O último ônibus transportando membros da minoria étnica armênia no enclave de Nagorno-Karabakh, no Azerbaijão, deixou a região nesta segunda-feira (02/10).
Mais de 100 mil pessoas – mais de 80% dos residentes – deixaram o enclave questão de poucos dias após o governo azerbaijano dar início a uma operação militar para reconquistar o território, encerrando um conflito de quase três décadas.
O ônibus chegou à Armênia transportando 15 pessoas com doenças graves e problemas de mobilidade, informou o representante de direitos humanos da região. Ele tentava obter informações sobre outros residentes que queriam deixar o enclave mas não conseguiram.
Em uma campanha militar iniciada em 19 de setembro, o Exército do Azerbaijão perseguiu as forças armênias, que estavam mal equipadas e em menor número, forçando sua rendição. O governo separatista concordou com uma autodissolução até o final do ano, mas as autoridades azerbaijanas já controlam a região.
O êxodo veio após um bloqueio de nove meses ao enclave, que deixou muitas pessoas sofrendo com a desnutrição e a falta de remédios. A Armênia afirma que o isolamento da região resultou na escassez de alimentos e de combustíveis, enquanto o governo azerbaijano acusava o governo em Erevan de usar os canais de abastecimento para enviar armas aos separatistas.
Um porta-voz do Ministério do Interior do Azerbaijão afirmou nesta segunda-feira que sua polícia já controla toda a área. “O trabalho está sendo realizado para fazer valer e lei e a ordem em toda a região de Karabakh”, afirmou. Assegurando que as forças de segurança vão “proteger os direitos e garantir a segurança da população armênia de acordo com as leis azerbaijanas.”
Medo de represálias
Apesar das promessas do governo em Baku de que os direitos dos armênios seriam respeitados, a maioria da população se apressou em deixar o enclave, temendo represálias ou a perda da liberdade de usar seu próprio idioma e praticar sua religião e seus costumes. O fato de os armênios serem cristãos ortodoxos e os azerbaijanos, muçulmanos, acrescenta uma dimensão religiosa às questões em torno do território.
O governo da Armênia relatou nesta segunda-feira que chegaram ao país 100.514 pessoas vindas do enclave, de população estimada de 120 mil pessoas.
O ministro armênio da Saúde, Anahit Avanesyan, disse que algumas pessoas morreram durante a jornada exaustiva e longa que percorre uma única estrada nas montanhas, e que pode durar até 40 horas.
IRAKLI GEDENIDZE/REUTERS
Mais de 100 mil pessoas – mais de 80% dos residentes – deixaram o enclave
No domingo, promotores azerbaijanos emitiram um mandado de prisão para o ex-líder do enclave, Arayik Harutyunyan, que deixou o cargo no início de setembro. Na quarta-feira, a polícia prendeu um de seus primeiros-ministros, enquanto ele tentava cruzar a fronteira com a Armênia.
“Pusemos fim ao conflito”, afirmou presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, em discurso nesta segunda-feira. “Protegemos nossa dignidade, restauramos a justiça e a lei internacional. Nossa agenda é a paz no Cáucaso, paz na região, cooperação, compartilhar benefícios, e hoje demonstramos isso.”
Para Aliyev, a reconquista do enclave é uma restauração triunfante da soberania sobre uma área reconhecida internacionalmente como parte de seu território, mas cuja maioria étnica armênia conquistou a independência de fato numa guerra na década de 1990. Para os armênios, trata-se de uma derrota e uma tragédia nacional.
O Azerbaijão vem negando a acusação dos armênios de que estaria realizando uma limpeza étnica em Nagorno-Karabakh, afirmando que não forçou os habitantes a deixarem o território e que vai reintegrar pacificamente a região.
Nagorno-Karabakh vem sendo disputada há décadas entre as duas ex-repúblicas soviéticas. Nos anos 1990, o território conseguiu se separar do domínio azerbaijano após uma guerra civil na qual recebeu ajuda da Armênia.
Em 2020, o Azerbaijão, que à época havia reforçado seu poderio através dos rendimentos advindos da exploração de petróleo e gás natural, conseguiu recapturar grande parte do enclave, até os dois lados aceitarem um cessar-fogo negociado pela Rússia. Nos últimos anos, porém, essa trégua se mostrou bastante vulnerável.
Situação ainda instável
A Rússia, que desde 2020 mantém uma missão de paz no Azerbaijão, disse nesta segunda-feira que suas forças, juntamente com tropas azerbaijanas, foram atingidas por atiradores durante uma patrulha em Nagorno-Karabakh. Segundo Moscou, o incidente não deixou vítimas.
Os Ministérios da Defesa do Azerbaijão e da Armênia trocam acusações de ataques a tiros na região de fronteira.
Nesta segunda-feira, a Armênia relatou que um de seus soldados foi morto ao longo da fronteira entre os dois países e outros dois ficaram feridos. Segundo a Defesa armênia, um veículo que transportava alimentos para os soldados foi atacado juntamente com uma ambulância.
Os episódios demonstram a instabilidade na região, mesmo após Baku assegurar que controla a situação no enclave.