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O apoio de Blair a Bush para as guerras de Iraque e Afeganistão minou a reputação dos trabalhistas britânicos
Os trabalhistas britânicos reunidos na conferência anual do partido em Manchester, no norte da Inglaterra, afinam seus discursos na tentativa de derrubar os planos de austeridade primeiro-ministro conservador David Cameron. Com o país em recessão, a oposição viaja no tempo e evoca o espírito Trabalhista pós-1945, que reergueu a economia e o moral do país à moda Keynesiana, como solução para um Reino Unido estagnado. Mas um fantasma recente e a falta de uma nova liderança podem atrapalhar seus planos de retomar o poder nas próximas eleições, em 2015.
O fantasma recente é sua estrela apagada, o ex-primeiro ministro Tony Blair (1997-2007), tratado como “inominável” durante a conferência do partido. Blair emergiu no movimento dos Novos Trabalhistas durante a década de 1990 e pôs fim ao domínio conservador de Margaret Thatcher e John Major, que durou quase duas décadas, entre 1979 até 1997. No entanto, a aliança de Blair com o presidente dos EUA George W. Bush nas Guerras do Iraque e Afeganistão arranharam consideravelmente tanto sua reputação como a do trabalhismo britânico.
Em julho, em um balão de ensaio, Blair deu entrevistas aos principais jornais britânicos avisando que gostaria de voltar à política local – ele atua hoje como consultor de fundações internacionais e governos, que vão desde o Cazaquistão até o Governo do Estado de São Paulo, após acordo assinado com Geraldo Alckmin (PSDB). Logo em seguida, uma pesquisa mostrou que se o ex-premiê desse as cartas novamente, os Trabalhistas perderiam três pontos percentuais nas intenções de voto. Um grande balde d’água fria.
Por isso, a oposição busca um novo nome que apague a imagem de Blair e renove as esperanças do partido. O atual líder Trabalhista, Ed Milliband, desponta como possível candidato, mas uma pesquisa divulgada nesta terça-feira (02/10) pelo jornal The Independent mostra que o desafio é maior do que se imaginava. Apenas 22% da população britânica acreditam que ele seria um bom primeiro-ministro, enquanto David Cameron recebeu apoio de 40% dos entrevistados. Ou seja, mesmo com a recessão, o conservador leva larga vantagem.
Milliband dará um importante passo nesta terça-feira (02/10) para tentar reverter esse quadro. Seus assessores acreditam que ele é apenas desconhecido da população. Em discurso na conferência do partido, ele pretende comparar suas origens às de Cameron. O trabalhista deve apresentar suas raízes judaicas, que fugiu da Alemanha nazista durante a Segunda Guerra, e dizer que nasceu em um hospital público e estudou em escola pública, diferentemente do rival, que é relações públicas de família tradicional e foi educado em Eton College, um dos mais exclusivos do Reino Unido.
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O líder Trabalhista também lança hoje um programa para estimular os 50% dos jovens britânicos que não vão às universidades com projetos de estudos técnicos, afim de que garantam empregos melhores. As escolas de aprendizes são uma aposta na educação vocacional. “Não podemos ter sucesso se nossa educação funciona para apenas metade do país. É hora de focar naqueles que não vão à universidade”, dirá Milliband.
Propostas na mesa
Além do duelo de origens e de propostas educacionais, os Trabalhistas já ventilaram sugestões concretas para reaquecer a economia britânica. O ministro das Finanças do gabinete paralelo, Ed Balls, quer levantar 4 bilhões de libras esterlinas (cerca de R$ 15 bilhões) com o leilão da telefonia 4G e construir 100 mil novas casas. Mais do que reduzir um déficit habitacional, a ideia segue a cartilha de Keynes de botar gente para trabalhar. A construção civil é a que mais sofre com a recessão, segundo dados oficiais.
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“Lembrem o que David Cameron, George Osborne [ministro das Finanças] e Nick Clegg [vice-primeiro-ministro Liberal Democrata] prometeram”, discursou Balls durante a conferência. “Que aumentos rápidos de impostos e cortes mais profundos assegurariam nossa recuperação e fariam do Reino Unido um paraíso; que o plano deles era o único possível para lidar com a dívida pública; e que estaríamos todos juntos nessa.”
Ele continuou: “Conferência, a recuperação aconteceu? Somos apenas um de dois países do G20 [o outro é a Itália] em recessão – a maior recessão desde a Segunda Guerra Mundial.”
[O atual líder trabalhista, Ed Milliband, apresentará projeto para jovens que não estão na universidade]
As intenções de movimentar a economia, porém, também passam por uma reforma nos gastos sociais – uma das bandeiras do Trabalhismo pós-1945. O secretário de Trabalho e Previdência do gabinete paralelo, Liam Byrne, avisou que o Reino Unido precisará “reinventar seguridade social de acordo com os tempos atuais”. Ele prevê cortes de gastos na área se os Trabalhistas retomarem o poder em 2015, deslocando investimentos para inserir pessoas no mercado de trabalho e movimentar a economia.
“A verdade é que o mundo do trabalho mudou radicalmente desde que a seguridade social foi montada na década de 1940 e muitas pessoas que trabalham não sentem que recebem muito em troca pela pressão do dia a dia, então acho que isso quebra a base do sistema e acho que precisamos reinventar a seguridade social para os tempos modernos e para o mundo hoje”, disse Byrne à rádio estatal BBC4.
A conferência do Partido Trabalhista acaba no dia 4 de outubro, quinta-feira. A conferência anual dos Conservadores começa logo em seguida, no dia 7, em Birmingham, no centro da Inglaterra. No programa, discussões sobre a herança do Thatcherismo e, claro, as possibilidade de crescimento econômico do Reino Unido para 2015, um escudo para a munição dos trabalhistas e uma tentativa de pavimentar a manutenção da maioria conservadora no Parlamento.