, um ano antes de o exército abandonar o deserto como terreno de operações.
Em 2004, a Justiça francesa abriu uma investigação após denúncias de veteranos franceses que tinham participado desses ensaios e se queixavam de sofrer doenças derivadas de sua exposição à radioatividade. Em 2010, entrou em vigor uma lei que reconhece como vítimas alguns desses veteranos franceses. No entanto, a legislação não favorece as cerca de 150.000 pessoas que vivem nos arredores das antigas zonas de operações no norte africano.